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Guardiãs do litoral, guardiãs do clima: a agenda que a COP30 não pode ignorar

A proteção dos ecossistemas de carbono azul é essencial nas discussões sobre o clima. Reconhecer o protagonismo das mulheres na manutenção desses ambientes é chave para explorar seu potencial

21 de outubro de 2025
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Luciana Xavier

    Pesquisadora, mulher e cidadã engajada com a sustentabilidade do Oceano. Formada em oceanografia, tem especialização em gestão e conservação costeira em marinha, com foco em abordagens participativas, inclusivas e dialógicas para compreender e transformar a relação das pessoas com o Oceano e promover sua sustentabilidade.

  • Nicole Malinconico

    Bióloga e doutora em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (USP), com pesquisa focada em Planejamento Espacial Marinho e gestão integrada de praias. Atua nas áreas de Contabilidade Oceânica, Carbono Azul e políticas costeiras.

  • Isadora Timbó

    Oceanógrafa, mestra em planejamento ambiental e diretora da GITEC Brasil Consultoria Socioambiental.

A COP30, a ser realizada em Belém, no coração da Amazônia, reforça o posicionamento do Brasil no epicentro das discussões climáticas. Este é um momento único para liderarmos não apenas com a pauta da floresta em pé, mas também com a força da nossa Amazônia Azul. Mas mais do que destacar o papel do oceano no combate à emergência climática, é preciso reconhecer o protagonismo das mulheres na conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos.

Apesar de cobrir cerca de 71% do planeta e ter papel central no clima da Terra, o oceano nem sempre é lembrado nas discussões sobre mudanças climáticas. No contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), esse panorama vem mudando gradualmente. Desde a COP25, em 2019, a UNFCCC vem incorporando progressivamente a agenda oceânica, primeiro com o Ocean and Climate Dialogue e, mais recentemente, com o incentivo para que os países incluam metas oceânicas em suas NDCs. 

A expectativa é de que na COP 30, o oceano encontre seu ponto de ancoragem na UNFCCC e permaneça como um farol para as negociações climáticas. Para o Brasil, essa é uma grande oportunidade de reforçar o papel do oceano para o país. A Amazônia Azul, nome dado à área marinha sob jurisdição nacional, compreende 5,7 milhões de quilômetros quadrados, contribui com mais de R$ 1,74 trilhão para a economia nacional e é um grande ativo para a construção de um futuro mais sustentável.

A campanha “Sem o Azul, a conta não fecha: inclusão do oceano nas políticas públicas climáticas brasileiras” da Liga das Mulheres pelo Oceano chamou a atenção para a invisibilização do oceano no combate à emergência climática.

Carbono azul: o oceano como protagonista no combate à crise climática

Enquanto o mundo escala a busca por inovações tecnológicas para otimizar o sequestro de carbono, o oceano é protagonista natural desse processo há milhões de anos. O oceano absorve anualmente cerca de 2,2 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera. A maior parte fica dissolvida na própria água do mar, enquanto a outra é estocada na forma de carbono azul – o carbono armazenado no oceano. O aprisionamento desse carbono ocorre principalmente em sedimentos e organismos associados aos ecossistemas costeiros.

Ecossistemas costeiros e marinhos como manguezais, marismas e gramas marinhas são grandes estocadores de carbono e notáveis exemplos de soluções climáticas baseadas na natureza, ou melhor, soluções climáticas baseadas no oceano. Esses ecossistemas têm grande potencial para nos ajudar a enfrentar a  crise climática ao integrar mitigação, adaptação e potencial para desenvolvimento socioeconômico. Além da estocagem de longo prazo de carbono, investir em sua conservação e restauração proporciona benefícios relacionados à proteção costeira, manutenção das linhas de costa, manutenção da qualidade da água e serviços relacionados à provisão de alimento e atividades culturais e recreativas. É uma verdadeira cascata de serviços ecossistêmicos e benefícios derivados da natureza, na qual o valor ecológico e social do próprio carbono azul é ampliado.

A Amazônia Azul guarda um potencial gigantesco para estocar carbono. Só seus ecossistemas costeiros – considerando manguezais, gramas marinhas, marismas e apicuns, somam mais de 1,4 milhão de hectares. Detentor da segunda maior área de manguezais do mundo (cerca de 1,3 milhão de hectares), estima-se que o estoque brasileiro nesse ecossistema é de aproximadamente 518 milhões de toneladas de carbono.

Um hectare de manguezal pode armazenar até 10 vezes mais carbono do que uma floresta tropical terrestre da mesma área. Crédito: Monique Torres

A triste notícia é que esses ecossistemas estão sob constante e crescente ameaça. O desmatamento, a poluição, o avanço da urbanização e as mudanças climáticas não apenas destroem a biodiversidade, mas também liberam na atmosfera gigantescos estoques de carbono, por milênios guardados no solo. A degradação desses ambientes transforma potentes sumidouros de carbono em fontes de emissão, acelerando o aquecimento global e desprotegendo a costa. Assim, restaurar e proteger esses ecossistemas é fundamental para mitigação e adaptação climática.

Mulheres: As guardiãs do carbono azul

As mulheres de comunidades costeiras conhecem intimamente o ritmo das marés e as particularidades dos ecossistemas. Elas são marisqueiras, pescadoras artesanais, extrativistas costeiras e marinhas, caiçaras, quilombolas, mulheres de terreiro e outras denominações autodeclaradas que denotam a diversidade das mulheres das comunidades costeiras,  detentoras de um conhecimento profundo e tradicional. Elas são as primeiras a perceber alterações no ambiente, as mais impactadas pelas alterações negativas e também as protagonistas em ações de conservação e restauração. Ignorar seu papel e sabedoria é ignorar a chave para o sucesso de qualquer política de adaptação costeira.

