Colunas

De Norte a Sul, o Brasil vive os extremos climáticos; é hora de reconhecer e se adaptar

Cheguei a ouvir discursos de que não haveria cheia no Rio Grande do Sul e de que a Amazônia não iria secar. Bem, no Norte o rio secou e no Sul o rio transbordou

29 de maio de 2024
  • Valcléia Solidade

    Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Quantas vezes um discurso precisa ser repetido até que ele finalmente seja levado a sério? Acredito que toda geração já ouviu sobre a importância de conservar o meio ambiente, não jogar lixo na rua, diminuir o consumo de plástico, não derrubar árvores, e tantas outras pregações de professores e cientistas. Mas os alertas sempre foram e serão vistos como discursos distantes da realidade para quem é negacionista.

Acontece que a cada ano que passa, estamos enfrentando exatamente o que os cientistas previram. Terremotos, furacões, enchentes, seca. Pergunto, até quando a humanidade continuará sendo negligente com suas ações? Perto de nós, no Brasil, de Norte a Sul, vemos tragédias diferentes, mas que impactam as pessoas da mesma forma.

Quando nos voltamos para um passado recente, em 2023, nos deparamos com a severa seca que atingiu a Amazônia, principalmente o estado do Amazonas, em que mais de 40 comunidades ficaram isoladas, e ficaram isolados porque as nossas estradas são nossos rios e sem eles não há como se deslocar para os centros urbanos.

O impacto da estiagem deixou em evidência a importância de ações estruturantes por parte do poder público e a necessidade de escuta ativa com as principais lideranças das Unidades de Conservação. 

Uma das principais problemáticas que ouço dessas pessoas é a falta de energia, internet, além, é claro, da água, e todos estão interligados. Esse problema é comprovado durante todo o ano, mas durante o período da seca, ele tem uma evidência ainda maior. Ora, para se ter internet e facilitar comunicação para fora da comunidade é necessário energia. Sem energia, não há como captar água dos poços e abastecer as casas com água limpa.

Dentro desse cenário, é importante que se entenda o papel dos gestores públicos na preocupação de mitigar essas situações que, sem dúvidas, serão cada vez mais recorrentes. É importante que nós como cidadãos analisemos quais propostas e o que realmente os gestores públicos estão destinando de recursos para que sejam realizadas ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Por mais que ainda seja falado que esse assunto é “conversa para boi dormir” ou narrativa para causar pânico nas pessoas, é inegável enxergar que essa é a realidade que estamos vivenciando e é necessário que haja estratégia pelos governos estaduais, municipais e federal. Você já questionou quantos parlamentares destinaram recursos ou emendas para resolver ou minimizar os impactos? Quais foram os recursos destinados para diminuição do desmatamento e das queimadas, no caso da Amazônia? E como está o Pampa, no Rio Grande do Sul?

Pessoas são resgatadas após enchentes em Canoas, Rio Grande do Sul. Crédito: Reuters/Folhapress

Se, por um lado, no Norte tivemos escassez de água, no Sul estamos presenciando o excesso dela, causando destruição por onde chega e ceifando vários municípios do Rio Grande do Sul.

É preciso avaliar os ecossistemas não como um atraso para os territórios, mas é necessário olhar para o Pampa, o Cerrado, a Amazônia e todos os biomas como ambientes que precisam ser tratados de forma especial, porque sabemos a importância de continuar conservando e preservando, não somente para o nosso país, mas também no ponto de vista mundial.

Mais do que nunca, ações precisam ser feitas para combater a narrativa de que os problemas que estão ocorrendo em relação ao clima são apenas desastres naturais. Pode ser? Sim, mas esses desastres têm muito mais a ver com as ações humanas contra o meio ambiente e a reação do planeta.

Cheguei a ouvir discursos de que não haveria cheia no Rio Grande do Sul e de que a Amazônia não iria secar. Bem, no Norte o rio secou e no Sul o rio transbordou. Em 2023, a situação dos gaúchos foi alarmante, mas neste ano tudo piorou, os impactos comprovam isso. Daqui há uns meses começa a estiagem no Norte. Será pior que a situação do ano passado?

Então, reafirmo que é necessário pensar em ações de resiliência, mas, acima de tudo, ações estratégicas políticas, olhando para os biomas do nosso Brasil e para tudo o que é possível desenvolver nesses territórios. Além disso, é necessário considerar a nova realidade e buscar alternativas, já realizadas em outros países, de contenção a situações como essas. 

Para além das ações de políticas públicas, hoje também é preciso pensar na reconstrução de vida dessas pessoas e destinar recursos para adaptação, porque para as cidades que ficaram debaixo das águas, eles não poderão retornar. E faço outro questionamento quanto a isso: Serão essas pessoas consideradas refugiadas climáticas dentro do próprio país? Como essas pessoas irão se adaptar em um ambiente diferente? Porque não estamos falando somente de estrutura física de casas, é uma perda de cultura, de tradição. Quanto custa tudo isso? É preciso fazer uma análise do prejuízo socioambiental.

Porque se houve dúvidas, após a pandemia que vivenciamos por dois anos, de que o negacionismo mata, a cada dia que passa temos a comprovação de que ele é letal.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também

Notícias
24 de maio de 2024

Desastres ambientais afetaram 418 milhões de brasileiros em 94% das cidades, diz estudo

Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que cada brasileiro enfrentou, em média, mais de duas situações de desastre entre 2013 e 2023

Reportagens
13 de maio de 2024

Sem ciência não há enfrentamento dos desafios crescentes da mudança do clima, diz cientista do IPCC

Thelma Krug, membro do corpo de cientistas da ONU para mudanças climáticas, diz que situação no RS é oportunidade para repensar planos de adaptação

Análises
11 de abril de 2024

Catástrofes, aprendizagens e aplicações sobre conservação da natureza nos negócios

Secas recentes que ocorreram no Sul, entremeadas com catástrofes decorrentes do excesso de pluviosidade localizada, deveriam proporcionar uma reação mais contundente de todos nós

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.