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Do Azul ao Futuro: Como Finanças Inovadoras estão moldando a nova economia do Oceano

Investir no oceano é mais do que uma boa decisão financeira. É um pacto com o futuro. Um convite para repensar progresso não como velocidade, mas como direção

6 de agosto de 2025
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Nicole Malinconico

    Bióloga e doutora em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (USP), com pesquisa focada em Planejamento Espacial Marinho e gestão integrada de praias. Atua nas áreas de Contabilidade Oceânica, Carbono Azul e políticas costeiras.

  • Nicole Russo Guerrato

    Formada em Ciências Biológicas com ênfase em Biologia Marinha pela UNESP e mestre em Ciências do Mar pela UNIFESP.

O termo “finanças inovadoras” (innovative finance) refere-se a mecanismos que mobilizam recursos para o desenvolvimento sustentável, indo além do crédito público ou ajuda oficial ao desenvolvimento. Elas incluem parcerias multissetoriais, fundos fiduciários, instrumentos de mercado como títulos temáticos (verdes, azuis) e pagamentos por serviços ambientais, que buscam coordenar capitais privados, filantrópicos e institucionais para gerar impacto social e ambiental duradouro.

No contexto da conservação marinha, essa abordagem é essencial para fechar a lacuna de financiamento de mais de US$ 150 bilhões estimada pela UNEP para proteger os oceanos até 2030. É nesse cenário que surge o Fundo SEA BEYOND, como uma das iniciativas mais recentes de finanças inovadoras voltadas ao oceano.

Na Conferência da ONU para o Oceano de 2025, em Nice, a UNESCO e o Grupo Prada anunciaram oficialmente o lançamento do Fundo Multidoadores SEA BEYOND para Conectar Pessoas e Oceano, com uma contribuição inicial de €2 milhões do Prada Group. Esse novo fundo, hospedado pela iniciativa Ocean Literacy With All da UNESCO, apoiará projetos em ciência oceânica, cultura e educação (como educação azul, engajamento juvenil, ciência-política, comunicação) e está alinhado explicitamente com o Desafio 10 da Década da Ciência Oceânica das Nações Unidas (UNESCO, 2025).

SEA BEYOND: Finanças Inovadoras para a Educação Oceânica

O Fundo SEA BEYOND, representa uma nova fronteira no financiamento para a alfabetização oceânica. Ele une um ator privado do setor da moda a uma agência multilateral, com o objetivo de promover transformações educacionais e culturais globais.

Historicamente, o setor da moda está entre os maiores poluidores do planeta, contribuindo significativamente para a poluição marinha por meio de microplásticos, produtos químicos têxteis e emissões associadas à produção e transporte. No entanto, iniciativas como o SEA BEYOND mostram como marcas globais podem transitar de vetores de impacto negativo para catalisadoras de mudança positiva. Ao investir em educação e cultura oceânica, empresas como a Prada começam a internalizar externalidades ambientais e a posicionar-se como protagonistas na economia azul. 

Seu foco em educação e cultura oceânica, aliados à abertura para novos parceiros filantrópicos e institucionais, torna-o um modelo híbrido de mobilização de recursos não convencionais para transformação social de longo prazo. O modelo de fundo fiduciário convida novos parceiros a contribuir. Ele replica modelos bem-sucedidos de outras áreas (como saúde global), coordenando subsídios. Investir em educação e cultura catalisa mudanças amplas: comunidades bem informadas adotam turismo sustentável, apoiam áreas protegidas e inovam em tecnologias azuis.

A Economia Azul: Uma Oportunidade Imensa e em Crescimento

A economia azul, que inclui pesca, turismo e energia offshore, movimenta cerca de US$ 2,5 trilhões por ano globalmente e cresce duas vezes mais rápido que a economia mundial (OECD, 2020). Entre as áreas com maior potencial de expansão estão a aquicultura sustentável, as energias renováveis offshore (vento e ondas), a descarbonização naval e a redução de resíduos. Além disso, estima-se que, até 2030, cerca de 40 milhões de pessoas poderão estar empregadas em atividades ligadas à economia azul (OECD, 2020).

