Reportagens

Limpar o sargaço em Mayaro não é fácil e Renelle sabe disso

No Caribe, algas que chegam pelo Oceano Atlântico ameaçam pescadores e o turismo de praias, afetando a economia e o meio ambiente

Kalain Hosein (Guardian Media Limited, Trinidad and Tobago) ·
12 de março de 2025

Quando Renelle Kissoon caminha pela costa de Mayaro hoje, a praia que ela vê é muito diferente de suas lembranças de infância. Renelle representa Cocal/Mafeking na Corporação Regional de Mayaro/Rio Claro, cujo distrito abrange metade das praias de Mayaro, em Trinidad & Tobago. Ela testemunhou em primeira mão como os enormes montes de sargaço fizeram o litoral passar de um incômodo sazonal a uma crise durante todo o ano.

“Quando éramos crianças, não sabíamos nada sobre sargaço – essa nunca foi a palavra”, lembra Renelle sobre sua infância em Grand Lagoon Village, a uma curta distância da praia. “Sempre nos referíamos a ele como algas marinhas. Era apenas um período em que a praia estava suja nessa época do ano”.

“Nunca tínhamos permissão para tocar no sargaço. Era sempre sujo e fedorento. Há criaturas que vivem nas algas, como pequenos insetos, então, quando criança, mesmo que você quisesse explorar e observar, quando chegava perto, os peixes mortos e os insetos que andavam por ali o mantinham longe”, relembrou.

Grand Lagoon, assim como a cidade vizinha, porém maior, de Mayaro, é basicamente uma vila de pescadores no sudeste de Trinidad. “A maioria dos meninos cresce sabendo que será pescador, porque onde eles crescem, a maioria abandona a escola e vai para o mar. Eles veem seus tios e pais. Se não estiverem trabalhando em alto-mar com petróleo e gás, são pescadores”, observou Renelle.

Foto: Octavio Aburto / MaresMexicanos

As mulheres, por outro lado, são orientadas a estudar. Ela explicou que os anciãos frequentemente dizem às mulheres que “a pesca não é vida para vocês”, e em Mayaro há poucas mulheres nesse campo.

Como resultado, ela foi estudar na Universidade das Índias Ocidentais. Durante seu tempo lá, Renelle foi impulsionada por sua vontade de servir,depois de atuar no grêmio estudantil da universidade e de ver sua mãe, Ria Figaro, trabalhar com o Congresso Nacional Unido (UNC) em 2013. Por isso, Renelle concorreu pela primeira vez, em 2019, para representante do governo local, em Cocal/Mafeking. 

Ela conta as palavras de sua mãe: “Você não quer ser uma Conselheira? Eu perguntei: ‘O que isso faz?’. Ela disse: ‘Você sempre quer mais. Está sempre tentando fazer mais pela sua comunidade. Essa é apenas uma forma de você ajudar a comunidade”.

Renelle Kissoon, conselheira do governo local de um pequeno vilarejo de pescadores, percebe os impactos do sargaço no turismo, economia e meio ambiente. Foto: Renelle Kissoon / Acervo pessoal
Renelle Kissoon, conselheira do governo local de um pequeno vilarejo de pescadores, percebe os impactos do sargaço no turismo, economia e meio ambiente. Foto: Renelle Kissoon / Acervo pessoal

Depois de eleições bem-sucedidas em 2019 e 2023, Renelle agora está liderando o trabalho em Mayaro para limpar e descartar com segurança esses tapetes de algas marinhas marrom-amareladas, que podem ter centenas de metros de largura, impedindo o acesso às praias da costa leste.

Ela explicou: “A questão era realmente a comunidade. Foi apenas sobre querer mais para a comunidade, e essa é a única razão pela qual ainda estou na política agora, porque acho que aqui [Rio Claro/Mayaro] merece mais.”

Como representante do governo local, responsável por uma região com a maior extensão litorânea, Renelle enfrenta novos desafios ao lidar com o sargaço – a questão da jurisdição. “Não somos oficialmente responsáveis pela manutenção, limpeza ou cuidados com as praias, que são de responsabilidade do Ministério do Turismo, Cultura e Artes. Extraoficialmente, nós fazemos isso porque não seria feito”, explicou. Operar fora de sua alçada normalmente traz restrições financeiras. No entanto, ela explicou que a Mayaro/Rio Claro Regional Corporation possuía um Barber Beach Cleaner, semelhante a um ancinho de praia de tamanho industrial, que era utilizado em períodos de pico, como a Páscoa, o Carnaval e as férias de julho e agosto.

“Temos a mão de obra, temos o equipamento, mas as praias estão sempre sujas e sempre precisam de limpeza”, declara. Ela assumiu agora a função de defender um programa de manutenção de praias durante todo o ano, em vez de apenas realizar a limpeza das praias usando maquinário pesado antes dos períodos de pico previstos.

No entanto, não é tão simples quanto instituir um cronograma; como ela explicou. “Um dos desafios que temos especificamente em relação ao sargaço é que, mesmo que o raspemos da praia, não temos onde deixá-lo ou despejá-lo”. Além de não termos caminhões para transportar as algas da costa, elas também precisam ser descartadas com segurança.

