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O Oceano é fonte de temas a serem trabalhados na educação de crianças e jovens

Na educação básica, a Cultura Oceânica é uma abordagem que contempla competências e habilidades importantes para a formação de pessoas preocupadas com o meio ambiente e a justiça social

1 de abril de 2024
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Natalia Pirani Ghilardi-Lopes

    É doutora em ecologia marinha (pós-graduação em botânica pela Universidade de São Paulo), professora associada na Universidade Federal do ABC e autora de livros e artigos sobre educação ambiental marinha e costeira. Além de cientista, é uma cidadã preocupada com a formação para a conservação do Oceano.

  • Marcelo Tadeu Motokane

    É doutor em educação (ensino de ciências), foi professor da educação básica e atualmente é professor associado do Departamento de Biologia da FFCLRP/USP .

  • Luciana Xavier

    Pesquisadora, mulher e cidadã engajada com a sustentabilidade do Oceano. Formada em oceanografia, tem especialização em gestão e conservação costeira em marinha, com foco em abordagens participativas, inclusivas e dialógicas para compreender e transformar a relação das pessoas com o Oceano e promover sua sustentabilidade.

  • Juliana Imenis Barradas

    É doutora em ecologia marinha (Programa de Pós-graduação em Evolução e Diversidade da UFABC), pesquisadora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da UFABC) e professora do Colégio Universitário da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

Será que compreendemos as influências do Oceano em nossas vidas e as nossas influências sobre o Oceano? Cada pessoa tem uma história, a qual pode estar mais ou menos relacionada ao Oceano. Mas, nenhum ser humano que habita este planeta está completamente desassociado do Oceano. Essa compreensão é fundamental e constitui o que especialistas chamam de Cultura Oceânica (do inglês Ocean Literacy). O movimento da Cultura Oceânica busca sensibilizar a sociedade para a importância do Oceano em nossas vidas e sobre os efeitos que as ações humanas têm sobre ele para promover mudanças nas relações da sociedade com o Oceano, independente da proximidade geográfica com o ambiente marinho. 

Reconhecido por suas dimensões terrestres continentais, o Brasil também tem uma grande área de oceânica, o que torna o Oceano um excelente tema para ser discutido no processo formativo do brasileiro dada a sua importância social, ambiental e econômica para o país.

É importante que pessoas de todas as idades possam aprender sobre o Oceano: o quanto ele é determinante para o clima do planeta; quanta biodiversidade e ecossistemas ele abriga; quanta energia ele transporta; que é fonte de recursos e meio de transporte; que oferece empregos e renda para muitas pessoas; que é fonte de grande parte do oxigênio atmosférico; que ainda é insuficientemente conhecido pela ciência; que está diretamente ligado à história, à cultura e à arte e que são necessários conhecimentos de diferentes disciplinas e pensamento sistêmico para melhor compreendermos o Oceano. A escola pode contribuir com essa aprendizagem quando inclui nos currículos os sete princípios da Cultura Oceânica, os quais justamente abordam esses conhecimentos, dessa forma permitindo o trabalho com competências e habilidades importantes para a inclusão social e o pleno exercício da cidadania.

Os 7 princípios da cultura oceânica. (Fonte: Ghilardi-Lopes e colaboradores, 2023a)

A formulação de questionamentos e o levantamento de hipóteses sobre fenômenos observados no Oceano; a observação de seres vivos marinhos; a coleta, sistematização e análise de dados oceânicos (bióticos ou abióticos); a proposição e execução de ações (individuais e coletivas) para a conservação do Oceano; a produção de obras artísticas com temas oceânicos; o estudo da história e das culturas humanas relacionadas ao Oceano; os produtos alimentícios, químicos, biológicos e tecnológicos gerados com matéria-prima que vem dos mares; o desenvolvimento de modelos e protótipos, entre outras possibilidades, são alguns exemplos daquilo que é possível se desenvolver a partir de temas relacionados ao Oceano.

O Oceano está presente nos currículos, mas precisamos ir mais fundo

Uma pesquisa publicada em 2022 por Carmen Edith Pazoto, Edson Pereira Silva e Michelle Rezende Duarte revelou que os princípios da Cultura Oceânica aparecem mais nos currículos regionais do que na Base Nacional Comum Curricular, especialmente no que diz respeito ao princípio 1 (A Terra tem um no grande oceano com muitas características). Além disso, a maioria dos conceitos dos princípios 2 (O oceano e a vida no oceano moldam as características da Terra), 4 (O oceano torna a Terra habitável) e 5 (O oceano suporta uma grande diversidade de vida e ecossistemas) foram mal explorados, e não houve menção ao princípio 7 (O oceano é em grande parte inexplorado). Em outro artigo publicado por estes mesmos autores em 2023, verificou-se que os temas oceânicos são principalmente trabalhados nas disciplinas de Biologia e Geografia, e raramente na disciplina de História, o que pode sugerir a falta de aproximação com o tema, a dificuldade de encontrar materiais que estabeleçam claramente a relação com o Oceano para além das grandes navegações ou mesmo falta de conhecimento, o que gera insegurança. Uma análise dos currículos de formação em História, por exemplo, evidencia que estes documentos apresentam pouca ou nenhuma informação em relação à História Ambiental do Antropoceno.

