Publicado no Diário Oficial da União do último dia 26 de outubro, o Decreto 5.940, de 25 de outubro de 2006 institucionaliza a separação e destinação de resíduos recicláveis para cooperativas de catadores em todos os órgãos da administração pública direta e indireta.
A iniciativa parece muito boa. É uma chance de o Governo Federal, pra variar, dar o bom exemplo para a população. E, nesse caso, o bom exemplo pode mesmo fazer alguma diferença. Eu não tenho os números, mas pela minha – pouca – experiência no mundo corporativo, acredito que a grande maioria dos órgãos governamentais deva produzir uma quantidade considerável de lixo, especialmente na forma de papel, o que quer dizer que os catadores devem estar sentindo mais ou menos o que o povo da Petrobras sente quando descobre que está sentado sobre mais um daqueles depósitos colossais de petróleo. Para eles, isso é uma mina de ouro.
O Decreto estabelece que, no máximo 90 dias após a sua publicação, “será constituída uma Comissão para a Coleta Seletiva Solidária, no âmbito de cada órgão e entidade da administração pública federal direita (sic) e indireta”, a qual “deverá implantar e supervisionar a separação dos resíduos recicláveis descartados, na fonte geradora, bem como a sua destinação para as associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis”. E mais. Ele ainda estabelece que “os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão implantar, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da publicação deste Decreto, a separação dos resíduos recicláveis descartados, na fonte geradora, destinando-os para a coleta seletiva solidária, devendo adotar as medidas necessárias”.
Por fim, como não poderia deixar de ser, o Decreto estabelece que “deverão ser implementadas ações de publicidade de utilidade pública, que assegurem a lisura e igualdade de participação das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis no processo de habilitação”. Coisas de Brasil. Se com isso o novo programa de coleta já corre o risco de virar objeto de CPI, sem isso a criação de uma máfia de políticos corruptos para explorar o processo de catação através de suas próprias “associações sem fins lucrativos” seria praticamente inevitável.
Outra boa iniciativa do Decreto é estabelecer um sistema de rodízio entre as cooperativas de catadores. Ou elas chegam a um acordo sobre como ratear os resíduos de um determinado órgão, ou terão que se submeter a um processo de seleção e sorteio que decidirá quem terá direito, mediante termo de compromisso, ao monopólio do lixo daquele órgão específico, por um período não superior a seis meses. Passado esse prazo, a primeira cooperativa sai de cena entrando a que tiver ficado em segundo lugar no sorteio, e assim sucessivamente. Serão sorteadas até quatro cooperativas. Passados os seis meses da última cooperativa sorteada, o processo seletivo começa outra vez. É um sistema bem bolado porque não permite, em tese, que nenhum grupo se perpetue no “poder”.
Infelizmente, contudo, o Decreto merece algumas ressalvas com relação à sua redação, que parece saída da pena do próprio Lula.
O termo “coleta seletiva solidária”, por exemplo, aparece, indiscriminadamente, através do texto, com ou sem letras maiúsculas; vírgulas sobram aqui e faltam acolá; e o caput do art. 4º, honestamente, merecia mais capricho. Para aqueles que acreditam em teorias da conspiração, o fato de o texto cometer quatro erros idênticos de grafia para escrever “administração pública federal direita e indireta”, só pode ser propaganda governamental subliminar, daquelas que dizem que nos davam vontade de tomar refrigerante ou fumar um cigarro depois do cinema. Mas, com a escolaridade em baixa no Palácio do Planalto, quem é que pode exigir muito dos revisores de texto?
O único problema dessa falta de cuidado – que, aliás, salvo honrosas exceções, é um problema crônico dos legisladores brasileiros – é que ela deixa lacunas e pontos obscuros que podem atrasar, e muito, a efetiva implementação da idéia. O Decreto poderia ter sido mais específico, por exemplo, quanto à formação e às atribuições das comissões para a coleta seletiva solidária a serem implementadas nos órgãos federais. Será que qualquer pessoa pode ser nomeada para uma dessas comissões ou elas requerem de seus membros ao menos alguma noção do assunto “resíduos”? A composição dessas comissões será vitalícia? A participação será remunerada? Onde e como serão colocados os materiais para que os catadores tenham acesso a eles? Essas questões, que agora podem parecer irrelevantes, assim como outras, podem se transformar em duradouras discussões que impeçam as entidades de cumprirem os prazos de implementação previstos no Decreto. Aliás, que acontece com quem não conseguir se adequar à nova regra?
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