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Como vamos cultivar o futuro?

A agricultura regenerativa é a melhor resposta estratégica para nossa segurança alimentar em tempos de eventos climáticos extremos e de doenças crônicas crescentes

20 de agosto de 2025

A intensificação de eventos climáticos extremos, com chuvas irregulares, causando ora secas prolongadas e queimadas, ora enchentes, têm dizimado o meio ambiente, colocado pessoas em risco e pressionado a produtividade agrícola brasileira. Em 2024, a produção nacional de grãos caiu 7,2%, segundo o IBGE. A colheita recuou de 315 para 293 milhões de toneladas. Estimativas indicam que, entre 2013 e 2022, o Brasil perdeu R$ 260 bilhões por causa de impactos climáticos. Essa tendência não é pontual. Projeções da plataforma AdaptaBrasil apontam quedas expressivas até 2030: milho (-51%), trigo (-46%), feijão (-23%) e arroz (-15%). No setor pecuário, a previsão também é alarmante: leite (-18,8%) e carne bovina (-7%).

O Brasil tem um papel crucial na alimentação global. O país está entre os 4 maiores produtores de alimento do mundo, sendo o maior exportador de carne bovina e de frango. Para além do impacto econômico, é o sustento mundial que está em risco. A segurança alimentar está ameaçada e as projeções mostram que o modelo produtivo convencional já não responde aos desafios impostos. 

De certa forma, em alguns meios, há uma ilusão de que a nossa produção de alimentos, diante das mudanças climáticas, vai ser garantida por soluções tecnológicas apenas. Então, aposta-se muito no desenvolvimento de sementes mais avançadas, técnicas mais modernas de irrigação, tecnologias de satélite, GPS ou drones, usando Inteligência Artificial para planejar melhor o cultivo e até mesmo usando a IA para desenvolver novas tecnologias. Esse é visto como o grande caminho para aumentar a produtividade, em um momento que vivenciamos todo tipo de eventos imprevistos. Mas é pouco provável que a solução tecnológica dê conta de tudo.

A questão é sistêmica, assim como na saúde. Sabemos que não vai existir uma vacina inovadora e nenhum remédio revolucionário que vai resolver as doenças crônicas, porque elas estão associadas a hábitos. Hábitos de alimentação, hábitos de atividade física, hábitos de consumo de alimentos hiperprocessados, hábitos de vida estressante, ou mesmo hábitos no cultivo dos alimentos, que podem receber mais ou menos aditivos. É um conjunto de fatores. E se existe uma mudança  possível, mudança de atitude, mudança da sociedade, mudança de comportamentos, mudança cultural e educacional, vai muito além de uma pílula. 

A solução para a produção de alimentos apresenta um desafio equivalente. As mudanças climáticas têm várias faces e elas também não serão contínuas. Em alguns momentos, teremos eventos extremos diversos, sobrepostos, imprevisíveis. Não vivemos uma situação no clima em que a estamos saindo de um padrão e entrando em outro previsível. Estamos saindo de um padrão climático e entrando no caos. Diante dessas incertezas todas, a maneira dos produtores rurais se defenderem é adotar práticas mais resilientes. A agricultura regenerativa desponta como uma das principais soluções nesse cenário. Ao restaurar a saúde do solo e promover práticas ambientalmente responsáveis, esse modelo oferece benefícios concretos para a produção agrícola, em pequena ou larga escala. Ele fortalece a resiliência dos sistemas produtivos, aumenta a retenção de água no solo, melhora a infiltração e regula o microclima, tornando as lavouras menos suscetíveis às intempéries. Ou seja, contribui diretamente para manter, e até aumentar, a produtividade em tempos de instabilidade climática.

Os ganhos são visíveis. O projeto Regenera Cerrado comparou áreas com agricultura regenerativa e convencional em propriedades de até 300 hectares. Em 2022/2023, a produtividade do milho de segunda safra foi 44% maior nas áreas regenerativas. E o custo de produção foi menor: R$ 3.222,41 frente a R$ 3.417,64 no sistema tradicional. A soja também apresentou custos mais baixos (R$ 6.252,96 no regenerativo contra R$ 7.273,23 no convencional).

