Quando uma pessoa resolve empreender, penso eu, inicialmente ela precisa planejar como começará o seu negócio, qual o investimento que necessita, qual será o público-alvo etc. Quando falamos sobre empreender na Amazônia, há diversas necessidades locais que são demandadas antes do empreendedorismo ser implantado, acrescidas das mudanças climáticas.
Este ano, os rios no estado do Amazonas voltaram a bater recordes. O Rio Negro, que banha em boa parte a região da capital amazonense e municípios próximos, atingiu 12.11 metros, o menor nível já registrado em 120 anos. Esse recorde foi seguido de outro, 12.70 metros em 2023. Os rios são as estradas no Amazonas, seca e cheia ocorrem todos os anos, e as comunidades “se preparam” como podem, mas ainda podem pouco. E quando vivenciamos extremidades das mudanças climáticas, essas pessoas são as primeiras a sentirem o impacto.
Além da seca, temos aumento da temperatura, queimadas que trazem fumaças tóxicas, que têm um grande impacto na saúde, se não agora, mas daqui há alguns anos. Isso nos mostra o quão desafiador é empreender na Amazônia, especialmente com o turismo de base comunitária, setor que cito como exemplo deste artigo. Uma das principais fontes de renda das populações ribeirinhas em Unidades de Conservação (UC).
O Roberto Brito gerencia o restaurante e pousada Garrido, na comunidade Tumbira (localizada a cerca de 1h de Manaus via Rio Negro). O seu empreendimento oferece estadia com alimentação e diversas atividades relacionadas à vivência ribeirinha. No período da cheia do rio, seu calendário é sempre lotado. Mas segundo o Roberto, é desafiador empreender em meio a secas severas, especialmente nos últimos dois anos.
“A estiagem acontece todos os anos, mas não com a proporção que aconteceu em 2023 e 2024. A gente precisa de subsídio para nós, porque movemos uma economia local que é muito importante. A gente fica na linha de frente e é referência para os comunitários, mais ainda das pessoas que vivem dessa renda. A seca traz vários problemas de uma vez só: primeiro a seca em si, depois a temperatura, queimadas, fumaça e a lama”. Esse é um dos diversos relatos que recebemos nesse período.
A fala do Roberto é muito importante. Ele é um empreendedor que atua dentro da comunidade e é um defensor da floresta em pé. Roberto extraiu madeira por 20 anos e, após a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável na localidade onde ele vive, o turismo de base comunitária se tornou a principal fonte de renda local. É muito importante que subsídios alcancem os empreendedores dessa categoria também, especialmente quando precisam “fechar” seus negócios temporariamente devido à sazonalidade da nossa região, afinal, as contas continuam chegando.
Importante salientar que é preciso investir em infraestrutura comunitária nas comunidades para que se consiga de fato empreender. As comunidades não passam pelo processo de empreender da mesma maneira como nas áreas urbanas. Elas iniciam seus negócios conforme tem oportunidade ou necessidade. E justamente quando as comunidades que empreendem conseguem firmar seus negócios, as mudanças climáticas trazem todo o impacto na realização desse trabalho.
Então, é importante que, ao olharmos para o território, entendamos que existe uma complexidade, uma série de demandas e uma dívida histórica com as populações tradicionais que a gente precisa sanar.
Quando o Roberto fala sobre subsídios, é importante levar em consideração que esses empreendedores não recebem auxílios da mesma forma que outras categorias, por exemplo. Os empreendedores da floresta não geram renda apenas para si, mas para várias outras famílias que vivem em sua comunidade e dependem desse recurso.
Pontuo isso como uma mulher preta, de um território quilombola, e afirmo: nenhuma família pensa no dinheiro sem antes pensar em água, educação, saúde, segurança e melhoria do lugar onde vive. Se não houver isso na comunidade, empreender é algo que não está na lista de preocupação desse comunitário. E quando um comunitário chega lá e se torna um empreendedor é necessário que ele tenha apoio de políticas públicas que levem em consideração as necessidades da sua região.
É necessário e importante que falemos hoje sobre empreender e investir com foco em retorno, mas em alguns lugares da Amazônia profunda, ainda estamos falando de acessos básicos.
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