Os Estados Unidos comemoraram a retirada da águia-símbolo do país (a American bald eagle) da lista da EPA (Environmental Protection Agency) de animais ameaçados de extinção, coroando um esforço de mais de quarenta anos. O Los Angeles Times traz uma excelente matéria sobre o assunto na sua página na Internet.
Quando os europeus chegaram ao continente, estimava-se que o número de pares em idade reprodutiva da espécie chegava a meio milhão. Por ser tão abundante e espetacular, em 1782, o Congresso transformou a espécie em símbolo nacional.
Apesar disso, a conquista do oeste poucas décadas depois, e o avanço da ocupação populacional que se seguiu, devastou sem dó as áreas de reprodução da espécie e as águias passaram a ser consideradas uma ameaça às criações e a serem abatidas a torto e a direito (apesar da envergadura dessas aves chegar a dois metros, sua dieta consiste principalmente de peixes), em mais um capítulo dedicado a nos educar sobre a estupidez humana. Seguido por outro, que foi a utilização massiva de DDT como pesticida nas décadas de 1950 e 60, que acabou contaminando em larga escala os rios e, consequentemente os peixes que compunham a dieta das águias.
Com isso, além dos tiros e queimadas, as aves passaram a ter que lidar com ovos com a casca tão fina que o simples ato de chocá-los se tornava impossível, porque eram esmagados sob o peso da própria “mãe”.
O resultado não poderia ser outro: em 1963 o número de pares da espécie nos Estados Unidos caíra de meio milhão para estimados 417 (sem contar o Alasca, onde a ave jamais esteve ameaçada).
Mas, ainda bem, o que se fez nas quatro décadas seguintes é igualmente digno de nota. Em 1972, os Estados Unidos baniram o DDT, não apenas por causa dos seus efeitos nas águias, mas pelo perigo que representava para as pessoas. No ano seguinte, foi promulgada a lei que até hoje protege as espécies ameaçadas de extinção no país, o Endangered Species Act, e o habitat das águias passou a receber proteção especial.
Desde então, dezenas de milhões de dólares foram gastos com a recuperação da espécie, além de esforços sobre humanos para, por exemplo, retirar do ninho, de helicóptero, ovos com a casca fina demais assim que eles eram colocados, substituindo-os por ovos de mentira para que os ovos defeituosos fossem chocados em cativeiro e recolocados no ninho assim que os filhotes nascessem.
Com isso, estima-se que hoje o número de pares da espécie tenha voltado para a casa dos 11 mil. Isso não quer dizer que a luta tenha acabado — será necessário manter esse número sob constante vigilância, já que a pressão do mercado imobiliário sobre as áreas de reprodução das águias é grande.
No Brasil, ainda bem, não devemos correr esse risco. Para quem não se lembra, desde 3 de outubro de 2002, nossa ave-símbolo e ave nacional é o sabiá-laranjeira, cantado e reverenciado, entre outras, na Canção do Exílio, de Gonçalves Dias e abundante até mesmo no meio da cidade de São Paulo.
Apesar de ser sem graça e de ser figurinha fácil nas gaiolas dos porteiros do país, o sabiá-laranjeira tem sobre a águia norte-americana algumas importantes vantagens: como já dito, é versátil em termos de habitat, vivendo em florestas, cerrados e centros urbanos, do Brasil e do exterior, com grande facilidade e sem dificuldades para encontrar alimento, já que é onívoro e come desde frutas até insetos. Além disso, não mete medo em ninguém e quase não tem carne, o que desestimula o seu abate para consumo.
Some-se tudo isso e podemos perceber uma grande jogada do governo brasileiro que, em termos de escolha de animal-símbolo, foi muito mais esperto que o norte-americano. Ao invés de uma bela e imponente ave de rapina, escolheu um passarinho que passa quase desapercebido e cuja sobrevivência não apenas não deverá nunca depender de nenhum esforço de nossa parte como provavelmente ainda será capaz de suportar com facilidade nosso avanço predatório sobre os recursos naturais.
Trata-se de um símbolo muito prático e seguro; a chamada bola de segurança.
A bela onça-pintada, por exemplo, já está ameaçada de extinção, o mesmo ocorrendo com a arara azul, o mico-leão dourado, o lobo guará, o pintor-verdadeiro e diversas outras espécies de beleza e representatividade incontestáveis. E retirá-los dessa lista, como já se viu, pode dar um trabalho dos infernos (veja-se, por exemplo, o esforço feito até hoje pelo pessoal dos Projetos Tamar e Peixe-boi).
O tamanduá-bandeira e o tuiuiú — duas respostas que ouvi quando indaguei meus colegas sobre o nosso símbolo e que poderiam ser considerados, ao menos em termos de popularidade, fortes candidatos —, apesar de não estarem ameaçados, dependem de um ambiente mais ou menos preservado para tocar a vida e, portanto, poderiam criar algum empecilho futuro para o tão “necessário” avanço da fronteira agrícola nacional que nos salvará sabe lá Deus do quê.
O “nosso” sabiá, não. Muito embora sua escolha para símbolo do Brasil tenha dependido de se fazerem vistas grossas a inúmeros contra-sensos lógicos, estéticos, históricos e culturais (como já apontou Maria Tereza Pádua aqui em O Eco), ele não atrapalha nenhum plano governamental, não dá trabalho nenhum e, ainda por cima, dizem que canta bonito; coisa que o jegue — na minha opinião, um representante muito melhor do Brasil —, não faz.
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