A adoção de práticas regenerativas na pecuária também tem papel importante. O setor é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa do país. Dados da Amazônia 2030 mostram que, entre 2000 e 2022, a área de pastos cresceu 54% na Amazônia Legal. Para cada hectare de pastagem reformado no Brasil, um hectare de floresta foi derrubado; na Amazônia, esse número sobe para 2,35 hectares. E a estiva é de que 54% dos pastos na região estejam em algum grau de degradação. O olhar atento ao setor e a região é fundamental para manutenção dos ciclos da chuva nas áreas produtivas do Brasil. A floresta Amazônica exerce grande influência sobre os padrões de chuva, por meio dos chamados rios voadores, levando água que alimenta rios e irriga plantações em várias regiões. Ao atravessar áreas desmatadas, as correntes perdem mais umidade, reduzindo a quantidade de chuva ao longo do caminho.

Práticas como o manejo adequado e o cultivo de pastagens, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), cuidados sanitários com o rebanho e qualificação de mão de obra são fundamentais para melhorar a qualidade do pasto, aumentar a produtividade por hectare, freando o desmatamento.

Na FERA, a Frente Empresarial pela Regeneração da Agricultura, essa transformação já começou. A frente reúne produtores comprometidos com práticas regenerativas que promovem produtividade com responsabilidade ambiental. O objetivo é aumentar a adesão ao modelo, trabalhando por mais incentivos financeiros, políticas públicas e mão de obra especializada. 

O grupo reúne exemplos de como a regeneração impacta a lavoura, aumentando a produtividade e diminuindo perdas. Um deles é o da Lucimar Silva, cafeicultora em Patos de Minas (MG). Em meio a dois anos seguidos de seca severa que afetaram sua região e derrubaram a safra de diversos vizinhos, ela conta que manteve sua produção de café especial de 450 hectares sem perdas. Lucimar atribui essa resiliência ao manejo regenerativo que adota em sua propriedade: maior biodiversidade para controle natural de pragas, solos saudáveis que retêm umidade, uso de bioinsumos e proteção de áreas florestais e nascentes, garantindo segurança hídrica e sanidade do cultivo.

Na Serra da Canastra (MG), Vinícius Ferreira Soares, produtor rural e engenheiro agrônomo – também membro da FERA, vê essas mudanças de perto. Ele cultiva queijo Canastra orgânico certificado em uma área de 25 hectares, dos quais 11 são de mata preservada. Desde que implantou o manejo regenerativo em 2019, a paisagem mudou. O tamanduá-bandeira e o lobo-guará voltaram a aparecer, o solo está mais rico em matéria orgânica e uma nascente que secava todos os anos agora corre o ano inteiro, abastecendo o ribeirão Araras e, mais adiante, o rio São Francisco. O queijo que produz, feito com leite de vacas que encontram sombra nas árvores do pasto, ficou mais saboroso e valorizado.

Uma das consequências dessa mudança de ótica na produção é que os ecossistemas naturais deixam de ser vistos como um estorvo, como um elemento da paisagem a ser retirado, para serem encarados como um insumo ou como um seguro rural. Complementarmente, a produção de florestas – na forma de regeneração natural ou assistida – irá crescer como negócio de captura de carbono para estabilização do clima e para recuperação de nascentes diante de crises hídricas generalizadas, com valorização da água limpa de ambientes naturais. Produtores rurais de bacias hidrográficas terão cada vez mais incentivos – inclusive financeiros – para adotar práticas regenerativas.

A agricultura regenerativa é uma estratégia de adaptação com potencial de liderar uma nova revolução agrícola. Mas é preciso de incentivos adequados. Para os pequenos produtores, acesso a crédito, assistência técnica e canais de comercialização são essenciais para garantir escala e estabilidade. Para os grandes, incentivos fiscais e políticas que valorizem práticas ambientalmente responsáveis estão entre medidas importantes. É preciso agir para tornar o modelo competitivo frente ao convencional e acelerar a transição. O futuro do cultivo no Brasil depende do que plantamos agora.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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