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Manifesto: as relações entre Saúde e Natureza nas políticas públicas

A Importância de Incluir as relações entre Saúde e Natureza nas Políticas Públicas e nas Ações da Sociedade

15 de fevereiro de 2023 · 2 anos atrás
  • Cláudio C. Maretti

    Especialista em áreas protegidas de experiência internacional; pós-doutorando sobre conservação colaborativa na USP; consultor e voluntário.

Introdução

Estamos vendo com grande expectativa a renovação de propostas de políticas públicas, alinhadas com a agenda socioambiental e com a saúde pública, urgentes e necessárias para a sociedade brasileira contemporânea. É fundamental que, a médio e longo prazo, essas medidas contribuam para  reduzir a fragmentação nas ações governamentais, nos três níveis, ampliem a presença de áreas verdes e azuis em regiões urbanas e ampliem a visibilidade das comunidades rurais e tradicionais, contribuindo, dessa forma, com a conservação ecológica e ambiental e para promover a saúde física e mental da população brasileira.

Assim, nos parece importante que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima se apresente com uma estrutura renovada, com representantes qualificados para a melhoria do cenário ambiental brasileiro. Nossas expectativas são também similares em relação ao Ministério da Saúde, que deve desenvolver ações voltadas para as necessidades da nossa sociedade. Da mesma forma, consideramos a relevância de outros ministérios que se associam com esses temas, como dos Povos Indígenas, das Cidades e da Educação, entre outros, e demais instituições vinculadas à essas políticas públicas, como o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), entre outras.

Fundamentos

Relembramos alguns elementos basilares da Constituição Brasileira de 1988:

  • Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).
  • Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos(art. 225, § 1º, inciso III).
  • A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196).

A atenção ao tema das relações entre saúde e natureza é crescente nas preocupações no âmbito da saúde pública e do bem-estar social em nível internacional. Assim como a qualidade ambiental vem sendo considerada um direito humano fundamental (da 3ª geração, tipicamente dos direitos coletivos) e, recentemente, depois de resolução similar por parte do Conselho de Direitos Humanos, a Assembleia das Nações Unidas declarou que:

  • acesso a um ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano universal e está relacionado com outros direitos humanos fundamentais e com o direito internacional existente (UNGA Resolution A/76/L.75).

Além disso,  a Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da ONU, lançou o documento “Conectando prioridades globais: biodiversidade e saúde humana”, há alguns anos, no qual apresenta um panorama de estudos científicos sobre os benefícios mútuos desta relação. No contexto das crises ecológica, climática e social em que nos encontramos, há um conjunto amplo de estudos, ações e documentos internacionais, inclusive no meio científico, promovendo maior atenção a essas relações. Somadas a importantes experiências em outros países, como Japão, Austrália, Chile, Canadá, Estados Unidos, Colômbia, Finlândia e Escócia, entre outros, esses avanços devem ser insumos importantes para o fortalecimento desta agenda também no Brasil, no desenho e implementação de iniciativas que fortalecem o vínculo entre as áreas naturais e protegidas e a saúde pública e o bem-estar das sociedades.

Mas não estamos começando por aqui, pois no Brasil já há vários grupos, instituições e pessoas atuando em defesa da (re)conexão da sociedade com a natureza como forma de promover saúde e bem-estar. Por exemplo, a Rede Saúde e Natureza Brasil, criada em 2020, é um meio de diálogo que reúne especialistas, cientistas e outros profissionais, nos campos da conservação da natureza, da atenção à saúde em todos os seus níveis, das áreas protegidas, da saúde integrativa, das florestas urbanas e do bem-estar de crianças, idosos e demais fases do ciclo vital, além de enfoques complementares. Essa rede (sem personalidade jurídica) promove intercâmbios e reflexões e estimula iniciativas para promoção da saúde das pessoas e dos ambientes. Esse e outros conjuntos de especialistas e instituições, organizações e iniciativas têm desenvolvido pesquisas, promovido seminários, elaborado documentos técnicos e propostas e realizado ações no sentido de produzir evidências, empreender práticas e incentivar políticas públicas que considerem melhor a relação entre saúde e natureza. Dessa forma, buscam contribuir, tanto para promover a melhoria da saúde e do bem-estar humano, como a conservação da natureza e da sua biodiversidade. Um dos focos fundamentais é sobre as condições que viabilizam a relação entre esses campos, isto é, o acesso à natureza, às áreas conservadas e aos espaços abertos de qualidade, associados aos seus benefícios relacionados à promoção da saúde. E isso é complementado pela promoção de intervenções de saúde baseadas na natureza, cientificamente validadas, e outras atividades associadas às práticas integrativas.

