“Quem ri por último, ri melhor”. ”De virada é mais gostoso”. “Antes tarde do que nunca”. Não importa o chavão, todos se aplicam muito bem às decisões proferidas pela Suprema Corte dos EUA no início do mês, para reconhecer a competência da Environmental Protection Agency para regular as emissões de gases do efeito estufa. É o fim de duas batalhas judiciais nas quais a agência se negava a assumir a responsabilidade pela regulação dessas emissões sob os mais estapafúrdios argumentos.
No último dia 2 de abril, por 5 votos a 4, a Suprema Corte, revertendo decisão da Corte de Apelações, decidiu que a EPA não pode se eximir da sua competência para regular essas emissões e, muito embora a decisão não obrigue a agência a tomar atitudes nesse sentido, ela agora pode ser compelida judicialmente a fazê-lo, através de outras ações judiciais.
Uma reportagem do New York Times (curiosamente assinada por uma repórter chamada Linda Greenhouse), publicada no último dia 3, chama a decisão de “uma forte grande derrota para a Administração Bush, que afirmava não ter o direito de regular as emissões de dióxido de carbono e outros gases que aprisionam calor sob o Clean Air Act e que, mesmo que tivesse tal direito, não poderia impor normas sobre o assunto”.
Os efeitos dessa decisão ainda são incertos, mas tudo indica que serão muito abrangentes. Muito embora nesse caso específico se estivesse tratando de gases de origem veicular, segundo a matéria do New York Times é bem provável que ela mude o rumo dos esforços do governo americano para tratar da questão do aquecimento global.
Em seu voto vencedor, o juiz Stevens afirma que ao se negar a regular as emissões com base em justificativas furadas, a agência ambiental violava ordem direta do Clean Air Act e que uma recusa nesse sentido só poderia ocorrer baseada em argumentos razoáveis e científicos.
O voto também atropelou, corretamente, o Segundo argumento apresentado pela EPA para não regular as emissões veiculares sob o Clean Air Act: segundo a agência, a legislação não permitiria que ela controlasse esses gases porque tratava especificamente de “poluentes”, categoria que, segundo ela, não englobaria os gases de efeito estufa.
Segundo a decisão da maioria, os gases de efeito estufa cabem muito bem dentro da definição legal de poluentes adotada pelo Clean Air Act, chamando a atenção para o fato de que a própria EPA não nega a existência entre um nexo de causalidade entre as emissões veiculares e o aquecimento global.
Com isso, segundo a material do New York Times, Dave McCurdy, presidente da Alliance of Automobile Manufacturers, teria dito que a indústria estaria “ansiosa para trabalhar construtivamente junto ao governo e o Congresso para tratar da questão”. Soou como balela. E era. Uma semana depois, o próprio New York Times publicou uma reportagem noticiando que a indústria automotiva ajuizou uma ação judicial para barrar a entrada em vigor de uma norma anti-poluição da Califórnia que exige uma redução gradual de até 30% nas emissões de gases de efeito estufa por carros e caminhões produzidos a partir de 2009 até 2016.
Os argumentos da indústria, segundo a reportagem, são muitos. Os fabricantes de carros alegam que o controle das emissões vai “aumentar a poluição, aumentar problemas de tráfego, causar mais mortes em acidentes de trânsito e impedir que os fabricantes norte-americanos vendam seus modelos nas cidades que adotarem a norma”. Eles chegam a negar que o aquecimento global seja um problema, segundo a matéria, e teriam tentado, sem sucesso, impedir que o público tomasse conhecimento do caso.
Mas o argumento da indústria automotiva que mais chamou a atenção dos ambientalistas foi o de que carros mais eficientes em termos de consumo levariam as pessoas a dirigir mais e, consequentemente, se expor mais a acidentes. David Bookbinder, advogado do grupo ambientalista Sierra Club, afirmou que “todos estão rindo muito com essa alegação de segurança. Detroit (o berço da indústria automotiva dos EUA) está afirmando que é uma má idéia as pessoas dirigirem mais”.
Outro ponto importante dessa decisão é o precedente que ele abre com relação à legitimidade dos Estados para postularem judicialmente em questões ambientais.
Um dos principais argumentos processuais contra o prosseguimento dessa ação é que os grupos ambientalistas e os Estados não teriam legitimidade para demandar judicialmente o reconhecimento da competência da EPA para regular as emissões veiculares porque não teriam interesse processual no desfecho da demanda, um dos requisitos cada vez mais exigidos pelas cortes norte-americanas.
O voto vencedor prevaleceu, com o argumento de que bastava que um dos reclamantes tivesse legitimidade postulatória e que Massachusetts, um dos autores, teria conseguido provar que a elevação do nível dos mares por causa do aquecimento global lhe causaria prejuízos catastróficos, que poderiam ser reduzidos caso o governo regule as emissões dos gases de efeito estufa.
Em uma segunda decisão, dessa vez por 9 a 0, a Suprema Corte barrou uma antiga tentativa da Administração Bush de flexibilizar o Clean Air Act para que usinas e fábricas que realizem melhorias e modernizações em suas plantas deixassem de ser obrigadas a reduzir suas emissões de poluentes, o que significaria um gigantesco retrocesso em termos de política ambiental.
Duas decisões com tamanha importância política sendo proferidas em um intervalo tão curto de tempo, é coisa que não acontece por acaso. Isso tem toda cara de ser mais um efeito da vitória democrata nas últimas eleições para o congresso dos EUA, que tem se encarregado de enterrar, antes mesmo do início da campanha presidencial que vai expurgar a Administração Bush da Casa Branca, a política ambiental nefasta iniciada em 2001.
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