Os materiais pedagógicos muitas vezes não oferecem oportunidades concretas de se trabalhar com temas oceânicos. Compreender que o Oceano está presente nas propostas curriculares também não é uma tarefa simples, pois “traduzir” a BNCC para propostas concretas de sala de aula envolve discussões complexas sobre o documento. Além disso, muitos assuntos relacionados com a lei 10.639/03, que trata da história e cultura afro-brasileira e africana, tem o Oceano como elemento fundamental. Neste sentido, oferecer cursos de formação inicial e continuada é um caminho fundamental para a construção dessa visão ampla, complexa (composta de múltiplas dimensões), sistêmica (composta por elementos que interagem, formando sistemas) e interdisciplinar (composta de conhecimentos de diferentes disciplinas) sobre o Oceano.

Uma análise dos currículos de formação em História, por exemplo, evidencia que estes documentos apresentam pouca ou nenhuma informação em relação à História Ambiental do Antropoceno.

Como é possível iniciar este trabalho de divulgação da importância do Oceano para a vida na Terra e aproximar as pessoas deste conhecimento? Identificar as possibilidades curriculares de se trabalhar o Oceano nas escolas é um passo importante. Entre 2021 e 2022, um grupo de pesquisadores se reuniu e produziu uma grande tabela com conteúdos representativos tanto dos sete princípios da cultura oceânica, quanto das competências e habilidades previstas na BNCC para a área de Ciências da Natureza (Ensino Médio). O resultado deste esforço está disponível para consulta por educadores em um repositório de dados aberto (Ghilardi-Lopes e colaboradores, 2023b) e em um artigo científico publicado no periódico Ambiente & Sociedade (Ghilardi-Lopes e colaboradores, 2023a). É importante ressaltar que o trabalho realizado não esgota todas as possibilidades de se trabalhar o Oceano nas escolas, uma vez que foi direcionado apenas para uma etapa da educação básica (Ensino Médio) e para uma área (Ciências da Natureza e suas Tecnologias). Certamente, o mesmo exercício pode (e deve) ser realizado para outras etapas de formação (desde a educação infantil) e áreas de conhecimento. Há várias perguntas que necessitam de mais investigação, relacionadas a compreensão das abordagens dadas ao Oceano, seja nos materiais pedagógicos, nas salas de aula e nos espaços não formais de ensino.

Outra ação importante que vem sendo realizada é a promoção de um curso de extensão oferecido pela Universidade Federal do ABC (UFABC), com o apoio da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da Marinha do Brasil. O curso, denominado “Maremoto: a invasão da cultura oceânica nas escolas”, já teve duas edições (2021 e 2022), e nele professores da educação básica experimentam um período de três meses de imersão em temas oceânicos com discussões voltadas para ampliar o conhecimento deles sobre este ambiente e auxiliá-los a inserir o assunto nas suas atividades didáticas ao longo do ano letivo.

Além desses esforços, existe uma grande força tarefa que envolve diversas pessoas em todo o Brasil para a promoção da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (proposta pela ONU para os anos de 2021 a 2030). Atividades ao ar livre em espaços não formais de ensino, ações de conservação, iniciativas de ciência cidadã, cursos de formação para professores, projetos de extensão universitária, produção de materiais educativos, olimpíadas e projetos escolares estão sendo desenvolvidos e contribuindo para a formação de uma geração informada e engajada para a concretização das mudanças que precisamos para o Oceano e o planeta que queremos. 

Visando sistematizar os desafios e possibilidades para a promoção da cultura oceânica em espaços educacionais, no ano de 2022 foi promovido o “Seminário sobre Cultura Oceânica em Espaços Educacionais” no evento intitulado Marina Week 2022, o qual ocorreu no Memorial da América Latina em São Paulo. Estiveram presentes no evento representantes dos mais diversos setores da sociedade, com o propósito de dialogar e refletir sobre a importância da adoção da Cultura Oceânica nas escolas e demais ambientes de aprendizagem. Os principais pontos levantados foram sistematizados em uma carta, como uma mensagem a ser divulgada para  educadoras e educadores do Brasil.

Estar distante do Oceano não pode mais ser um argumento para o ignorarmos na educação básica e quanto mais educadores puderem conhecer e participar do movimento pela Cultura Oceânica, melhor!

Para saber mais:

GHILARDI-LOPES, N.P.; XAVIER, L.Y.; BARRADAS, J.I.; MENCK, E.S.; MOTOKANE, M.T.; DENADAI, M.R.; GOMES, A.C.; TURRA, A. 2023b. Conexões entre os princípios da Cultura Oceânica e as competências específicas da Base Nacional Comum Curricular (Ciências da Natureza – Ensino Médio). Mendeley Data, V4, doi: 10.17632/ktmvth9796.4

GHILARDI-LOPES, N.P.; MOTOKANE, M.; BARRADAS, J.I.; XAVIER, L.; MENCK, E.V.S.; FRANCO, A.C.G.; TURRA, A., 2023a. Oceano como tema interdisciplinar na educação básica brasileira. Ambiente & Sociedade, v. 26, p. 1-22. DOI: https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc20210134vu2023L2AO

PAZOTO, C.E.; SILVA, E.P.; DUARTE, M.R. 2022. Ocean literacy in Brazilian school curricula: An opportunity to improve coastal management and address coastal risks? Ocean & Coastal Management, v. 219, p. 106047. https://doi.org/10.1016/j.ocecoaman.2022.106047.

PAZOTO, C.E.; DUARTE, M.R.; SILVA, E.P. 2023. Ocean literacy in Brazilian formal education: A tool for participative coastal management. Australian Journal of Environmental Education, v. 39, p. 507–521. doi:10.1017/aee.2023.12.

SANTORO, F.; SANTIN, S.; SCOWCROFT, G.; FAUVILLE, G.; TUDDENHAM, P. Cultura Oceânica para todos: kit pedagógico. Paris: UNESCO, IOC, 2020. Disponível em: unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373449

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