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A cobertura da crise climática: o que pensam os públicos engajados sobre o trabalho jornalístico?

Pesquisa nacional realizada com ativistas revela percepções sobre o papel do jornalismo frente à crise climática

2 de agosto de 2023 · 1 anos atrás
  • Clara Aguiar

    Estudante de Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS

  • Eloisa Beling Loose

    Professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), pesquisadora e vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

As mudanças climáticas são o maior desafio da humanidade no século XXI. A afirmação do climatologista Carlos Nobre, cientista brasileiro referência mundial em estudos climáticos e ambientais, é reforçada pelos estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), autoridade científica internacional de referência sobre o clima. A intensificação e a maior recorrência de eventos extremos, como ciclones, enchentes, secas e variações repentinas de temperatura, são evidências de que a alteração do clima do planeta já compromete a nossa qualidade de vida. 

Nesse cenário, o Jornalismo, em razão de seu alcance e credibilidade, tem o potencial de alertar sobre a gravidade dos riscos climáticos, apontar soluções e caminhos possíveis de prevenção de desastres, a fim de minimizar os danos desses fenômenos. No entanto, informar de modo a contextualizar, conscientizar e mobilizar a população sobre o tema não é uma tarefa simples, exigindo tempo, qualificação profissional e abertura editorial dos meios de comunicação.

A mediação da imprensa tem um papel crucial para que as mudanças climáticas se tornem uma preocupação pública. A maneira como a problemática é apresentada em notícias e reportagens influencia na compreensão social da questão, o que pode colaborar ou não para uma mudança de atitudes e comportamentos que visem o enfrentamento dos efeitos causados pela crise do clima. 

Um estudo realizado por cientistas do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), em parceria com o Instituto Modefica, intitulado “A cobertura climática pode levar à ação? O olhar de ativistas sobre o jornalismo”, revelou que os ativistas ambientais brasileiros observam que a abordagem jornalística sobre a pauta ambiental não se aproxima do cotidiano das pessoas, que não adapta termos científicos em uma linguagem mais acessível ao grande público e que há uma ausência de apresentação de soluções, bem como da exposição dos responsáveis pelas mudanças climáticas. 

Ao todo, 60 ativistas (11 nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, 13 nas regiões Nordeste e Norte, e 12 na região Sul) foram consultados. Para eles, uma série de aspectos precisam ser melhorados no processo jornalístico de produção e divulgação de informações sobre mudanças climáticas para que haja um maior incentivo à mobilização social. Os pesquisadores, a partir das respostas e do debate que já consta na literatura científica sobre o tema, apontaram caminhos para uma qualificação da cobertura da crise climática:

  1. Ampliar o espaço de cobertura sobre as mudanças climáticas: Segundo a percepção dos ativistas, a abordagem das mudanças climáticas pelo jornalismo ainda continua limitada à repercussão de um acontecimento factual, como enchentes, deslizamentos de terra, perdas materiais e mortes decorrentes. Para eles, a cobertura jornalística deveria ir além do pós-desastre e incluir na rotina produtiva pautas preventivas que desnaturalizem esses eventos e os relacionem diretamente às alterações climáticas.
  1. Apresentar soluções: Os ativistas expressaram a necessidade de uma maior visibilização das soluções, em especial sobre as ações e práticas locais que contemplem grupos vulnerabilizados pelas mudanças climáticas, como povos originários e comunidades que residem em territórios urbanos periféricos. Portanto, é fundamental que o  jornalismo apresente caminhos que reduzam os impactos causados e instigue a participação dos cidadãos nesse processo.  
  1. Ouvir fontes ativistas e de pessoas afetadas: As fontes científicas foram entendidas no estudo como importantes para combater a desinformação e o negacionismo, no entanto, não podem ser as únicas procuradas pelos jornalistas. Segundo a pesquisa, o jornalismo deve priorizar a diversidade das perspectivas e divulgar as iniciativas dos territórios e movimentos que defendem soluções de enfrentamento às mudanças climáticas. Os ativistas sinalizam também para o aumento do espaço de escuta para os grupos mais afetados pelas mudanças climáticas, trazendo para o debate questões da justiça climática. 
  1. Traduzir termos técnicos: Os ativistas entendem que o jornalismo deve buscar uma linguagem mais simples e que traduza o vocabulário científico para a sociedade. Mitigação, adaptação e resiliência, só para citar alguns exemplos, são termos que precisam ser explicados. Além disso, é preciso tornar mais palpáveis o significado dos números e dados científicos por meio de recursos audiovisuais. Para eles, a elaboração de informação ambiental acessível é um dever dos jornalistas. 
  1. Apontar responsáveis: Para os ativistas, o jornalismo deveria assumir uma posição combativa e expor os causadores dos impactos ambientais/climáticos. De acordo com eles, raras são as matérias que associam os impactos socioambientais aos principais responsáveis pelas mudanças climáticas. Um caso citado por eles é a falta de matérias que articulam o setor agropecuário, que corresponde hoje por  73% das emissões de gases poluentes no Brasil, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), à intensificação da crise climática.

Por outro lado, os ativistas reconhecem que há um esforço para melhorar a cobertura jornalística das mudanças climáticas no Brasil. Como exemplo positivo, eles citam a atuação dos veículos alternativos especializados que se dedicam diariamente a produzir informação na área ambiental. Porém, os ativistas pontuam que esse empenho para o avanço da compreensão pública acerca da problemática climática deveria ser replicado pelo jornalismo hegemônico, objetivando um maior conhecimento e engajamento da sociedade. 

No Brasil, a importância da imprensa para a educação ambiental já é reconhecida pela lei federal 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). Essa lei prevê que todos os cidadãos têm direito à educação ambiental, atribuindo aos meios de comunicação a função de “colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação”. Também sinaliza a necessidade de uma “difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente”. 

Nesse sentido, os ativistas reivindicam que os jornais de maior circulação do Brasil se engajem na discussão do enfrentamento climático, na medida em que sua capacidade de abrangência pode colaborar para a aplicação efetiva do que é estabelecido na Política Nacional de Educação Ambiental. Quando as mudanças climáticas estão em pauta, é preciso que o jornalismo atue de maneira compreensível e mobilizadora. Por fim, o enquadramento que deve ser priorizado pelos jornalistas é aquele direcionado para as ações, buscando envolver a população com o propósito de estimulá-la a agir diante de tal cenário. 

O relatório completo da pesquisa está disponível de forma gratuita e pode fomentar outros estudos com foco nos públicos, assim como trazer insights para a prática profissional de jornalistas. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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