
Pelo Atlântico
Três países ligados pelo sargaço
Pelo Atlântico: três países ligados pelo sargaço

Uma série de reportagens por
Alice Martins Morais | ((o))eco, Brasil
Iván Carrillo | El Universal, México
Kalain Hosein | Guardian Media Limited, Trinidad e Tobago
Mentoria: Ricardo Garcia
Revisão gramatical (em português): Eliani Martins
Edição ((o))eco: Daniele Bragança e Marcio Isensee e Sá
Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network (EJN)

Francisco Neto é um pescador brasileiro, Rosa Rodríguez é uma cientista mexicana e Renelle Kissoon é uma representante do governo local de Trinidad e Tobago. Eles nunca se encontraram. Seus países têm culturas específicas. Eles até falam idiomas diferentes. No entanto, estão interligados por um problema comum: um enorme cinturão de sargaço – tipo de alga que cobre periodicamente grandes áreas do Atlântico Central, abrangendo muitos países, do Golfo do México até a África.
O sargaço é tão espesso que fez o barco de Francisco virar drasticamente em 2024. É tão abundante que Renelle Kissoon não sabe onde descartá-lo com segurança. É tão inconveniente que direcionou a carreira de Rosa para melhor entendê-lo e encontrar soluções para o problema.
O sargaço é um gênero de macroalgas marrons flutuantes, que recebeu esse nome em homenagem ao Mar dos Sargaços, no Atlântico Norte, onde formam, naturalmente, enormes tapetes.
No entanto, o sargaço que afeta o Brasil, o México e Trinidad e Tobago, entre outros países, é originário do Grande Cinturão de Sargaço do Atlântico, que abrange uma vasta região no Atlântico Central.
Um estudo de 2019 publicado na Science relatou que esse fenômeno cresceu exponencialmente desde 2011, devido a uma combinação de fatores ambientais e antropogênicos.

Esta visualização mostra a média mensal de sargaço observada no Oceano Atlântico de janeiro de 2018 a dezembro de 2023. Os tons azuis indicam que essa área tinha menos de 3 quilômetros quadrados de Sargassum em média, enquanto o vermelho indica que a região tinha uma média de 9 quilômetros quadrados ou mais. Fonte: NASA.

As mudanças climáticas aumentaram as temperaturas dos oceanos, criando condições ideais para sua proliferação. As águas mais quentes aceleram o metabolismo do sargaço, permitindo que ele cresça mais rapidamente e em quantidades mais significativas. Enquanto isso, o influxo de nutrientes de fontes terrestres, como nitrogênio e fósforo, criou um “fertilizante marinho” para as algas. Esses nutrientes são originários principalmente de atividades agrícolas na América do Sul, onde o uso intensivo de fertilizantes na Bacia Amazônica acaba chegando ao oceano. Essa sobrecarga de nutrientes combina-se com o material orgânico do desmatamento e das chuvas fortes, criando o terreno perfeito para a reprodução do sargaço.
As alterações nos padrões de circulação oceânica, atribuídas às mudanças climáticas, redistribuíram ainda mais as correntes que transportam o sargaço de suas origens para as costas do Caribe, explicando por que o problema se intensificou na última década.
Quando o Sargassum está flutuando no oceano, fornece áreas de berçário para a pesca, um habitat para peixes juvenis e vários serviços de ecossistema, como o sequestro de dióxido de carbono da atmosfera e do oceano. No entanto, à medida que se desloca em direção a áreas próximas à costa e, por fim, aterrissa nos litorais, esses enormes tapetes de algas marinhas podem ser desastrosos para aqueles que não estão familiarizados com os riscos que eles trazem.
Há quase um ano, o pescador artesanal Francisco Neto, na Amazônia brasileira, quase perdeu a vida quando uma rede carregada de sargaço levou ao naufrágio de seu barco. Ele e seus quatro colegas puxaram a rede lançada no Oceano Atlântico, ao largo da costa brasileira, e perceberam que o que achavam ser uma carga de peixes, na verdade eram toneladas de sargaço. O peso da rede desequilibrou o barco e o fez virar. “O prejuízo foi grande. Perdemos todos os aparelhos, navegador, rádio grande, nossos celulares”, lembra.

Foto: Octavio Aburto / MaresMexicanos

Os pescadores mais ao norte do Oceano Atlântico, em direção a Trinidad e Tobago, têm experiências semelhantes. Renelle Kissoon, conselheira do governo local de um pequeno vilarejo de pescadores, lembrou que, entre 2018 e 2023, os pescadores, que normalmente usam a areia para empurrar seus barcos para fora da costa, encontraram muitas dificuldades para colocar suas embarcações na água. Depois, quando os barcos entravam no oceano, as algas marinhas ficavam presas nas hélices do motor. “Os motores não apenas ficavam presos por causa do sargaço; as algas chegavam a destruí-los. Muitos pescadores tinham que substituir os motores e até mesmo as redes”, diz.
Enquanto pescadores sofrem impactos diretos em seus meios de subsistência, Renelle Kissoon explicou que o sargaço também tem efeitos notáveis no setor de turismo local, negócios em crescimento e efeitos ambientais no litoral.
Além de impactar as Pequenas Antilhas, que marcam a mudança do Oceano Atlântico para o Mar do Caribe, o sargaço continua seu caminho em direção às Américas Central e do Norte, com um de seus locais de descanso final no litoral mexicano. A bióloga Rosa Rodríguez calculou que a limpeza do sargaço em um quilômetro de praia no México pode custar até um milhão de dólares por ano. Apesar da magnitude do problema, ela e outros cientistas concordam que é possível adaptar-se e transformar o sargaço em uma oportunidade, como matéria-prima para a produção de tijolos, fertilizantes e biocombustíveis, entre outros produtos.
Leia abaixo as histórias completas desses três personagens e saiba mais sobre como o sargaço une seus países, desde as causas e consequências do problema até as possibilidades de solução.