(Para eventuais interesses de aprofundamento, oferecemos alguns documentos na pasta compartilhada sobre saúde e natureza.)  

Propostas

Com base nesses conjuntos de experiências, necessidades e conhecimentos, propomos:

  • Que o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática e o Ministério da Saúde incorporem as relações entre saúde e natureza em seus programas, serviços ou departamentos,
  • Que eles trabalhem esses temas e as ações decorrentes em parceria com outros ministérios – como dos Povos Indígenas, das Cidades, da Educação, do Esporte, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, da Cultura, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Pesca e Aquicultura, da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Turismo, dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Igualdade Racial, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e da Integração, do Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Regional, entre outros – e com instituições vinculadas (como o ICMBio, a Fiocruz, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama), entre outras e
  • Que promovam sempre a participação da sociedade, de governos estaduais e municipais, de organizações da sociedade civil, do setor privado, de associações comunitárias e outros atores sociais, especialmente as organizações e especialistas que já vem promovendo iniciativas nessa relação,

No sentido de promover estudos, reflexões e iniciativas para fortalecer as políticas públicas, a atuação e eventuais regulamentações, para:

  • Considerar que o contato regular com a natureza seja oficialmente  parte dos cuidados complementares em saúde, inclusive no sentido de integrar o rol da Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, a partir de modelos cientificamente embasados, além de outros tipos de intervenções, modelos, práticas integrativas baseadas na natureza para a saúde;
  • Reconhecer formalmente o papel das áreas protegidas e conservadas, incluindo as urbanas, como espaços e equipamentos de promoção de saúde física e mental;
  • Estimular que haja mais e melhores interações da sociedade com a natureza, como caminhadas, visitas, esportes, meditação e outras formas, assim como mais áreas naturais, conservadas, verdes e azuis e com melhor acesso, de forma a viabilizar o melhor e mais frequente contato da sociedade com a natureza, com benefícios para a nossa saúde física e mental;
  • Incentivar e recomendar diretrizes para atividades de (re)conexão com a natureza em áreas naturais ou espaços especialmente protegidos (unidades de conservação, áreas protegidas e conservadas, territórios tradicionais etc.) e áreas verdes e azuis urbanas, como praças, parques urbanos, corredores de conservação em fundos de vale (ou parques lineares), entre outros, destacando seus benefícios físicos e mentais para a população;
  • Promover o reconhecimento dos cuidados e da integração entre bem-estar, saúde e natureza tradicionalmente desenvolvidos pelos povos indígenas e comunidades tradicionais, promovendo seu fortalecimento e difusão, respeitados os direitos de tais povos e comunidades;
  • Promover a saúde pública, especialmente entre os grupos sociais mais vulneráveis, inclusive nas cidades e áreas em urbanização, por meio de espaços naturais e atividades de (re)conexão com a natureza, buscando melhor equidade na distribuição desses espaços e no acesso a essas atividades;
  • Promover estratégias e realizar ações para o enfrentamento das consequências da emergência climática, inclusive minimização de danos e adaptação aos impactos, especialmente entre os grupos sociais mais vulneráveis, além da redução do agravamento da mudança do clima, por meio de ações integradas que transformem as cidades em ambientes mais resilientes e adaptados. Ao mesmo tempo implementando ações que favorecem o acesso da população aos benefícios do contato com a natureza, como a implantação de parques lineares, naturalização dos pátios escolares e criação de parques e equipamentos de lazer em áreas estratégicas;
  • Promover a integração com programas de educação ambiental, para a sustentabilidade e para ações, inclusive considerando a emergência climática, fortalecendo iniciativas de associações comunitárias, sejam elas urbanas, agrícolas, de pescadores/as e de povos indígenas e comunidades tradicionais; e
  • Estimular e divulgar experiências de serviços, organizações e instituições que promovam ações de sustentabilidade em saúde ou que busquem a implantação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, do novo Marco Estratégico Global de Biodiversidade e do Acordo de Paris sobre o Clima, especialmente em termos das demandas e dos seus reflexos nos campos da saúde e natureza,
  • Entre outras linhas de ação similares e complementares.

E, nesse sentido, nos colocamos a disposição para colaborar.

Acesse aqui para endossar o manifesto.

Nota: este manifesto e as propostas associadas representam um esforço coletivo, colaborativo, da Rede Saúde e Nature Brasil (https://redesaudenaturezabrasil.com/) que agradece sua adesão, individual ou institucional (‘lato sensu’), e divulgação, em prol de uma sociedade brasileira mais saudável e feliz, desfrutando desses e outros benefícios da natureza conservada, inclusive nas cidades, áreas protegidas e unidades de conservação

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