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Destino incerto

Para onde vão os bichos encontrados na cidade. Maria Beatriz Mussnich Pedroso

Maria Beatriz Mussnich Pedroso · Lorenzo Aldé ·
4 de março de 2005 · 20 anos atrás

Quando um bicho da floresta tem o azar de ir parar em território humano, suas chances de um dia voltar para casa são pequenas. Se tiver fama de perigoso, então, terá antes que se safar do linchamento ao ser encontrado. Cobras, venenosas ou não, costumam ser esfaceladas sem dó. No Rio, um filhote de jacaré-do-papo-amarelo foi atacado a pauladas na semana passada.

Sobrevivendo ao primeiro encontro, começa para o animal silvestre uma via-crúcis cujo desfecho depende muito de quem topou com ele. Sua melhor sina será cair nas mãos de um biólogo ou veterinário que tenha condições de tratá-lo, em casa ou numa clínica. Raros são os veterinários com conhecimentos além dos requeridos pelos animais domésticos. Márcia Abreu, da Vet Clinic, no Rio, tem experiência em cuidar de bichos silvestres. Já encontrou filhotes de gambá perdidos em sua rua e até um gavião ferido. Nos dois casos, abrigou os bichos em casa durante alguns meses e depois soltou perto de onde foram achados. O engenheiro ambiental Carlos Gabaglia Penna faz o mesmo. “Nunca pensei em encaminhar para alguma instituição. As condições são terríveis. Se não der para curar o ferimento, prefiro a eutanásia”, diz.

De fato, os outros destinos dos animais silvestres perdidos na cidade não são muito animadores. Uma opção é levá-los ao Centro de Encaminhamento e Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. Em 17 estados do país existem Centros assim, mas os recursos materiais e humanos para tratar dos animais costumam ser escassos. Em novembro de 2004, no Cetas do Rio foram encontrados 1.500 animais em péssimas condições. O Centro foi fechado, passou por reformas e reabriu. O problema é levar o bicho até lá. O Cetas fica em Seropédica, a 50 km da capital. Outro problema é que o Cetas do Rio não devolve os animais à natureza. Mesmo quando são bem tratados e se reestabelecem, acabam sendo enviados ou para o Zoológico ou para um criadouro autorizado pelo Ibama.

O Zoológico do Rio só recebe alguns tipos de bicho, pois já não há vagas para a maioria deles (tartarugas-de-água-doce, passarinhos, macaco-prego, sagüis, falcões e corujas, por exemplo). O de Niterói, que tenta devolver os animais silvestres para seu habitat, também está com lotação praticamente esgotada. Na falta de opções, a Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais), instituição particular no Rio que abriga 10 mil animais domésticos, se prontificou a receber também os silvestres, como macacos, jabutis, coelhos, gambás e gaviões. Mas, também lá, falta espaço. Eles ficam amontoados com os gatos e cachorros acolhidos pela instituição.
Quanto aos criadouros, este pode ser um final mais ou menos feliz, ou francamente trágico. Mais ou menos feliz quando as condições são boas, o espaço bem cuidado e o tratamento adequado. Não é igual voltar para casa, mas o bicho passa bem. O agrônomo Arnaldo Leal, criador conservacionista há 40 anos, tem pacas e capivaras em seu jardim, dois papagaios, dois tucanos e uma cobra. Ele diz que o melhor sinal para saber se um animal tem uma vida saudável no cativeiro é sua capacidade reprodutiva. “As condições para reproduzir são um parceiro, boa alimentação e segurança. Com isso podemos confirmar que o animal está satisfeito”, afirma.

Trágico é quando o criadouro está metido com tráfico ilegal de animais silvestres. Isto acontece com freqüência, segundo o delegado substituto Jorge Márcio, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico (DMPAH) de São Paulo. No ano passado, funcionários do Centro de Manejo de Animais Silvestres do Estado de São Paulo (CEMAS) foram afastados por suspeita de privilegiarem alguns criadouros na destinação dos animais, que podem valer muito no mercado legal e mais ainda no tráfico internacional.

Mas vem também de São Paulo um dos poucos bons exemplos de tratamento de animais silvestres. Os moradores da metrópole que encontrarem um bicho perdido podem levá-lo sem medo à DEPAVE-3, como é conhecido o órgão da Prefeitura que atende pelo nome de Divisão Técnica de Medicina Veterinária e Biologia da Fauna, no Parque do Ibirapuera. Lá os animais são internados em um hospital e recebem a assistência de biólogos, veterinários e nutricionistas. A DEPAVE-3 comporta uma média de 300 animais, e solta os recuperados no local de procedência. Fundadora do órgão, que funciona há 14 anos, a veterinária Ângela Maria Branco diz que a “reintegração” dos animais deve ser a meta desse tipo de tratamento. “Afinal, eles estavam em liberdade. Vão parar na cidade por causa da interferência humana. São atropelados e eletrocutados. Filhotes explorando áreas novas se perdem no meio urbano que se aproximou demais de seu habitat. Aves colidem com prédios. Sempre fatores humanos. Por isso nossa obrigação é devolvê-los à natureza”, explica.

Em outras partes do Brasil, resta a opção de entregar o animal a um Parque Nacional ou Estadual que seja perto do local onde foi encontrado. Dependendo de seus recursos e estrutura, algumas dessas reservas tentam devolver os animais à natureza.

Não se sabe é até que ponto a traumática experiência pode comprometer sua reintegração. A convivência com a espécie humana não costuma ser benéfica para a saúde psicológica. Que o digam os próprios humanos.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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