Esses números mostram uma enorme oportunidade. Setores oceânicos sustentáveis geram, além de receita, meios de vida críticos para comunidades costeiras. No Brasil, a zona costeira e marinha abriga cerca de 25% da população e movimenta atividades econômicas que representam aproximadamente 19% do PIB nacional, incluindo turismo, pesca, transporte marítimo e exploração offshore de petróleo e gás. Investimentos crescentes em ciência, tecnologia e inovação marinha, como os conduzidos pela Rede Oceano Limpo e projetos da Marinha do Brasil e do CNPq, vêm contribuindo para a expansão da economia azul, especialmente em áreas como monitoramento costeiro, biotecnologia marinha e energias renováveis oceânicas.

Retorno é tempo: é preciso paciência

Tempo médio de retorno financeiro (payback period, em anos) para diferentes tipos de investimentos na Economia Azul. A figura apresenta exemplos de estudos de casos em setores selecionados. Figura elaborada pelas autoras.

Investimentos azuis, como os voltados à conservação marinha, à transição energética ou à educação oceânica, geralmente exigem tempo antes de apresentarem retornos concretos. Segundo o Painel Oceânico, ao avaliar iniciativas de proteção marinha em um horizonte de 30 anos, foi identificado um retorno sobre o investimento (ROI) muito elevado. Isso significa que, para cada real investido, os benefícios sociais, ambientais e econômicos gerados superam amplamente os custos iniciais, reforçando que investir no oceano pode ser não apenas necessário, mas também financeiramente inteligente.

No entanto, os prazos para retorno podem variar conforme o tipo de projeto. Em alguns casos, os resultados são perceptíveis em poucos anos. Um exemplo é o da empresa de resseguros Swiss Re, que passou a considerar ecossistemas como manguezais e recifes de coral como ativos de redução de risco. Em parceria com a The Nature Conservancy, estudos mostraram que manguezais bem preservados podem reduzir em até 35% os danos causados por tempestades tropicais, e em algumas áreas restauradas houve até 20% de redução nos prêmios de seguro. No projeto-piloto de Quintana Roo, México, o seguro foi contratado em 2018 e acionado com sucesso em 2020 após o furacão Delta, liberando US$ 850 mil para reparos no recife, um retorno efetivo em apenas dois anos.

Outros modelos exigem mais maturação. É o caso do projeto de carbono azul da empresa Allcot em parceria com a Asociación de Comunidades Forestales del Petén (ACOFOP), na Guatemala. Iniciado em 2012, o projeto envolveu manejo comunitário de manguezais e florestas de transição. Após três a cinco anos de estruturação técnica e certificação pelo padrão VCS (Verra), os primeiros créditos de carbono certificados começaram a ser gerados em 2016. Até 2023, mais de 1 milhão de toneladas de CO₂ foram comercializadas, com receita bruta estimada entre US$ 12 e US$ 20 milhões. Parte dos recursos foi reinvestida nas comunidades e o restante representou lucro líquido para a empresa, demonstrando a viabilidade de modelos sustentáveis e lucrativos no longo prazo.

Já projetos como o SEA BEYOND operam numa escala de impacto geracional tem previsão inicial de cinco anos. Embora seus resultados não se traduzam em métricas financeiras imediatas, esse tipo de investimento é essencial para criar as condições sociais, políticas e culturais que viabilizam a conservação oceânica no longo prazo.

Finanças inovadoras: outras vertentes

A experiência demonstra que serviços ambientais podem ser medidos, valorizados e vendidos. Combinados a investimentos tradicionais (subsídios, metas corporativas), esses instrumentos criam um ecossistema financeiro diversificado e escalável. Além de fundos multidoadores como o SEA BEYOND, o campo abrange também instrumentos como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), blue bond e o chamado blended finance (financiamento combinado).

