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Carta – Sem dinheiro e sem gente

De Mauricio MercadanteDiretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente “Assinar decretos [de...

Redação ((o))eco ·
3 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

De Mauricio Mercadante
Diretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente

“Assinar decretos [de criação de unidades de conservação] é, às vezes, fácil.” Esta frase, para perplexidade dos que militam na área ambiental, foi dita por nada mais nada menos do que Maria Tereza Jorge Pádua. Qualquer pessoa, sem exceção, poderia, no Brasil, ter dito esta frase. Menos Maria Tereza Jorge Pádua. Dita por qualquer pessoa, seria desculpável, por ignorância. Dito por Maria Tereza Jorge Pádua, é imperdoável.

Criar unidades de conservação não é e nunca foi fácil. E Maria Tereza o sabe muito bem. Maria Tereza se orgulha, com razão, de ter comandado, em tempos idos, o processo de criação de 9 milhões de hectares de parques nacionais e reservas biológicas no País. Em livros e artigos descreveu a heróica luta de uma geração de ambientalistas, dentro e fora do governo, pela criação dessas unidades. Por causa dessa luta, foi premiada e celebrada, com justiça, aqui e no exterior.

Seria de se esperar que o sucesso, o reconhecimento, a experiência, tivessem conduzido Maria Tereza a um nível mais elevado de sabedoria, equilíbrio e, por que não, de generosidade. Infelizmente, o conjunto dos artigos publicados em O Eco demonstram à larga que coerência e honestidade intelectual não estão entre os traços mais marcantes da personalidade de Maria Tereza.

Definitivamente, criar uma unidade de conservação não é fácil. Talvez, quem sabe, em um caso ou outro, no tempo em que bastava convencer o general-presidente de plantão, tenha sido menos difícil. Mesmo assim, duvido. Nos dias de hoje, não é o caso, com certeza.

Nem uma única unidade de conservação foi criada no governo Lula sem trabalho duro, sofrimento e intensa luta política. Muito trabalho de campo, em condições quase sempre difíceis, foi necessário para a elaboração das propostas, muitas das quais começaram a ser elaboradas ainda no governo passado. Dezenas de técnicos do Ibama, do MMA, de organizações não-governamentais, de universidades e instituições de pesquisas trabalharam duro, com sacrifício, para produzir as informações necessárias.

Enfrentamos dezenas de batalhas duríssimas, em situação de franca hostilidade e insegurança, quase sempre sob a precária proteção da Polícia Federal e, não raro, das polícias militares, contra grileiros, madeireiros, pecuaristas, sojicultores, mineradores, ruralistas, apoiados por vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, em consultas e reuniões públicas, durantes 6, 8, 10 horas seguidas, em Itaituba, Novo Progresso, Jacareacanga, São Feliz do Xingu, Marabá, Apuí, Apiacás, Alta Floresta, Manicoré, Belém, Blumenau, Indaial, Apiúna, Ponta Grossa. Imbituva, Tuneiras do Oeste, Palmas, Abelardo Luz, Ponte Serrada, Passos Maia, Cocos, Formoso, Alto Paraíso, Porto Seguro, Prado, Una, Boca do Acre, Porto de Moz, Altamira, Canavieira, Barcelos, Florianópolis, Curitiba, Manaus, Tapauá, Canutama, Beruri, Lábrea, Humaitá, São Luiz, Brasília e outras, sem contar as inúmeras audiências e reuniões abertas na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, no Ministério do Meio Ambiente, na Presidência da República, sob fogo cerrado da bancada ruralista e do que existe de mais reacionário no cenário político brasileiro. A Ministra Marina enfrentou a oposição ferrenha dos governadores e das bancadas parlamentares de Santa Catarina, Bahia, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima. Intenso trabalho de negociação foi necessário para vencer as resistências de setores contrários à criação das unidades de conservação dentro do próprio governo federal. Além disso, foi necessário enfrentar várias ações judiciais contra a criação das unidades e derrubar várias liminares. Definivamente, repito, criar unidade de conservação não é fácil.

