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A divulgação é o remédio

Na década de 1940, a farmacêutica Roche editou as Coleções Artísticas Roche, 210 prospectos com gravuras e textos de divulgação científica que acompanhavam os informes publicitários da marca

13 de dezembro de 2024
  • Otávio Maia

    Médico veterinário, doutorando em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília

Face frontal de um dos prospectos da «Coleção Borboletas do Brasil» que reproduz pintura de Marian Colonna e texto de Eurico Santos.

Na década de 1940, a Roche (Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S.A.) – fundada em 1896, na Suíça, pioneira em produtos farmacêuticos e de diagnóstico –, sediada na avenida Franklin Roosevelt, 115, 4º, cidade do Rio de Janeiro, publicou informes publicitários dos medicamentos que comercializava, unindo arte e divulgação científica. Tais informes compunham coleções temáticas, sobre as quais não há registros históricos além dos próprios, parte deles com textos assinados por Eurico Santos, o divulgador esquecido, autor de dezenas de livros e folhetos entre as décadas de 1920 e 1970.

As Coleções Artísticas “Roche” eram prospectos cartonados que apresentavam uma gravura na primeira face, texto explicativo sobre a gravura e informes publicitários sobre medicamentos comercializados pelo laboratório. Esses prospectos, provavelmente, eram distribuídos a médicos e farmácias. Em dezenas desses prospectos, das seguintes coleções, há textos originais de Eurico Santos: Cães Domésticos, Aves do Brasil, Árvores do Brasil, Borboletas do Brasil, Peixes de Aquário e Serpentes do Brasil. As pinturas estampadas nestes prospectos são de [Marian] Mirian Colonna, a mesma artista plástica que elaborou desenhos e pranchas para livros de Eurico Santos.

Como jornalista – “possuidor de vasta cultura;” – publicou centenas de artigos em diversos jornais e revistas, sobretudo naquelas dedicadas ao periodismo agrícola – “ninguém reuniu os artigos que ele publicou […], que deve atingir a casa dos milhares”. Durante quase 20 anos, foi funcionário do Ministério da Agricultura, associado ao Serviço de Informação Agrícola. Foi autor de 36 livros e 12 folhetos – destaque à coleção Zoologia Brasílica cujos 11 volumes tornaram-se os mais conhecidos da sua obra, publicados no período de 1938-87, os quais somam 2.600 páginas de informações sobre a “vida e costumes” de animais dos diversos grupos zoológicos com ocorrência no Brasil – “Ele sempre solicitava a opinião dos especialistas em cada assunto particular que abordava, para não deixar escapar nenhuma gafe. Daí o enorme sucesso dos seus livros. […] todos eles vazados em estilo simples e muito agradável, alicerçados em trabalhos científicos”.

Foto de Eurico Santos publicada na revista Sulóris (1983).

“Os homens da ciência, que entre nós existem em quantidade apreciável e qualidade notável, não atinamos bem por que, esquivam-se quase sempre de fazer divulgação. Louvável, pois, seria que aparecessem, como nos demais centros de alta civilização, escritores que se especializassem na divulgação — gênero literário muito abundante na época hodierna. Não quer dizer que entre nós não exista êste gênero de escritores, pois fácil seria citá-los, mas ainda se apresentam em reduzidíssimo número, ante a tarefa a que são chamados.”

Os escritos de Eurico Santos, em linguagem acessível ao grande público, convidam os leitores a refletir sobre a importância dos avanços técnicos e da ciência no campo da agropecuária, sobre o apreço pela cinofilia e pelos cuidados indispensáveis dirigidos aos cães, bem como dos impactos negativos da caça, sem ordenamento e controle, sobre a harmonia das relações ecológicas, à luz da proteção ambiental. Seu legado, sobretudo a coleção Zoologia Brasílica, ainda inspira a conexão com a natureza que, de modo crescente, impõe a sua resiliência e expõe a fragilidade e interdependência humanas.

Frente de prospectos (26 x 18 cm) da Coleção Orquídeas, que reproduz as espécies Brasso catileya maronae, Gongora bufonia e Cattleya intermedia var. punelatissima
As quatro faces do prospecto X (21 x 15 cm), com uma dobra, da Coleção Aves do Brasil.
Imagens da face dos prospectos I, II, XVI e XVII (21 x 15 cm) da Coleção Aves do Brasil.
As quatro faces do prospecto II (25,5 x 18 cm), com uma dobra, da Coleção Borboletas do Brasil.
Face frontal de prospectos da Coleção Cães Domésticos.
Face frontal de prospectos XI, XII, XV, XVI, XVIII, XIX, XX e XXI da Coleção Peixes de Aquário.
As quatro faces do prospecto I (26 x 18 cm), com uma dobra, da Coleção Serpentes do Brasil.
As quatro faces do prospecto I (21 x 15 cm), com uma dobra, da Coleção Árvores do Brasil.
Face frontal dos prospectos XVI a XXIV da Coleção Árvores do Brasil.

Ainda fazem parte das Coleções Artísticas “Roche” a Coleção Povos e Tipos da América, que reproduz gravuras de Mirian Colonna e textos de Fernando Antônio Raja Gabaglia (1895-1954); Coleção Divertimentos e Cenas Populares (prospectos com 26 x 18 cm) e Coleção Poesia dos Portos do Brasil, com gravuras de Roger van Rogger (1914-1983) – pintor e poeta flamengo nascido na Antuérpia, Bélgica, em uma família judia de origem polonesa –, Coleção Igrejas do Brasil, com gravuras das telas a óleo do holandês Wim L. [Willem Leendert] van Dijk (1915-1990) e textos de Robert C. Smith, professor de História da Arte na Universidade de Pensilvânia, professor Fernando Corona, catedrático do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, e do professor Affonso de F. Taunay, antigo diretor do Museu Paulista.

Face frontal do prospecto VIII (26 x 18 cm) da Coleção Povos e Tipos da América que reproduz a gravura «Pescador Amazônico» de Mirian Colonna.
Frente e verso do prospecto XI (26 x 30 cm) da Coleção Poesia dos Portos do Brasil, que reproduz a pintura a óleo (65 x 81 cm) do porto de Manaus, de Roger van Rogger.
Frente e verso de prospecto VII (26 x 30 cm) da Coleção Igrejas do Brasil que reproduz pintura a óleo Largo do Pelourinho [194?], de Wim van Dijk, e descrição de Robert Smith.

À Roche Brasil, foi solicitado registros sobre as Coleções Artísticas “Roche”. O Serviço de Informação Roche respondeu que, devido a passagem de muitos anos, a farmacêutica não possuía mais os registros. A Roche também foi provocada a patrocinar a confecção de um livro que resgatasse a história e as gravuras das coleções: “informamos que a empresa não possui, neste momento, disponibilidade para patrocinar este projeto de publicação” (mensagem pessoal). 

Sobre a artista plástica, Marian Colonna, não foram encontradas informações biográficas. Ela também ilustrou o livro Atlas Elementar de Zoologia, de Augusto Sevilha, publicado pela F. Briguiet & Cia. em 1943.

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