Ghandi dizia que o que estamos fazendo com as florestas do mundo é um reflexo do que fazemos a nós mesmos e aos outros. O modus vivendi da sociedade contemporânea neste início de Antropoceno é insustentável. A humanidade está ampliando riscos e aumentando vulnerabilidades.
As mudanças do clima, provocadas pelas atividades humanas, alteram a estrutura espacial das espécies biológicas. O aquecimento faz com que migrem progressivamente para áreas mais frias. Assim, espécies que nunca tiveram contato com outras passam a ter, numa interação inédita para patógenos e hospedeiros.
Por outro lado, a destruição de ecossistemas, como as florestas tropicais, provoca a proximidade do homem em habitats antes intocados. Enquanto isso, a humanidade se desloca mais intensamente por todo o globo, especialmente nos últimos anos, mais exposta às alterações biológicas nocivas e com maior protagonismo na sua transmissão.
As perdas em saúde ambiental são evidentes. As Nações Unidas fazem esta leitura há décadas, assim como instituições científicas brasileiras de renome, como a Fiocruz.
Para a ONU e os especialistas da OMS, os objetivos do desenvolvimento sustentável apontam metas para a sustentabilidade em agendas prioritárias para a saúde ambiental. De outro lado, sua implementação é deficitária, pois a maioria dos países-membros não tem construído políticas de Estado eficientes.
Há governos que ignoram os riscos de saúde ambiental inerentes à atual fase civilizatória. É o que ocorre no Brasil. A floresta Amazônica, com sua transposição de umidade, é essencial para o equilíbrio climático da América do Sul, da cordilheira dos Andes ao Atlântico. Tem sido duramente agredida por desmatamento e fogo, o que impacta a estocagem de carbono e a biodiversidade. Partes degradadas da floresta já não mantêm a capacidade positiva de sequestrar tanto carbono quanto emite.
A questão que se impõe é o que se pode fazer, de forma efetiva. A ciência tem apontado caminhos. Pesquisa publicada na revista Science afirma que mais de 60% do desmatamento da Amazônia e no Cerrado ocorrem em apenas 2% de propriedades que criam gado e plantam soja, sendo que 20% da soja e 17% da carne bovina exportada para a União Europeia podem estar ligadas a este desmatamento. O estudo, disponível na web, foi batizado de “As maçãs podres do agronegócio brasileiro” (The rotten apples of Brazil’s agribusiness-Science).
Assim, as digitais deixadas pelos crimes ambientais não são tão difusas como pareciam à primeira vista. Estão mais concentradas do que se pensava. Basta olhar no mapa o arco do desmatamento da Amazônia.
É preciso dar transparência aos fatos. Propusemos ao Observatório de Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a construção de uma plataforma digital que possa abrigar e dar amplo acesso público aos dados de destruição da floresta Amazônica. Também solicitamos ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) a abertura total de dados em seu site, que se encontram hoje inacessíveis ao público.
Há uma crônica falta de sistematização e transparência sobre os procedimentos instaurados, já que as providencias tomadas por órgãos estaduais, Ibama, Ministério Público e Poder Judiciário só são acessíveis de forma fragmentada, muitas vezes por meio de requerimentos, apelando ao direito à informação. Neste processo, salta aos olhos a falta de execução das multas do Ibama, que foram objeto de neutralização ao serem remetidas a uma comissão recursal que não se reúne, ou seja, que mantém as multas na gaveta.
Assim, não tem sido possível aferir a eficiência e a eficácia deste sistema composto por várias instituições. Seja por determinação judicial ou acordo extrajudicial, a reparação do dano ambiental na Amazônia é o ponto mais relevante para a questão climática e a biodiversidade.
Além disso, é preciso, de forma pedagógica, desestimular os contumazes fora da lei, antes que estes consigam azedar as demais maçãs e colher restrições da OMC, da Comunidade Europeia e agora dos progressistas norte-americanos. Todos, na esteira dos princípios ESG, condenam a produção de commodities às custas da degradação ambiental, seja por provocar danos à biodiversidade e ao clima — ou por caracterizar concorrência desleal, a ser penalizada.
Há muito por fazer, a começar pela ampla transparência, ao mesmo tempo que é preciso sensibilidade para reconhecer a significância do equilíbrio ecológico proporcionado por ecossistemas essenciais, que são vitais para a sobrevivência das espécies e da sociedade humana.
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