Análises

Catástrofes, aprendizagens e aplicações sobre conservação da natureza nos negócios

Secas recentes que ocorreram no Sul, entremeadas com catástrofes decorrentes do excesso de pluviosidade localizada, deveriam proporcionar uma reação mais contundente de todos nós

Clóvis Borges ·
11 de abril de 2024

A variável ambiental é fator relevante nas avaliações de diferentes tipos de negócios, pelo menos, para aqueles atores que já sofreram perdas significativas decorrentes de algum tipo de evento extremo. Ou daqueles que têm alguma consciência do cenário atual e procuram agir com precaução e responsabilidade em relação a seus investimentos.

O mercado de seguros é um dos negócios em franca mutação, uma vez que a expectativa de cobertura de muitas situações de risco passa a não ser mais factível, dada a frequência e intensidade de eventos que colocam esse tipo de produto num patamar de custo que o torna inviável. De forma mais ou menos evidente, a verdade é que estamos vivendo um momento de bastante insegurança que já não nos permite estimar com maior precisão até que ponto uma enorme gama de empreendimentos são um negócio com garantia de sucesso aceitável.

Uma análise mais geral do que vem ocorrendo no Sul do Brasil, onde a maioria do território é utilizado intensamente para atividades agrossilvopastoris, permite a constatação de um conjunto crescente de situações de quebras de produção decorrentes do desequilíbrio climático. Um cenário que não pode ser ignorado e que demonstra de forma bastante evidente como dois fatores que agem de forma sinérgica, afetam e comprometem as atividades econômicas em nosso território. 

O primeiro fator só poderá ser controlado ou mitigado a partir de uma agenda alinhada globalmente. Controlar as emissões de gases de efeito estufa passou a ser um gigantesco desafio que implica numa ainda tênue e insuficiente reação em cadeia que, ao contrário do que seria necessário, não têm produzido efeito prático até o momento. Esforços de adaptação, igualmente relevantes frente à condição inexorável de descontrole climático, são também ainda incipientes.

O outro fator que corrobora de forma direta com a fragilização de atividades econômicas, não apenas nas áreas rurais, é a perda progressiva de biodiversidade, decorrente da supressão de áreas naturais, imposta pela sociedade nas últimas décadas, como forma considerada impositiva de uso do território. O Sul do Brasil, à exceção de pontos isolados do território, que ainda encerram remanescentes naturais significativos, sofreu um processo intenso e descontrolado de perda de áreas naturais. 

O problema não se limita apenas à diminuição radical de áreas naturais conservadas. O agravante é a supressão quase que completa em grandes territórios destinados a atividades econômicas convencionais, seja em áreas rurais seja em áreas urbanas e periurbanas. Dados recentes dão conta de que há um déficit de mais de dois milhões de hectares apenas no que se refere ao cumprimento mínimo do Código Florestal e grandes cidades vêm ampliando suas Regiões Metropolitanas sem uma atenção adequada à manutenção de frações suficientes de áreas bem conservadas.

Se não há uma expectativa, pelo menos no momento, de reversão dos fenômenos causados pelas mudanças climáticas, problema que precisamos ajudar a combater, mas que escapa em muito de nossas mãos, a proteção efetiva e suficiente de áreas naturais, regionalmente, é tarefa caseira e que precisa ser encarada de forma concreta, como demanda fundamental para garantir maior resiliência aos negócios e a qualidade de vida de toda a população.  A mudança de chave que já deveria ter ocorrido há muitos anos, está na devida valorização de áreas naturais em todo o território, não apenas cumprindo o Código Florestal, mas buscando uma equação que permita que áreas rurais e urbanas sejam protegidas pela infraestrutura verde proporcionada por estas frações do território com áreas naturais conservadas.

Governos, corporações, grupos setoriais e sociedade já deveriam ter percebido que temos tido prejuízos significativos com o desleixo histórico frente ao desafio da conservação. São perdas que não temos tido a capacidade de colocar nas planilhas de custos. Muito menos de reconhecer o que é óbvio: essas perdas seriam menores caso o território estivesse mais bem protegido das ameaças crescentes em frequência e intensidade. As secas recentes que ocorreram no Sul do Brasil, entremeadas com catástrofes decorrentes do excesso de pluviosidade localizada, deveriam proporcionar uma reação mais contundente de todos nós. 

No entanto, basta que amenizem os efeitos desastrosos ocorridos dias atrás para que ocorra um arrefecimento quase que completo da percepção do que está e seguirá ocorrendo. Contar com a sorte, em última instância, apostando que cada um conseguirá evitar estar no meio do próximo evento extremo, parece ser suficiente para acomodar os ânimos e abandonar qualquer atitude que permita alguma mudança de cenário. Nossa cultura presente ainda coloca as áreas naturais conservadas em último plano, senão, pressiona para que sejam ainda mais suprimidas, a despeito de um déficit abismal existente em boa parte do Sul do Brasil.

Um melhor entendimento sobre o papel fundamental dos serviços ecossistêmicos proporcionados por espaços naturais bem conservados deveria ser matéria obrigatória em todas as instâncias da educação formal, independentemente do qual formação esteja sendo realizada. Mas apenas admitir que não reagimos por ignorância talvez seja apelativo demasiado no sentido de atenuar as nossas responsabilidades. As informações sobre o papel da natureza protegida no desenvolvimento social e econômico de uma região existem e são amplamente disponíveis, tem consistência científica e podem ser usadas para uma reversão fundamental que, em algum momento, devem ser colocadas em prática. 

Nenhum gestor público, nenhum empresário e nenhum cidadão, que se considere minimamente informado, pode argumentar que desconhece a dura realidade que está nos desafiando de forma extremamente crítica. Neste contexto, fica mais adequado explicar que vivemos uma condição de conivência decorrente da dificuldade no exercício da cidadania e suporte a temas de interesse público. E, ainda mais, que esta passividade é um excelente combustível para fortalecer a influência maledicente de grupos setoriais que se aproveitam da passividade e conivência de governos e dos cidadãos em geral para impor uma pressão ainda maior sobre o nosso patrimônio natural.

Assim como aqueles que mantêm e protegem áreas naturais devem ser devidamente remunerados pelos serviços ecossistêmicos que essas áreas produzem para toda a sociedade, todos os negócios precisam reconhecer que usam a natureza para suas atividades e que, dependendo do impacto que cada um destes empreendimentos causa, um valor correspondente deve ser destinado às ações de conservação de nosso território, como forma efetiva de mitigar os efeitos dos eventos climáticos extremos e evitar efeitos ainda mais devastadores na economia e nas condições de vida da população. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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