O blended finance é uma abordagem que mistura capital filantrópico ou público com investimento privado, geralmente estruturado para reduzir o risco e atrair grandes volumes de recursos para causas ambientais ou sociais. Complementando essa estratégia, os Blue Bonds são instrumentos financeiros parecidos com títulos públicos ou corporativos, emitidos para captar recursos destinados a ações que beneficiam diretamente os oceanos, como saneamento em áreas costeiras, manejo pesqueiro sustentável ou criação de áreas marinhas protegidas.

Outra ferramenta importante dentro das finanças inovadoras são os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), definidos como transações voluntárias em que um pagador recompensa financeiramente, ou com outro tipo de incentivo, um provedor de serviços ambientais, mediante condições acordadas e respeitando a legislação vigente. 

Exemplos internacionais de aplicação desses instrumentos, estão sintetizados no box a seguir.

Perspectivas para o Brasil

No Brasil, país com mais de 8.500 km de costa, rica biodiversidade marinha e grande potencial de economia azul, possui alto potencial para o turismo sustentável, aquicultura de baixo impacto e restauração de manguezais. Há também experiências emergentes com blended finance no Brasil. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem promovendo chamadas para fundos patrimoniais ambientais e modelos híbridos de financiamento para a bioeconomia na Amazônia, que podem ser adaptados à zona costeira e marinha.

Além disso, há a emergência de investimentos em PSA, como o projeto Mar Sem Lixo, desenvolvido pela Fundação Florestal de São Paulo, que visa integrar ciência, gestão pública e comunidades pesqueiras no combate ao lixo no mar. Iniciativas como essa podem se beneficiar diretamente de mecanismos financeiros inovadores para ampliar escala e impacto. Desde sua fase piloto em 2022 até o primeiro trimestre de 2025, o programa já retirou mais de 60 toneladas de resíduos do mar, manguezais e ilhas do litoral paulista, sendo 96% compostos por plásticos (Gimenez et al., 2023).

No box abaixo, destacamos alguns exemplos de financiamentos azuis implementados no Brasil, ilustrando como diferentes instrumentos vêm sendo aplicados na conservação marinha e no fortalecimento da economia costeira sustentável.

Durante muito tempo, acreditamos que proteger a natureza significava frear o desenvolvimento. Mas hoje sabemos que conservar e crescer não são opostos, são caminhos que podem se fortalecer mutuamente. Embora instrumentos econômicos já estivessem previstos na Política Nacional do Meio Ambiente, a consolidação do PSA e o crescimento de modelos de blended finance demonstram que o Brasil caminha para uma agenda mais integrada de conservação e desenvolvimento sustentável.

O desafio está no tempo. É por isso que precisamos aprender a ajustar nossos relógios. Entender que a urgência da crise climática exige ação agora, mas que os retornos virão com o tempo. E virão. Investir no oceano é mais do que uma boa decisão financeira. É um pacto com o futuro. Um convite para repensar progresso não como velocidade, mas como direção. E hoje, a direção certa aponta para as águas.

Para saber mais

Lei da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Brasil, 2021)
National Policy on Payment for Environmental Services – Law No. 14.119/2021
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14119.htm

Como o financiamento combinado pode funcionar para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (OCDE, 2018)
Making Blended Finance Work for the Sustainable Development Goals
https://www.oecd.org/en/publications/making-blended-finance-work-for-the-sustainable-development-goals_9789264288768-en.html

Oceano Sustentável para Todos: Aproveitando os benefícios das economias oceânicas sustentáveis para países em desenvolvimento (OCDE, 2020)
Sustainable Ocean for All: Harnessing the Benefits of Sustainable Ocean Economies for Developing Countries
https://doi.org/10.1787/bede6513-en

Fundo Global para Recifes de Coral – Relatório de Progresso (UNEP, 2022)
Global Fund for Coral Reefs – Progress Report
https://www.globalfundcoralreefs.orgAlfabetização Oceânica para Todos (UNESCO-COI, 2023)
Ocean Literacy for All – Intergovernmental Oceanographic Commission of UNESCO
https://oceanliteracy.unesco.org

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