Em 1913, os Puyanawa tiveram sua terra tomada pelo coronel Mâncio Lima, o povo foi escravizado e obrigado a destruir seu próprio território, transformando-o em pasto, roçados, canaviais e estradas que se ligavam ao seringal do coronel, onde muitos dos indígenas trabalhavam na produção da borracha. Além da degradação da terra, o processo de colonização acarretou o apagamento da língua e da cultura e, após 40 anos de exploração direta, produziu uma redução da população de 800 para cerca de 200 pessoas.
Hoje, a Terra Indígena Puyanawa está localizada no município que leva o nome do homem que escravizou este povo até a década de 1950. Os principais elementos da cultura Puyanawa encontravam refúgio em pouquíssimos indivíduos que, muitas vezes, por medo da repressão, evitavam falar sua língua. Aos poucos, também, foram abandonando as pinturas corporais, a produção e o uso de adereços, os rituais e a tradição, gerando grande dificuldade para os nascidos após a invasão se reconhecerem dentro do próprio povo e aprenderem seus traços culturais. Na década de 1980 restavam somente 16 falantes da língua Puyanawa. Desde então, e principalmente com a demarcação de suas terras, em 2001, há um árduo processo de trazer a identificação, a cultura e a língua dos Puyanawa de volta para os descendentes daqueles que foram escravizados pelo coronel.
A economia solidária e a economia ecológica são uma prática constante e fundamental entre os Puyanawa.
Visitei a aldeia este ano, à convite da Creators Academy, dentro de uma iniciativa que conecta artistas, jornalistas e influenciadores brasileiros aos biomas brasileiros e incentiva a luta pela justiça climática. Conheci um povo que, com primor, retirou o manto colonialista jogado pelo Coronel Mâncio Lima por cima de sua identidade e cultura e trouxe novamente as danças, a língua, os rituais e as medicinas para dentro da vida dos Puyanawa. Uma conquista significativa deste processo foi a possibilidade da retirada do sobrenome “Lima” do nome daqueles que carregam a marca da exploração na própria certidão de nascimento (quase 90% dos habitantes do município, de acordo com o cacique), e a substituição pelo sobrenome “Puyanawa”.
A economia solidária e a economia ecológica são uma prática constante e fundamental entre os Puyanawa. Além de produzirem peixes, hortaliças e, principalmente, mandioca sem desmatar mais um palmo de terra, comercializam estes produtos por um preço mais baixo para dentro da própria comunidade. O senso de coletividade também guia diversas iniciativas de reflorestamento dentro da aldeia, iniciativas essas que, em parceria com o governo do estado e a SOS Amazônia têm, cada vez mais, conquistado grandes resultados. A intenção é reflorestar 1,5 mil hectares com madeiras de lei, árvores frutíferas e plantas de rápido crescimento que alavanquem a biodiversidade do local.
Conversando com Puwe Puyanawa, um dos líderes do projeto, ouvi que não há a intenção de se ganhar dinheiro, por exemplo, com o mercado de crédito de carbono, pois as exigências deste mercado, por mais absurdo que isso possa parecer, não comportam as necessidades e vontades dos povos que mais preservam nossas florestas.
Em uma cultura intimamente ligada ao território e à floresta não há a possibilidade de mantê-la viva sem preservar integralmente o território. Aprendi nesta vivência que a preservação integral do território está relacionada com a saúde da floresta, das pessoas e da sua cultura e que estes três elementos estão intimamente relacionados. Se usamos hoje, dentro do sistema capitalista, a solução de remunerar financeiramente quem preserva, precificar florestas e vender reflorestamentos, é porque não somos capazes de fazer o que os Puyanawa e diversos outros povos da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga e de todos os biomas e regiões do Brasil são: ter a consciência de que, como seres vivos, somos parte do ambiente que vivemos, e o dever e o valor de manter a floresta em pé não depende do preço que, arbitrariamente, colocamos nela.
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