Com o Brasil se preparando para sediar a COP30 em 2025 e liderando as atividades da Cúpula do G20, concluída na última semana no Rio de Janeiro, a COP29, no Azerbaijão, trouxe um anúncio importante: a nova NDC brasileira. Representantes do governo a chamaram de inovadora e a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou que ela “reflete todos os setores da nossa economia”. No papel, o documento menciona políticas como o Plano de Transformação Ecológica e o Plano Clima, apresentados como pilares das ações para atingimento da meta. Contudo, ao olharmos mais de perto, sentimos falta de algo.
Segundo as informações divulgadas pelo governo, a NDC deveria ser construída com base no Plano Clima. Na prática, porém, o plano ainda está em fase de consulta pública, o que torna a narrativa de uma NDC integrada às demandas da sociedade, no mínimo, curiosa. Tendo um papel crucial, mas complementar à meta climática, o documento foi apresentado antes mesmo da conclusão da consulta sobre adaptação – sem contar que a consulta sobre mitigação sequer foi iniciada. Assim, a NDC brasileira inovadora, que buscou refletir todos os setores da economia, parece ter esquecido de incluir um processo participativo inclusivo.
A cartilha divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) apresenta como se deram as discussões com a sociedade civil, tendo ocorrido especificamente “32 rodadas de discussão com os ministérios envolvidos no processo; ao menos 15 reuniões sobre a modelagem com os ministérios responsáveis pelos planos setoriais e entidades representativas desses setores; 05 reuniões específicas com Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e/ou entidades do agronegócio; oficina específica para apresentar o modelo Blues a representantes do setor de energia e oficina específica para apresentar o modelo Blues a representantes do setor de indústria”.
Bom, não podemos negar que houve alguma discussão com parte da sociedade civil, mas só isso basta?
Para simplificar: o ideal seria que cada país tivesse uma NDC ambiciosa, focada na redução de emissões. E onde entra a sociedade civil nesse processo? Para entender o nível de ambição necessário, é fundamental considerar as realidades e necessidades de diferentes grupos, como povos indígenas, comunidades tradicionais, populações negras, juventude e crianças. A participação da sociedade deveria acontecer antes mesmo da modelagem da NDC, ajudando a definir metas que reflitam as especificidades de cada público e território. No entanto, embora grupos prioritários como crianças, povos indígenas e comunidades tradicionais sejam mencionados na nova NDC brasileira, o processo participativo antes da sua criação deixou a desejar.
No preâmbulo do Acordo de Paris, se reconhece que a mudança climática é uma preocupação comum da humanidade. “As Partes devem, ao tomar medidas para lidar com a mudança climática, respeitar, promover e considerar suas respectivas obrigações em relação aos direitos humanos, o direito à saúde, os direitos dos povos indígenas, comunidades locais, migrantes, crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situações vulneráveis e o direito ao desenvolvimento, bem como a igualdade de gênero, o empoderamento das mulheres e a equidade intergeracional”.
Como podem ver, a participação pública não é apenas essencial, é um direito reconhecido em tratados internacionais, regionais e compromissos políticos adotados em níveis multilaterais e ratificados pelos Estados.
Onde estão as crianças e as juventudes nas rodadas de discussões?
Um dos documentos mais importantes da agenda política ambiental é o Relatório Brundtland, que trouxe um novo olhar sobre o desenvolvimento, definindo-o como o processo que “satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades”. Nesse contexto, onde o desenvolvimento sustentável é o termo que rege a elaboração das novas políticas brasileiras, como discutir políticas voltadas para as futuras gerações sem incluir elas nas decisões que estão sendo tomadas?
O relatório “Child-Sensitive Climate Policies For Every Child” do UNICEF destaca a situação vulnerável de crianças e jovens ao apontar que apenas 23%, de 167 NDCs analisadas, destacam explicitamente a participação de jovens no processo de consulta ou revisão – e apenas 2% mencionam a inclusão de crianças. No Brasil, milhões de crianças enfrentam riscos sérios, como a falta de água, enchentes e outros impactos climáticos. Em 2023, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU reforçou a urgência de integrar políticas que protejam os direitos dessas populações vulneráveis, incluindo saúde, educação e proteção social.
As juventudes e crianças enfrentarão os impactos das decisões tomadas hoje por toda uma vida, e suas perspectivas devem ser integradas nas políticas climáticas. A falta de cláusulas específicas voltadas às juventudes e crianças na NDC brasileira, não apenas ignora suas necessidades, mas também compromete o futuro das próximas gerações. Além disso, considerando essa inclusão, o Brasil poderia promover uma maior conscientização e engajamento, capacitando esses grupos a serem agentes de mudança em suas comunidades.
É crucial considerar a justiça social e a equidade intergeracional para a modelagem das metas de redução de emissão de Gases de Efeito Estufa. Por isso, se faz fundamental que crianças e jovens estejam dentro do texto das NDCs e que tenham um papel ativo em sua revisão, monitoramento e implementação.
Lançar uma NDC com tais lacunas é uma oportunidade perdida de liderar pelo exemplo. O país deve urgentemente revisar sua abordagem, garantindo que suas promessas sejam acompanhadas de ações concretas e inclusivas, que realmente promovam um futuro sustentável e equitativo para todos.
Agora, resta esperar que o Plano Clima cumpra sua promessa de considerar as recomendações da sociedade civil para implementação das estratégias para o atingimento das metas, incluindo de maneira significativa as vozes de crianças e jovens.
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