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A cegueira do governo brasileiro e a tentativa de acobertar a destruição da Amazônia

Que espaço político pode abrigar tais personagens, notórios por sua simpatia por mineradores ilegais, invasores de terras públicas e desmatadores?

11 de agosto de 2020 · 4 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Plantação de soja em Mato Grosso. Foto: Pedro Biondi/Agência Brasil.

A preservação da Amazônia e da Mata Atlântica, seja como defesa do meio ambiente ou do ponto de vista econômico, de forma comprovada, é de grande interesse do Brasil. Mesmo assim, o governo brasileiro continua a ignorar esse fato e surpreende a todo momento com medidas que vão no sentido contrário.

No início deste mês, o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou uma manobra diversionista para rebaixar a proteção da Amazônia. A proposta inaceitável do ministro é que sejam desconsiderados o desmatamento e os incêndios ilegais em 90% em todo o país, previsto no Plano Plurianual (PPA) do governo até 2023. A área de proteção proposta representa apenas um terço do desmatamento da região entre agosto de 2018 a agosto de 2019.

Este absurdo usou como artifício a habitual desculpa da restrição orçamentária, cortina de fumaça da qual lançam mão, com frequência, gestores que articulam mudanças indesejáveis para a sociedade, como os retrocessos ambientais. Um tiro no pé do Brasil.

Fato semelhante ocorre em São Paulo, com a sinalização de extinção da Fundação Florestal, responsável pela gestão das unidades de conservação, da Mata Atlântica e da biodiversidade.

Não há cortina de fumaça que esconda a importância da proteção da Mata Atlântica, ou da Amazônia. O mundo está avançando conceitualmente: a busca de uma economia “limpa”, neutra em emissões de aquecimento global, faz com que a União Europeia avance em indicadores para mensurar o desempenho de seus países-membros, enquanto fundos internacionais pressionam o desempenho brasileiro para que demonstre a regularidade ambiental dos produtos exportados. Dentro de casa, representantes expressivos do setor financeiro nacional cobram fortemente o governo federal sobre a condução de políticas ambientais que possam dar conta do compliance necessário à inserção dos produtos brasileiros no mercado internacional.

Estão se consolidando fortemente, de forma global e no meio econômico do Brasil, os princípios da ESG (Environment, Social and Governance), demonstrando a tendência universal e irreversível de uma nova economia. A discussão despontou vigorosamente entre as nações desde a Conferência Rio + 20, que introduziu princípios da economia verde e resultou em melhor definição sobre a responsabilidade socioambiental dos agentes financeiros.

“Não há cortina de fumaça que esconda a importância da proteção da Mata Atlântica, ou da Amazônia.”

Um dos enfoques que despontam com o ESG é a contabilização dos passivos ambientais. Essa é a grande conta a ser cobrada hoje do governo brasileiro: o rombo incalculável no patrimônio ambiental público representado pela Floresta Amazônica e sua biodiversidade, cuja destruição segue gerando um passivo astronômico. A rigor, a legislação brasileira obriga a recuperação das áreas protegidas que foram degradadas.

A tendência da ESG tende a emergir fortemente no cenário internacional e cria um mar de desvantagens aos que ficarem cegos às suas mudanças. O Brasil será confrontado no futuro com relação aos passivos atualmente gerados, pois assinou vários tratados internacionais onde, para além de nossa própria legislação protetiva, reconheceu e assumiu compromissos para a proteção de suas florestas e biodiversidade.

Diante disso, causa perplexidade o fato de o ministro da Economia Paulo Guedes tentar esquivar-se do volume de crimes e passivos ambientais que se acumulam na Amazônia. Ao argumentar junto a americanos que nossos militares são melhores que o general Custer, tentou esquivar-se, de forma descontextualizada, da cobrança dos princípios morais que regem a modernidade.

Ao refugiar-se no atraso conceitual do século XIX, Guedes revelou pobreza conceitual, o que traz sérias dúvidas sobre a possibilidade de que sua presença no governo represente um melhor alinhamento do Brasil com a modernidade da ESG e a eficiência econômica necessárias ao trânsito internacional. Nota-se mais e mais a falta de preparo ministerial para a inserção do atual governo do Brasil na conformidade dos requisitos da ESG.

A ESG é um indicador “zeitgeist”, sintonizado no espírito de nosso tempo. Alicerça-se em um fio condutor moral, com valores se consolidaram ao longo de décadas na economia contemporânea, fatores que devem ser percebidos e apreendidos por bons gestores públicos, sendo condição basilar para o exercício dessas funções.

“Da boiada de Salles ao Custer de Guedes, resta a perplexidade que incomoda a todos os que acompanharam o processo progressista na evolução brasileira e internacional da área da gestão ambiental, conquistado passo a passo.”

Considerando-se o perfil multidisciplinar das questões ambientais, o contínuo cerco institucional em defesa deste novo paradigma acabará por enfiar goela abaixo dos gestores despreparados a conta da destruição ambiental.

Infelizmente, até que isso ocorra, o efeito “poltergeist” que grassa no Brasil vai continuar conturbando metas e esforços anteriormente consolidados, levando o país ao atraso e a passivos cuja recuperação é inimaginável.

O efeito “poltergeist” do governo Bolsonaro é multidisciplinar e revela perturbações interministeriais evidentes. Da boiada de Salles ao Custer de Guedes, resta a perplexidade que incomoda a todos os que acompanharam o processo progressista na evolução brasileira e internacional da área da gestão ambiental, conquistado passo a passo. Que espaço político, de tal obscuridade conceitual, pode abrigar tais personagens, notórios por sua simpatia por mineradores ilegais, invasores de terras públicas e desmatadores?

Este “poltergeist” governamental tem que ser exorcizado. A sociedade brasileira deve colocar os limites jurisdicionais à tese de mera discricionariedade que vem destruindo a boa imagem do Brasil e que tem abrigado uma bagunça sistêmica sem precedentes, cuja conta está sendo legada às atuais e futuras gerações.

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Comentários 4

  1. José diz:

    O presidente genocida e sua trupe destruindo o país,meio ambiente junto, e os jegues q votaram nele ainda como m essa ladainha, "mas e o pt?" VTNC!


  2. Rômulo diz:

    Ai lá vem a velha tática de “empurra empurra” de “quem” fez mais ou pior! Tão old, tão 2016. Semelhante à tática de desqualificar a culpa da cobrança de diminuição de desmatamento no Brasil em vista dos “erros ambientais” do passado cometidos pelos “países ricos”. Enquanto os governantes brigam, àqueles que não conseguem reagir “pagam essa dívida” queimando silenciosamente.


  3. Rômulo diz:

    Começou aquele "empurra empurra" de qual governo fez pior!


  4. Cobrança seletiva diz:

    Tá. OK. Tá certo. Concordo 87%. Agora, a opinião do colunista quanto ao governo que liberou ("daquele jeito") Belo Monte, Santo Antônio e Jirau? Que dividiu o Ibama via MP? E depois fechou vários escritórios do Ibama nos interiores? Que criou um monte de UC sem equipe, sem regularização fundiária, sem Plano de Manejo depois de anos? Que criou um Serviço Florestal inócuo (nem pra ser ruim!) durante anos? Pau que bate em Francisco devia ter batido em Chico…ou pelo menos lembrar das diabruras que Chico fez!!!