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Carta – A reeleição da ministra

De Mauricio Mercadante Diretor de Áreas ProtegidasMinistério do Meio AmbienteMarcos Sá Corrêa é, indubitavelmente, um jornalista de primeira linha....

Redação ((o))eco ·
20 de janeiro de 2006 · 19 anos atrás

De Mauricio Mercadante
Diretor de Áreas Protegidas
Ministério do Meio Ambiente

Marcos Sá Corrêa é, indubitavelmente, um jornalista de primeira linha. Quando li o seu artigo intitulado “a reforma da natureza”, publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 12 de janeiro, me perguntei, sinceramente: o que motiva um jornalista como o Marcos a escrever um artigo tão disparatado? Se o Marcos fosse um escritor menor, desprovido de conhecimento e argumentos, ansioso por chamar a atenção maldizendo tudo e todos, daria para entender, mas não é o caso.

Marcos começa dizendo que a consulta pública sobre o Plano Nacional de Áreas Protegidas proposto pelo Ministério do Meio Ambiente começou muito, muito mal. E por quê? Por que ele não conseguiu acessar o prometido documento do Plano na internet, na página do MMA. Mas ele explica, gastando metade do artigo, a razão do problema: é que o Ministério é lento e vive sempre atrasado; quando resolve andar mais rápido dá no que deu. Mas felizmente, graças ao empurrão do nosso atento, ágil e competente amigo, o assunto foi resolvido no dia seguinte.

O Marcos questiona a legitimidade da proposta do Plano, já que ela foi elaborada por apenas “400 funcionários públicos e lideranças sociais”. Convém lembrar que esses 400 funcionários e lideranças incluem servidores públicos federais, estaduais (de quase todos os Estados) e municipais, e a grande maioria das principais organizações não governamentais ambientalistas brasileiras. A proposta está sendo oferecida à consulta pública e será submetida à aprovação do CONAMA. Mas o Marcos talvez queira sugerir um procedimento mais legítimo, que permita ouvir os 185 milhões de brasileiros excluídos do processo.

O Marcos afirma que o Plano proposto é a forma que os derrotados no processo de elaboração da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação encontraram para reafirmar a “prioridade das reservas indígenas, dos territórios quilombolas e das comunidades extrativistas na conservação da natureza”. Pura bobagem. Duvido que as orelhas da bióloga Verônica Thuelen estejam mais calejadas do que as minhas de tanto ouvir a mesma conversa fiada, a mesma acusação mentirosa, de que aqueles, dentro do movimento ambientalista, que apóiam extrativistas, indígenas, quilombolas, agricultores familiares, procurando desenvolver e promover modelos de uso sustentável dos recursos naturais que garantam condições de vida adequada a essas comunidades, conspirem contra a existência de parques nacionais, reservas biológicas ou estações ecológicas. Convém não esquecer que as reservas extrativistas fazem parte do SNUC, e que um sistema é feito de partes que se complementam. Interessante observar como o Marcos, aparentemente avesso a fantasmas, insiste, sempre que pode, em assombrar o debate sobre a conservação com esses “velhos temas mastigados até perder o sal”.

O propósito explícito, claro, manifesto do Plano Nacional de Áreas Protegidas é organizar e fortalecer as ações do Poder Público (federal, estaduais e municipais) e da sociedade (organizações não governamentais, empresas, etc) em favor da ampliação e gestão eficaz das unidades de conservação. Queremos sim, também, incorporar nesse processo e fortalecer o papel das terras indígenas e das terras de quilombos na conservação da natureza. Se o Marcos vê nisso uma ameaça ao SNUC, paciência. É bom lembrar que o Plano responde e acompanha o Programa de Áreas Protegidas da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário e um dos principais animadores, e cujos objetivos são conservar a biodiversidade, promover o uso sustentável dos recursos naturais (que para o Marcos é anátema) e assegurar a repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos do uso da biodiversidade.

Gostaria de conhecer a opinião do Marcos sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica e sobre seu Programa de Áreas Protegidas.

Com o fim de apoiar sua tese de que existe uma conspiração contra os parques, o Marcos afirma que “os anunciados pela ministra Marina ano passado encruaram e os que foram herdados do governo passado encolheram, como Chapada dos Veadeiros”. Esquece de mencionar que só nesse governo foram criados, na Amazônia, três “parques”, em área sob forte pressão de desmatamento, somando 4,1 milhões de hectares; dois parques no Cerrado (280 mil ha); e quatro parques na Mata Atlântica (70 mil ha). Outros cinco “parques” nas Matas de Araucárias no Paraná não puderam ser criados ainda por força de liminares na Justiça. Vários outros processos de criação ou ampliação de “parques” no País estão em fase de conclusão. Isso sem falar nos 5 milhões de hectares de reservas extrativistas e florestas nacionais também criados que, embora façam parte do SNUC, devem ser, na ótica do Marcos, desconsiderados.

O Marcos esquece de dizer também que o decreto que ampliava o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi anulado por decisão do Supremo Tribunal, com base no argumento de que não houve consulta pública, e não por ação ou omissão do MMA ou do Governo, como ele tenta sugerir. Aliás, eu me pergunto como o Marcos defenderia, nesse caso, a manutenção do decreto se ele acha que um processo como o de elaboração do Plano, que não ouviu nem vai ouvir 185 milhões de cidadãos, é ilegítimo.

Enfim, das duas uma: quando se refere à política do governo para as unidades de conservação, ou o Marcos desconhece informações básicas e, portanto, não sabe do que está falando, ou está sendo pura e simplesmente desonesto. De qualquer forma, espero mesmo que ele não perca a proposta do Plano Nacional de Áreas Protegidas de vista e possa apresentar críticas e propostas menos disparatadas, que façam justiça à sua reconhecida e celebrada competência como jornalista.

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