Como resultado, o sargaço atualmente coletado nas praias de Mayaro, e até mesmo em Manzanilla, é empurrado em montes em vários locais da costa. Renelle explica que a alga é devolvida ao oceano quando as marés sobem e se espalham ao longo da costa.

Em 2024, duas organizações, incluindo as Nações Unidas, entraram em contato com a corporação municipal para fazer parceria e analisar possíveis soluções, incluindo financiamento e desenvolvimento de produtos a partir de algas marinhas. Renelle justificou: “O problema do sargaço, de fato e de direito, é muito novo para nós, e agora estamos mais ou menos preparando o terreno para tentar descobrir como avançar.”

Sargaço toma conta de praias no caribe de Trinidad & Tobago, ameaçando o turismo local. Foto: Renelle Kissoon / Acervo pessoal
Sargaço toma conta de praias no caribe de Trinidad & Tobago, ameaçando o turismo local. Foto: Renelle Kissoon / Acervo pessoal

Surge uma força-tarefa para o sargaço

De acordo com Rahanna Juman, diretora adjunta de Pesquisa do Instituto de Assuntos Marinhos (IMA) e presidente da recém-lançada Força-Tarefa Nacional de Gerenciamento do Sargaço em 2024, o sargaço foi identificado como um grande problema em nível nacional desde 2011.

Juman explicou que, devido ao influxo de sargaço em 2011, as partes interessadas, incluindo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), criaram um plano conjunto de resposta em 2015.

Os objetivos do plano então elaborado incluíam o desenvolvimento e a implementação de um sistema de alerta precoce, uma estratégia de comunicação, esforços coordenados de limpeza e equipes de resposta a emergências, pesquisa e monitoramento.

Além disso, em 2015, juntamente com a minuta do plano de resposta, foi apresentada uma proposta para desenvolver uma força-tarefa. Treze anos depois, o Gabinete nomeou a força-tarefa nacional, após o financiamento do governo japonês para desenvolver a capacidade de lidar com o sargaço e a orientação da Ministra do Planejamento e Desenvolvimento, Penelope Beckles.

Embora presidida por Juman e pelo IMA, ela diz que a força-tarefa continua multidisciplinar e multissetorial, de modo que, quando o sargaço estiver na costa de Trinidad e Tobago, todos os ministérios, ONGs e órgãos do governo poderão agir em conjunto com o plano de resposta, desde a comunicação de que o sargaço está se aproximando e chegou à costa do país até a remoção e o descarte seguro. Pesquisas também estão sendo conduzidas pela Universidade de Trinidad e Tobago (UTT) e pela Universidade das Índias Ocidentais (UWI) para determinar os usos comerciais das algas marinhas, como a conversão em adubo, fertilizantes, fungicidas e alimentos para peixes.

De acordo com o PNUD, o escritório de implementação do “Projeto para Melhorar as Capacidades Nacionais de Gerenciamento de Sargaço no Caribe”, financiado pelo Governo do Japão, em Trinidad e Tobago, recebeu US$ 1,9 milhão para equipamentos,  como barreiras flutuantes, embarcações de colheita de sargaço e para coleta e remoção em alto-mar, além de tratores e caminhões basculantes para remoção em terra.

Como parte do financiamento, Juman informa que os estudos de vulnerabilidade estão em andamento em colaboração com a UWI, a UTT e o Serviço Meteorológico de Trinidad e Tobago, para determinar os pontos de aterrissagem.

Ela explicou que o objetivo da força-tarefa é evitar a duplicação de trabalho, já que muitas partes interessadas, locais e regionais – como acontece em Mayaro -, já estão trabalhando nesse espaço, e os fundos são limitados.

Força-tarefa para limpeza do sargaço é feita em todo o país. O problema foi identificado como nacional desde 2011. Créditos: Acervo pessoal de Rahanna Juman.

A Câmara da Assembleia de Tobago, por meio da Autoridade de Gerenciamento de Emergências de Tobago e do Departamento de Meio Ambiente, desenvolveu seu plano de resposta e identificou locais para armazenamento/descarte no leste, centro e sudoeste de Tobago, com perímetros designados apropriados para minimizar os impactos sobre a vida vegetal terrestre e minimizar os impactos dos odores.

A Cooperação Regional de Sangre Grande, com a assistência técnica do IMA, também identificou possíveis locais de armazenamento/descarte dentro da Cooperação, de acordo com Juman. “Estamos procurando usar imagens de satélite para modelar a trajetória e analisar o landfall – para onde está indo –, a fim de criar um sistema que nos permita fazer um alerta antecipado”, diz.

Ela explica que ao chegar a hora de alertar as comunidades costeiras, já que a infraestrutura existe por meio do Escritório de Preparação para Desastres e o Sistema de notificação de alerta público, “provavelmente será [emitido] por meio deles”.

Além disso, o rastreamento por satélite das esteiras de sargaço não é novo nem exclusivo, visto que a Texas A&M University e a University of South Florida já usaram e produziram produtos de rastreamento de sargaço. No entanto, esta é a primeira vez, de acordo com Juman, que isso está sendo feito localmente para desenvolver um alerta antecipado.

  • Kalain Hosein (Guardian Media Limited, Trinidad and Tobago)

    Climate Change Fellow na Earth Journalism Network (2024) e Consultor em Mudanças Climáticas na Guardian Media Limited

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