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A crise no multilateralismo e o tsunami de plástico

Trabalhar na área socioambiental é parecer estar sempre nadando contra a maré. Às vezes, até contra um tsunami

10 de setembro de 2025
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

Em um contexto global cada vez mais desfavorável ao multilateralismo, durante a 5ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em 2022, mais de 180 países acordaram uma resolução histórica para acabar com a poluição por plásticos por meio da elaboração de um tratado global legalmente vinculante. A Resolução 5/14 deu o mandato para que os países abordassem todo o ciclo de vida dos plásticos e propôs um cronograma de cinco sessões de negociação, ao longo de dois anos, para a elaboração do tratado. Um objetivo bastante ambicioso, não somente pela complexidade da questão da poluição por plásticos, mas também pelo contexto internacional de crescente desglobalização, guerras militares e tarifárias e nacionalismos. 

Entre novembro de 2022 e dezembro de 2024, milhares de representantes de países e observadores se reuniram em cinco continentes diferentes para a construção do tratado global: Punta del Este (Uruguai), Paris (França), Nairóbi (Quênia), Ottawa (Canadá) e Busan (Coreia do Sul). Na última sessão, três pontos principais impediram a adoção de um acordo: 

  • Escopo do tratado: se o texto deve abordar desde a regulação da produção de plásticos primários e químicos de preocupação utilizados em plásticos, ou se deve focar apenas na fase de pós-consumo, ou seja, gestão de resíduos e limpeza de ambientes contaminados;
  • Financiamento: como será estruturado o fundo que financiará as atividades propostas no tratado e de onde virão esses recursos (um desafio também enfrentado por outros acordos multilaterais ambientais como as conferências globais de clima e biodiversidade);
  • Tomada de decisão: impasse mais processual que temático, mas que tem uma grande influência no resultado de todas as medidas a serem acordadas. Países se dividem entre os que defendem a tomada de decisão estritamente por consenso e os que aceitam promover votação para que o processo avance quando o consenso não é possível.

Após o impasse em Busan, a sessão foi suspensa e retomada em Genebra (Suiça), de 5 a 14 de agosto de 2025. Cheguei em Genebra com a expectativa de que ao final de 10 dias teríamos um tratado que valeria a pena todo o esforço dos últimos três anos, que de fato promovesse regras globais para acabar com a poluição por plásticos. Sabia que não ia ser nada fácil, mas alguns avanços pareciam ter sido feitos desde a última sessão, e estar em Genebra, a cidade símbolo do multilateralismo, parecia ter renovado as esperanças de negociadores e participantes. 

Porém, conforme os dias foram passando, uma sensação de deja foi tomando conta, e a esperança de um tratado eficiente foi sendo drenada. Os mesmos argumentos de sessões anteriores eram repetidos nas salas de negociação e a construção de pontes parecia improvável. Enquanto países ambiciosos cediam em suas posições, países contrários a medidas de redução da produção de plástico e regulação de químicos de preocupação se mantinham firmes em sair de Genebra apenas com um acordo de gestão de resíduos.

Escultura “O fardo do Pensador”, do artista Benjamin Von Wong, instalada em frente a um dos portoes de acesso às Nações Unidas. Genebra, Suíça, 2025. Fonte: Kiara Worth para IISD/ENB.

No último dia (14/08/2025), a falta de convergência entre os países era evidenciada pelo adiamento da plenária de encerramento. De 15h para 18h, para 20h, para 22h… até ser adiada sem horário pra começar. Quando o Governo Suíço providenciou um coffee-break às 23h, sabíamos que iríamos passar a noite ali. A última versão do texto foi liberada às 2h da manhã pelo presidente das sessões de negociação, o Embaixador Luis Vayas. Um texto fraco, menos ambicioso do que o texto resultante da sessão de Busan, e que não entregaria o objetivo de acabar com a poluição plástica. Após negociações ao longo da madrugada, a plenária de encerramento finalmente começou às 5h30 da manhã, para anunciar o que já imaginávamos: não sairíamos de Genebra com um tratado, ou nem mesmo com um texto base para os próximos passos.

Depois de um dia que durou 28h, as negociações foram suspensas até uma próxima sessão, ainda sem data e local definidos. A sensação de estarmos reféns de um processo ineficiente tomou conta da plenária. Países que abusam das regras de procedimento das negociações, utilizando o precedente de consenso absoluto como um poder-veto para bloquear qualquer medida que contrarie seus interesses domésticos. Com isso, alguns poucos países mais determinados em proteger suas economias do que a saúde planetária lograram impedir um tratado ambicioso.

Delegados frustrados com o resultado da sessão de negociação, na plenária final. Genebra, Suíça, 2025. Fonte: Kiara Worth para IISD/ENB.

Porém, isso é parte da história. Após 3 anos do início desse processo, o mundo tem muito mais clareza da complexidade envolvida na poluição plástica e da necessidade de medidas globais para resolver esse desafio, desde a sua origem. A mensagem que ficou é clara: é melhor não ter acordo do que ter um acordo fraco e insuficiente. Organizações da sociedade civil e países mais ambiciosos se uniram para barrar um tratado ineficaz, mesmo diante de forte pressão política e econômica para aceitá-lo. Sim, o processo precisa ser aprimorado se quisermos alcançar um resultado diferente na próxima rodada de negociações. Contudo, ainda que o multilateralismo tenha muitos problemas e desafios, é o melhor meio que temos para discutir e agir sobre problemas globais

Quanto à sensação de nadar contra o tsunami, o oceano ensina que “onda grande a gente atravessa mergulhando”. Que possamos levar essa lição ao campo diplomático para avançar sobre grandes interesses individuais e focar no que realmente importa: um planeta livre de poluição plástica para todas as espécies e futuras gerações.

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