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Em busca da biodiversidade esquecida do Extremo Sul 

Nos próximos dias, pretendemos reportar aqui as andanças da Expedição Tesouros do Albardão, contar um pouco mais da história por trás da campanha para proteger a região

9 de fevereiro de 2022 · 3 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Nada além de uma linha contínua de areia e um horizonte infindo de mar escuro. Um deserto, na maior praia do mundo, onde o vento é o único companheiro de quem ali se aventura.

Apesar de popular, essa é talvez a mais equivocada descrição que se poderia fazer da região do Albardão, que abrange a costa do extremo sul do Brasil e seu mar adjacente. Os horizontes parecem mesmo infindos, e o vento acompanha o visitante a maior parte dos dias, mas a região não tem nada de deserto. Ao contrário, é um dos mais importantes repositórios de vida do domínio costeiro-marinho brasileiro, uma região essencial para a sobrevivência de diversas espécies ameaçadas. E abriga, além disso, o mais importante sítio paleontológico da costa do Brasil.    

E, como tantos outros, um patrimônio natural ameaçado, onde a pesca pirata reina e atravessa a fronteira com o Uruguai para massacrar espécies já criticamente ameaçadas, e o desconhecimento geral de população e governantes sobre o valor inestimável de seus ambientes e espécies – e seu enorme potencial para a geração de emprego e renda sustentáveis através do Ecoturismo e da proteção de berçários de recursos pesqueiros altamente valiosos – faz com que nenhuma medida efetiva de proteção e de exercício da soberania ambiental brasileira seja tomada.

Não é que ninguém se preocupe. Um grupo aguerrido de ambientalistas, liderados pelos discretos e persistentes pesquisadores do NEMA – Núcleo de Estudos e Monitoramento Ambiental, sediados na praia do Cassino em Rio Grande, há bem mais de uma década vem trabalhando para que as autoridades prestem atenção na importância, na fragilidade, no potencial socioeconômico e nas ameaças ao Albardão. Sucessivos congressos de Unidades de Conservação, workshops e reuniões técnicas recomendaram a criação de um Parque Nacional na região, e, desde Carlos Minc, todos os ministros de Meio Ambiente foram alvo de pedidos formais para priorizar a decretação desta UC. Estudos foram encomendados, mas nada de concreto acontecia.

Já em 2017 as ONGs questionavam em campanha a morosidade em se adotar medidas para a proteção do Albardão.

Ambientalista gaúcho é um bicho, como eu disse, persistente. O NEMA não desistiu; pelo contrário, foi buscar apoios para fortalecer a defesa do Albardão e expandir a consciência pública sobre a importância daquele patrimônio natural e sua necessidade de proteção. E esses apoios vieram não só do Brasil. Graças a uma articulação através do Fórum para a Conservação do Mar Patagônico e suas Áreas de Influência, que considera a região do sul do Brasil dentre suas prioridades de conservação, uma coalizão binacional da sociedade civil formada pelo próprio NEMA, pelo Instituto Baleia Jubarte e pela Organización para la Conservación de Cetáceos do Uruguai, apoiada pela Gaia Foundation, criou em 2020 o Projeto Un Solo Mar, visando, de um lado, reforçar o conhecimento público em ambos países sobre a importância da biodiversidade costeiro-marinha compartilhada entre o extremo sul do Brasil e o Uruguai, e de outro realizar propostas concretas para a proteção dessa biodiversidade através de Áreas Protegidas.

Ao longo dos últimos dois anos, um extenso trabalho foi realizado para consolidar as informações técnico-científicas existentes sobre a região, estabelecer diálogos com autoridades públicas e lideranças locais em ambos os lados da fronteira, e permitir encaminhar enfim as propostas de criação de novas Unidades de Conservação. Mas ainda falta algo: documentar in loco a biodiversidade marinha da região da Barra do Chuí ao Albardão. Sem estrutura logística local para o mergulho, com águas raramente claras e tranquilas, e um conhecimento ainda bastante rudimentar da topografia dos fundos marinhos, ninguém nunca se dispôs a encarar essa missão – até agora. Mas foi só propor a empreitada aos mergulhadores “casca-grossa” do Instituto Baleia Jubarte, Enrico Marcovaldi, Sergio Cipolotti e Eduardo Camargo, que juntos reúnem milhares de horas embaixo d’água documentando e estudando a vida marinha, para que a Expedição Tesouros do Albardão começasse a ser gestada.

A maior praia arenosa do mundo encontra um mar revolto e cheio de vida oculta nas proximidades do farol do Albardão. Foto: Pablo Bech/NEMA.

Era para ter sido realizada no verão de 2021, mas o auge da pandemia fez com que ela fosse cancelada apenas um par de dias antes da largada. Mas agora, entre 12 e 19 de fevereiro, e graças à montagem de uma logística de campo inédita pelo NEMA, integrantes das três ONGs do Projeto Um Solo Mar, técnicos do ICMBio e da Dirección de Medio Ambiente do Departamento de Rocha no Uruguai estarão reunidos no Balneário Hermenegildo para não apenas realizar os mergulhos, mas também percorrer a região por terra documentando as espécies e paisagens das áreas mais remotas e realizar reuniões de integração e cooperação visando reforçar as ações para o conhecimento e a proteção desse inestimável patrimônio compartilhado.

Nos próximos dias, pretendemos reportar aqui as andanças da Expedição Tesouros do Albardão, contar um pouco mais da história por trás da campanha para proteger a região, e, esperamos, demonstrar porque deve ser criado ali o próximo Parque Nacional brasileiro. Venham conosco!

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Comentários 2

  1. Gustavo diz:

    Excelente trabalho, a criacao de uma uc é fundamental nessa região, as areas litorãneas não exploradas estão condenadas e é preciso garantir agora o futuro de areas como essa.


  2. Lindomar Araújo diz:

    Percorri a pé toda a extensão desa praia desde o Cassino até a Barra do Chuí. Seu texto fez eu sentir saudades. Tomara que esse parque seja criado.