Em diferentes partes do mundo, são as mãos das mulheres de comunidades costeiras que cultivam as mudas, plantam e acompanham a restauração dos manguezais. Crédito: Pnud/Yuichi Ishida

Em diferentes partes do mundo, mulheres estão liderando a restauração e a defesa dos ecossistemas costeiros, unindo conservação, geração de renda e empoderamento comunitário. No Quênia, a Associação de Mulheres de Mtangawanda (Mama Mikoko) já plantou mais de 60 mil mudas de mangue,  revitalizando a biodiversidade e a economia local com grupos de microcrédito. No Equador, as concheras de Muisne enfrentam a carcinicultura há décadas, derrubando muros ilegais, reflorestando áreas degradadas e fortalecendo a comercialização justa de moluscos e inspirando jovens a assumir a defesa do manguezal com a Escuela de Mujeres Recolectoras y Pescadoras Rizomas de Vida. Em Portugal, as Guardiãs do Sado protegem as pradarias e gramas marinhas no estuário do Sado, atuando como guias, monitoras e agentes de sensibilização, conectando conservação e economia azul. Por fim, na Indonésia, o Coletivo Womangrove plantou mais de 110 mil mudas para transformar antigos tanques de camarão em manguezais, ganhando habilidades técnicas e protagonismo social na liderança de suas comunidades. Juntas, essas mulheres provam que a proteção dos ecossistemas é inseparável do fortalecimento das comunidades.

Matéria do jornal Diário de Pernambuco relata os danos psicológicos que marisqueiras e comunidades tradicionais vêm sofrendo pela destruição dos ecossistemas de manguezais. Crédito: Monique Torres

A degradação do mangue não provoca apenas perdas ambientais. Provoca luto, ansiedade e ruptura identitária. Para muitas marisqueiras, o manguezal é território de sustento, memória e afeto; quando ele morre, um pedaço delas morre junto. Proteger esses ecossistemas também é proteger saúde mental, dignidade e pertencimento.

É por isso que falar de carbono azul é, antes de tudo, falar de justiça climática – e essa justiça precisa ser exigida na COP30.

O Chamado para a COP30

A COP30 em Belém não pode ser apenas a COP da Amazônia terrestre. Deve ser a COP que elimina a falsa dicotomia entre terra e mar. É a oportunidade histórica para o Brasil apresentar ao mundo um modelo integrado de governança que:

  • Una a pauta do oceano e do clima de forma indissociável, mostrando que a ação climática eficaz passa, obrigatoriamente, pela saúde do oceano.
  • Ancore a inclusão de metas relacionadas ao oceano nas Contribuições Nacionalmente Determinadas, fortalecendo a restauração e conservação de ecossistemas costeiros e marinhos.
  • Reconheça e fortaleça o papel das mulheres na governança costeira, garantindo sua participação efetiva na tomada de decisões e no acesso a financiamento climático para projetos locais.
  • Crie mecanismos financeiros inovadores que direcionem recursos para comunidades tradicionais, remunerando-as pelo papel de protetoras dos ecossistemas de carbono azul.

Finanças climáticas para o carbono azul

O fortalecimento das políticas para o carbono azul depende não apenas de reconhecimento político, mas de mecanismos financeiros específicos e acessíveis para comunidades costeiras. Algumas ferramentas já adotadas internacionalmente podem inspirar o Brasil:

  • Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos (PES) – remuneração direta a comunidades pela manutenção de manguezais e outros ecossistemas marinhos;
  • Blue Bonds – títulos de dívida voltados à proteção marinha, implementados em países como Seychelles e Belize;
  • Outcome Bonds – retorno financeiro vinculado a metas socioambientais comprovadas;
  • Readiness Finance do Green Climate Fund (GCF) – apoio técnico e institucional para preparar projetos comunitários para captação em escala (GCF, 2021).

Fortalecer a governança costeira com essas ferramentas significa transformar o carbono azul em ativo econômico e instrumento de justiça climática.

Proteger e restaurar nossos manguezais, marismas e gramas marinhas é investir em segurança alimentar, proteção costeira e estabilidade climática. É apoiar a liderança das mulheres que mantêm viva a cultura e a resiliência de nossas costas.  COP30 será realizada em Belém, mas a agenda que ela representa precisa alcançar todas as marisqueiras, caiçaras, pescadoras e gestoras costeiras do país. Que elas sejam ouvidas não como beneficiárias, mas como lideranças. Sem o protagonismo dessas mulheres, nenhuma política climática será justa ou efetiva.

Na COP30, o Brasil tem a chance de liderar pelo exemplo, mostrando que a ação climática efetiva é inclusiva, não escolhe entre a tecnologia e o conhecimento tradicional e olha para o mar com a mesma seriedade com que olha para a floresta. A hora de virar a maré é agora. E essa maré é azul.

Nota de fim: Este texto integra a série sobre o nexo gênero-clima-oceano no contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30). A série é uma colaboração da Rede Ressoa com o GT COP da Liga das Mulheres pelo Oceano.

Saiba mais em:

Livro digital: Oceano sem mistério: Carbono Azul, da Fundação Grupo Botícário de Proteção à Natureza

Episódio: Mães do Mangue – Rede de Mulheres Protagonistas da Conservação, da Série Pesca para Sempre da Rare Brasil.

Financiamento Climático por Inteiro: O ecossistema de financiamento climático no Brasil

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