Mas, não satisfeita em desmerecer o esforço da Ministra Marina para criar novas unidades de conservação, nesse passo desmerecendo a si mesma, Maria Tereza, fiel à sua determinação de “meter o pau” no governo a qualquer custo, faz uma segunda afirmação surpreendente: “fazer deste fato [a criação de unidades de conservação] uma moda é muito perigoso”. Ora, Maria Tereza sempre denunciou, de forma determinada, a desproteção dos nossos biomas, a baixa percentagem desses biomas protegidos em unidades de conservação, a necessidade premente, urgente, imperiosa de se ampliar rapidamente o numero e a extensão dessas unidades, não só na Amazônia mas também no Cerrado, na Caatinga, na Mata Atlântica, nos Campos Sulinos, na zona costeira e marinha, antes que seja tarde demais, antes que esses biomas, sejam completamente destruídos. Aqui mesmo em O Eco, dois artigos atrás, ela disse que “o tempo para [criar novas unidades de conservação] é muito curto e até agora foi bem aproveitado pelo atual Governo” e que “muito falta fazer para que a cobertura das áreas protegidas garanta a conservação do patrimônio natural.” O Governo está fazendo exatamente o que Maria Tereza sempre defendeu, como ela mesmo reconhece. Mesmo assim é incapaz de aplaudir sem sugerir que a “preocupação [do Governo] com a proteção da biodiversidade [é] falsa”, que o Governo age de forma “irresponsável”, apenas para inglês ver, porque não amplia os recursos orçamentários e o número de pessoas necessários para a efetiva gestão do sistema com a mesma velocidade com que cria novas unidades. Seria oportuno perguntar quem, na visão de Maria Tereza, o governo pretende agradar com essa política “irresponsável” de criação de novas unidades de conservação, já que, como ela é a primeira a dizer, criar parques e reservas não é uma medida muito popular.

Ora, se a estratégia é criar o máximo possível de unidades de conservação antes que seja tarde demais, é evidente que não vai ser possível alocar, com a mesma velocidade, os recursos financeiros e humanos necessários para uma gestão adequada do sistema. Esse é um desafio e uma tarefa permanente. Sempre foi. Como Maria Tereza mesmo mostra, em 1995, mais de dez anos atrás (e vinte anos depois que ela começou a trabalhar pela criação de novas unidades de conservação), a situação em termos de recursos humanos já era difícil, com 3,8 funcionários para 1000 km², quando a média mundial é de 27 funcionários por 1000 km². Em relação aos recursos financeiros, se, por um lado, os recursos orçamentários são menores do que eram 10 anos atrás, por outro dispomos de recursos que antes não existiam, como os provenientes do mencionado programa ARPA, concebido sim no governo passado, mas que começou a ser efetivamente executado no atual; os recursos da chamada compensação ambiental (0,5% sobre o custo total de empreendimentos com significativo impacto ambiental), que somam pelo menos 280 milhões de reais e que começam a ser efetivamente gastos; e outros programas, como o programa Corredores Ecológicos, o programa Mata Atlântica do PPG7, o programa de Ecoturismo. O fato é que a afirmação de Maria Tereza, repetida à exaustão, de que as unidades de conservação estão abandonadas, sem perspectiva, em uma situação pior do que estavam 10 ou 20 anos atrás é simplesmente falsa.

Maria Tereza devia aplaudir, sem ressalvas, a “moda” de se criar unidades de conservação no País. De outro modo, como defender a aceleração do processo de criação de unidades de conservação no Cerrado, na Caatinga e nos demais biomas extra-amazônicos acima mencionados? De todo modo, se Maria Tereza quiser insistir na tese de que o governo não tem compromisso com a conservação da biodiversidade e só quer aparecer bem na foto (para quem?), eu sugiro que ela apóie o Projeto de Decreto Legislativo do valoroso Deputado Asdrúbal Bentes que anula todos os decretos presidenciais criando unidades de conservação no entorno da rodovia Cuiabá-Santarém. Desse modo, numa “canetada”, aumentaremos o volume de recursos para as unidades restantes, melhoraremos a relação de funcionários por km², e o sistema estará, nesta ótica, em melhores condições. De quebra, ainda acabaremos com essa perigosa “moda” de ficar criando unidades de conservação “sem dinheiro e sem gente”.

A propósito, aproveitando a referência, não sei se entendi direito a afirmação de O Eco, no Salada Verde, de que a aprovação do acima mencionado decreto “deve acabar com a alegria da turma do Ministério do Meio Ambiente.” Eu sempre achei que O Eco defendia a criação das unidades de conservação da BR-163 e considerava isso uma vitória da sociedade brasileira. Sempre achei que O Eco era um “site” pró-ambiente. Mas, como se vê, devo ter me enganado.

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