As imagens dos impactos provocados pela mineração ilegal na Amazônia estão chocando o mundo. A reserva Yanomami, em Roraima, demonstra a pior invasão predatória de terras indígenas em escala e consequências já registrada no Brasil.
O governo federal tem a obrigatoriedade legal de proteger a população indígena e o meio ambiente em terras demarcadas pela União, protegidas contra a extração mineral, conforme a Constituição da República (art. 231, par. 3º).
Os esforços dos povos indígenas em buscar proteção foram inúteis. Desde 2020 dezenas de ofícios foram protocolados e centenas de denúncias foram encaminhadas pelo povo indígena e seus representantes aos órgãos responsáveis. As consequências da inação foram graves: a expulsão da precária estrutura de assistência à saúde da etnia Yanomami, com a tomada dos campos de pouso que possibilitavam assistência medica.
Assim expandiu-se a doença, a poluição química, sobreveio a fome, os estupros, a corrupção e o aliciamento dos jovens – em uma onda de violência e descaracterização comunitária que ceifou a vida de 570 crianças Yanamami nos últimos quatro anos.
Só no ano passado, a população Yanomami registrou, entre 29 mil habitantes, 11.530 casos de malária. Some-se a isso a realidade da Covid-19, que exige muito mais atenção à saúde para a proteção das populações.
A atuação da criminalidade que assola os Yanamami demonstra requintes de crueldade. O atendimento médico foi interrompido nas 371 aldeias, entre as quais o acesso é difícil.
Segundo declarou à Deutsch Welle o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, Junior Hekurari Yanomami, “os garimpeiros tomaram bases de saúde, botaram fogo em uma delas e tomaram as pistas de pouso. Eles estão lá armados com metralhadora controlando sete pistas de pouso dentro do território”.
Apesar de pleno conhecimento dos fatos, nenhuma medida de proteção efetiva foi tomada pelo governo federal. A determinação do uso da Força Nacional pelo Ministério da Justiça foi inútil, situação que merece profunda investigação. Tornou-se um exemplo de incúria governamental sem precedentes, acompanhada por uma série de declarações dúbias que demonstraram incompreensível simpatia aos predadores por parte do próprio ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, que defendia a liberação da exploração mineral em terras indígenas.
A febre do ouro arrasa territórios. Na década de 1980 o Brasil assistiu um forte episódio de corrida do ouro. A extração de 42 toneladas do coração da Serra Pelada, no Pará, foi a maior depois das grandes extrações coloniais dos séculos XVII e XVIII. O fluxo humano de 80.000 garimpeiros resultou em uma cratera de 24 mil m², com aproximadamente 80 m de profundidade, cheia de água contaminada por mercúrio. À época, com regramentos de gestão ambiental precários, a área não era protegida e a avaliação de impactos inexistia. O próprio governo patrocinava a extração. A Caixa Econômica Federal, estabelecida no local, negociava o fruto da mineração caótica.
Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que as áreas protegidas têm sido responsáveis por 72% de toda a extração mineral ilegal da Amazônia. De outro lado, levantamentos da Polícia Federal detectaram aportes de financiamentos ligados ao crime organizado para estas atividades. Não há limites territoriais para o crime organizado na Amazônia e há fortes evidências de sua relação com a criminalidade ambiental e o tráfico de drogas.
Para além das questões nacionais, a atividade da mineração predatória atinge dimensões que impactam florestas e suas funções sistêmicas, incluindo a contenção necessária às mudanças climáticas.
A contaminação ambiental e humana exige ações imediatas. A entrada de mercúrio no Brasil ocorre clandestinamente através da Bolívia, que permite sua importação. Segundo Marcos Orellana, relator das Nações Unidas sobre substâncias tóxicas e direitos humanos, o Brasil é visto com preocupação devido ao elevado garimpo ilegal e o fato de o governo ter sinalizado apoio à mineração em terras indígenas.
