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Desenvolvimento Sustentável: afinal, o que é isso?

O desafio é comunicar claramente que os conceitos, indispensáveis e não excluem as alternativas de desenvolvimento econômico das grandes cidades

31 de outubro de 2023 · 1 anos atrás
  • Valcléia Solidade

    Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

No dia 18 de outubro, em um evento realizado em Porto Velho (RO) em que fui convidada pelo ICLEI (Governos Locais para a Sustentabilidade) para fazer parte de um painel denominado “Desenvolvimento econômico na região amazônica centrado nas pessoas com enfoque em fomento da participação social e governança”, uma das palestrantes citou a palavra “desenvolvimento sustentável” e alguém que estava sentado na plenária gritou: “todo mundo fala, mas poucos praticam ou sabem o que é”. Essa manifestação despertou em mim o desejo de contribuir sobre um tema que realmente tem sido destaque em muitas discussões, especialmente ligadas à Amazônia. Afinal, o que se entende por desenvolvimento sustentável?

O termo não é um modismo ou algo criado por organizações mal-intencionadas para frear o desenvolvimento econômico de um país. Ele foi utilizado pela primeira vez em 1983, por ocasião da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brudtland, a comissão propôs que o desenvolvimento econômico fosse integrado às questões ambientais, estabelecendo-se, assim, o conceito de “desenvolvimento sustentável”. E, após quatro anos, foi apresentado um diagnóstico dos problemas globais ambientais, denominado como “Relatório Brundtland”.

Na Conferência Eco-92 (Rio-92), essa nova forma de desenvolvimento foi amplamente difundida e aceita, e o termo ganhou força. Na ocasião, foram assinados a Agenda 21 (de desenvolvimento local sustentado) e um conjunto amplo de documentos e tratados enfatizando temas como biodiversidade, clima, florestas, entre outros, e o uso dos recursos naturais do planeta de forma sustentável.

Cadeias Produtivas do Cacau. Foto: Dirce Quintino/FAS.

E, por falar em Brasil, desde a Constituição Federal de 1988 (Art. 225) já havia clara referência e importância ao termo meio ambiente, pela definição de que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao uso comum do meio ambiente, indispensável ao povo no que tange a ter uma sadia qualidade de vida. Oficialmente, o país se posicionou quanto à busca de um equilíbrio ambiental que assegurasse às futuras gerações o direito a usufruir conscientemente dos benefícios, atribuindo valor inestimável e existência imprescindível.

Então, não parece necessário discutir a importância do meio ambiente, mas talvez entender o porquê do conceito de desenvolvimento sustentável e de conservação ambiental serem deturpados gradativamente e dissociados dos objetivos constitucionais, além de parecer seguir na contramão do que o mundo inteiro tem discutido e tentado apoiar. Os resultados da Conferência das Partes (COP-25), ainda sob gestão do governo anterior, são uma clara demonstração da desarticulação do país, sem propostas coerentes com o que as Partes têm discutido há anos, atrasando negociações e limitando, em certa medida, o apoio internacional à Amazônia brasileira.

Em termos de Amazônia, o desafio é comunicar claramente que os conceitos de desenvolvimento sustentável e conservação ambiental são indissociáveis, indispensáveis e não excluem as alternativas de desenvolvimento econômico das grandes cidades. As Unidades de Conservação estão espalhadas em toda a extensão territorial, algumas a muitos dias de navegação de qualquer centro urbano ou pequeno município. Promover a conservação dessas áreas, assegurar alternativas econômicas que valorizem a produção local são caminhos inteligentes para reduzir o êxodo rural pela melhoria da renda familiar e ainda contribui para a redução dos desmatamentos.

Esse tipo de desenvolvimento, voltado para a Amazônia profunda, não concorre com as fábricas do Polo Industrial de Manaus, lojas dos centros comerciais, empresas ou consultórios médicos. É importante fazer esse tipo de abstração, porque grande parte dos antigos e novos críticos do discurso socioambiental está bem preocupada com aquilo que não se pode tangibilizar, e não há como saber se os objetivos são de natureza egocêntrica, de desinformação ou apenas críticas vazias.

A sociedade precisa se envolver! O envolvimento sustentável, material de um interessante artigo publicado por Virgílio Viana, parte do princípio de que as sociedades precisam se relacionar com os ecossistemas locais. No caso de populações tradicionais, que merecem atenção diferenciada, devem ter seus direitos à propriedade e ao manejo dos ecossistemas naturais respeitados. Os sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais, buscando uma maior sustentabilidade e produtividade, devem ser valorizados e aprimorados.

Além disso, os processos de tomada de decisão devem buscar a participação dessas populações, sendo que os métodos participativos são fundamentais para viabilizar a partilha do poder decisório, conforme expliquei no último artigo. Para isso, técnicos e autoridades devem se envolver com a realidade, ouvindo, aprendendo e respeitando a perspectiva das populações locais. 

Falar de desenvolvimento sustentável não é simples, é sensível, requer vivência e paixão. Um olhar sem paixão sobre o tema pode levar a uma onda de banalização, pela falta de preocupação ou proximidade com o próximo. Só que é da conta de todos. E ninguém pode se ausentar desse tema, porque diz respeito a todos e a qualquer um. Até mesmo aos antigos e novos críticos do discurso ambientalista.

Há várias organizações da sociedade civil no Brasil que são sérias e reconhecidas nacional e internacionalmente e que têm feito um papel de grande contribuição com a temática. Vale a pena pesquisá-las e compreender um pouco mais sobre o trabalho que desenvolvem. Engajem-se!

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Comentários 1

  1. Renato Sanchez diz:

    Muito bom o artigo… Acrescento que não é o bastante somente “Promover a conservação dessas áreas, assegurar alternativas econômicas que valorizem a produção local.. reduzir o êxodo rural pela melhoria da renda familiar e ainda contribui para a redução dos desmatamentos.”
    Conforme o último Censo IBGE 2022 o crescimento dos Indígenas vivendo em Cidades (o ÊXODO INDÍGENA) aumentou consideravelmente. Porque? Pelas condições das Precárias Infraestruturas em suas Aldeias. Aqui o fator Moradia também deveria ser levado em conta. Sou Arquiteto e Urbanista e Indigenista, trabalhei na Fundação Nacional do Índio por 36 anos e conheci de perto Aldeias vivendo em miserabilidade…É preciso dar atenção a esta situação. Caso não houver investimentos nas Aldeias, muitas famílias e indivíduos Indígenas migrarão para viverem muito mal nas cidades deixando de cuidar da Floresta em Pé.
    Obrigado pela oportunidade. .
    Renato Sanchez…