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O calor extremo é uma das maiores ameaças à infância brasileira

Um estudo inédito revela que nas próximas décadas as mortes de crianças pequenas no Brasil por altas temperaturas pode ter um salto de até 87%

19 de novembro de 2025

A COP30 reúne agora em Belém adultos de várias origens para discutir as ações climáticas que moldarão os rumos da humanidade. Entre tantos temas urgentes a serem tratados para que o futuro seja possível, existe um que fala sobre a fragilidade da vida e a defesa daqueles que são mais dependentes: a infância. A abordagem de soluções climáticas precisa levar em conta o futuro das crianças, aquelas que mais herdarão as consequências das decisões de hoje e que, paradoxalmente, são as que menos contribuíram para a destruição do planeta.

A urgência dessa abordagem é reforçada pelo estudo inédito publicado pela London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), em parceria com o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), lança luz sobre um aspecto até então pouco explorado: o impacto do calor extremo na mortalidade infantil no Brasil. A pesquisa analisou dados de 131 cidades brasileiras, cruzando séries históricas de temperatura, registros de mortalidade e projeções climáticas até o fim do século.

O objetivo foi estimar como o aumento das temperaturas, em diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa, pode afetar a saúde de crianças menores de cinco anos. Os resultados são alarmantes: entre 2049 e 2059, a mortalidade infantil relacionada ao calor poderá aumentar até 87% em altas emissões.

Os pesquisadores projetaram dois cenários: um de emissões intermediárias, com aumento médio da temperatura entre 2,5°C e 3°C até 2050, e outro de emissões elevadas, com aquecimento de até 5°C até o final do século. Mesmo no cenário mais otimista, o número de mortes pode crescer até 50%.

O estudo faz parte de um relatório global publicado em julho, que investigou de que forma as mudanças climáticas afetam a saúde de mães, bebês e crianças em todo o mundo. O documento aponta que cerca de 1 bilhão de crianças vivem sob “risco extremamente elevado” em razão dos impactos do clima, sendo que aproximadamente metade está exposta a enchentes e quase 160 milhões enfrentam o perigo de longos períodos de seca.

Os dados mostram que a crise climática tem rosto, nome e idade. O calor extremo impacta a nutrição, o desenvolvimento cognitivo e a saúde respiratória das crianças, ampliando desigualdades já existentes, especialmente para aquelas que vivem em regiões pobres, expostas à seca, insegurança alimentar e ausência de infraestrutura básica. Vale destacar que, com temperaturas mais elevadas, doenças infecciosas como dengue e malária devem aumentar e impactar ainda mais a saúde no país.

No contexto da COP30, o estudo da LSHTM e da Fiocruz evidencia que proteger o meio ambiente é também uma política de saúde pública. Políticas internacionais e nacionais que buscam conter o aquecimento global precisam considerar essas populações. São crianças do futuro, que ainda nem nasceram, mas que serão os mais impactados pelas decisões tomadas hoje.

As maiores consequências das mudanças climáticas afetarão a qualidade de vida e as perspectivas futuras das crianças que estão nascendo hoje. Se essas crianças tivessem o mesmo poder de decisão que as pessoas mais velhas que hoje ocupam cargos de poder Executivo e Legislativo, certamente manifestariam a defesa de seus próprios interesses de uma maneira completamente diferente. Estaríamos enfrentando essa ameaça de forma muito mais ambiciosa e imediata. O fato de elas não estarem sendo representadas no poder de decisão evidencia uma falha grave na nossa arquitetura política: temos alguma representatividade regional e geográfica, mas nos falta a crucial representatividade geracional. Essa falha de desenho político se torna dolorosamente evidente quando estamos decidindo sobre questões que afetam pesadamente o futuro das crianças de hoje, como o salto de 87% na mortalidade infantil por calor. Para compensar esse desequilíbrio de poder, precisamos desenhar processos decisórios que incorporem os direitos e as perspectivas das futuras gerações, tornando a proteção da infância o parâmetro inegociável de toda e qualquer política climática e de desenvolvimento.

Proteger a infância é garantir a continuidade da vida. E essa proteção começa pela defesa do clima, das florestas e da natureza que sustenta a existência humana.

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