Então, o que esperar da atual gestão de Lula diante desta herança genocida, dos seguidos atentados à vida humana e à legalidade, por uma criminalidade profundamente enraizada no território, onde a atividade predatória aumenta exponencialmente demonstrando a existência de aportes financeiros como organização transnacional?
Os problemas endêmicos registrados são decorrentes da falta de uma gestão mais sistêmica, local, regional, nacional e internacional. Recentemente o ministro Luís Roberto Barroso afirmou à Reuters que o índice de criminalidade aponta para riscos de perda de soberania na Amazônia para o crime organizado.
Para combater esse estado de criminalidade é preciso uma articulação que envolva também instâncias supranacionais como o Organização para o Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que agrega os países vizinhos. Ressalte-se aqui o imprescindível rastreamento de recursos destinados à criminalidade e que são provenientes de paraísos fiscais.
É preciso uma profunda e construtiva autocrítica da parte do Estado de Rondônia, verificando possibilidades culturais que possam potencializar a valorização dos povos indígenas e o combate à criminalidade no uso da terra. Da mesma forma, um pente fino nas decisões judiciais pode proporcionar uma visão sobre a efetividade da aplicação da lei e do papel do Judiciário para a proteção das áreas ambientalmente protegidas.
Por outro lado, são essenciais as abordagens regionais para verificar, por exemplo, a efetividade do Conselho da Amazônia, que agrega os Estados da federação detentores de território amazônico. O Conselho que deve tornar real, na prática, os seus princípios, reforçando a presença do papel dos Estados na região e o combate aos ilícitos ambientais.
Além de uma ação local saneadora fiscalizadora e a imediata implementação da lei no território, o governo brasileiro necessitará também de soluções sistêmicas. Será preciso convocar e pautar as questões transnacionais aos países membros da OTCA, cuja missão expressa:“…promover a adoção de ações de cooperação regional que resultem na melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Amazônia; atuar segundo o princípio do desenvolvimento sustentável e modos de vida sustentável, em harmonia com a natureza e o meio ambiente e levando em consideração a legislação interna dos Países Membros”.
A gravidade da situação e suas causas demonstram que a tomada de providências pelo Brasil deve ir além do apagar dos incêndios localizados. Sem a devida sinergia de ação integrada entre as diversas esferas governamentais responsáveis pela implementação de políticas públicas efetivas de combate à criminalidade ambiental nos âmbitos local, regional e internacional, a tarefa de combater o atual estágio de criminalidade poderá estar fadada ao insucesso. A impunidade diante da gravidade dos fatos atuais também representará um estado de falência institucional.
Em 2019, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, pediu desculpas em nome do povo da Califórnia por genocídio, diante das 16.000 vidas de nativos sacrificados durante a corrida do ouro, entre os anos de 1840 a 1870.
A dimensão escandalosa e reveladora de caos institucional na proteção dos povos indígenas, representado no episódio Yanomami, não poderá prescindir de soluções efetivas e estruturais, para as quais há uma condição basilar: o reconhecimento dos erros para sua efetiva correção. Nunca será tarde para o Brasil reconhecer e pedir desculpas diante dos genocídios que cometeu.
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Eu nunca li um texto tão sujo e carregado de ideologia como este. O autor desconhece completamente a questão indígena e por isso polui o texto de jargões. Uma prova disso é como ele se refere aos povos indígenas (no singular), pressupondo que há uma unidade étnica entre eles. Além do mais, desconsidera a histórica questão de saúde indígena, faz isso conscientemente pois tem lado político. E mais – banalizar o conceito de genocídio para fins políticos é a maior das imoralidades que já tive o desprazer de presenciar. Certamente, também se sente a vontade para desprezar a particularidade do território Ianomâmi, já que cerca de 60% de sua área está na Venezuela. Certamente, ignora também que o problema da terra Ianomâmi é o mesmo enfrentado em todo o estado de Roraima, que recebe famélicos de todas as matizes vindos da Venezuela: o que diabos faz o autor pensar que com Ianomâmis seria diferente? Sobra desconhecimento e ideologia, falta honestidade e estudo sério.