O Parque Nacional do Itatiaia (PNI), unidade de conservação mais antiga do Brasil, celebra 74 anos no próximo dia 14 de junho. Já na terceira idade, o local continua a ser uma das áreas protegidas mais famosas e visitadas do Brasil, embora, como todas as outras, não consiga se manter sozinho, às custas apenas da cobrança de entrada para os turistas. Na divisa entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o Parque tem muitos atrativos e faz parte da vida de muitas pessoas, como a bióloga e mestranda em ciências ambientais e florestais, Patrícia Sierra. Leia, na entrevista abaixo, como Itatiaia entrou em sua vida – e, principalmente, como continua.
O Eco: O PNI faz 74 anos no próximo dia 14 de junho. Qual a sua relação com o Parque e há quanto tempo o frequenta?
Patrícia Sierra: Conheci o parque quando tinha cerca de 15 anos de idade, época em que minha família se mudou para Resende, cidade vizinha a Itatiaia. Amigos que moravam na região me apresentaram às cachoeiras, às trilhas e às peculiaridades da mata, e nela fui encontrando motivos sólidos para ficar por aqui.
A beleza incontestável da região despertou em mim um grande interesse por fotografia e, desde então, além de adotar esse novo hobby, venho utilizando o recurso para tornar aulas teóricas mais interessantes e agradáveis. Em 2008 e 2009, surgiram oportunidades para lecionar em cursos de ecologia e turismo realizados dentro do parque, e, a partir dessa época, tenho estado por lá praticamente todo mês. Hoje, além de ministrar palestras e aulas de campo como voluntária, desenvolvo minha pesquisa de mestrado na Parte Alta do PNI, estando, também, credenciada como condutora de visitantes (guia). Acredito que não haja nada mais saudável do que aliar prazer com trabalho, e é isso que venho buscando ao longo desses anos.
O Eco: Você faz mestrado em ciências ambientais e florestais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e o seu projeto de pesquisa é feito no PNI. Qual a importância do seu trabalho?
Patrícia Sierra: Minha pesquisa envolve o sistema reprodutivo e a ecologia da polinização de duas espécies de Fuchsia, plantas conhecidas popularmente como Brincos-de-princesa. Nesse contexto, avaliamos como a fauna local interage com essas plantas e quais as consequências dessas relações no sucesso reprodutivo de cada uma delas. Isso quer dizer, em outras palavras, que verificamos quem são os visitantes florais que polinizam de fato (favorecendo, portanto, a reprodução e a possível perpetuação da espécie no ambiente) e quem apenas faz uso dos recursos florais oferecidos sem promover a fecundação dos óvulos (“ladrões” de néctar ou pólen). Para isso, são realizados testes reprodutivos (indução de diferentes tipos de polinização) e são dedicadas horas de observação a cada planta, onde são detalhados, principalmente, o comportamento de cada animal e a frequência de suas visitas ao longo do dia.
Este tipo de estudo é fundamental, na minha opinião, por possibilitar que enxerguemos parte da teia de relações estabelecidas entre determinados animais e plantas, o que pode possibilitar, também, inferências sobre cenários futuros. A queda populacional de um tipo de animal considerado o principal polinizador de determinada espécie vegetal, por exemplo, pode desencadear uma diminuição na quantidade de indivíduos dessa espécie no ambiente, por haver menos frutos e sementes disponíveis. Havendo menos plantas, há, também, menos recursos alimentares para a fauna local, que também deve sofrer consequências. Essas alterações na composição de insetos e vertebrados também iriam afetar o sucesso reprodutivo de outras plantas que dependem deles para a polinização e dispersão de sementes, e até mesmo a qualidade de vida de outros animais que os utilizam como alimento. E por aí vai. Por isso, entender essas relações pode nos ajudar a propor melhores planos de manejo, ou até mesmo impedir que certas atividades antrópicas sejam introduzidas em áreas de floresta. Ao meu ver, a identificação da importância dos indivíduos envolvidos no ciclo reprodutivo das plantas é essencial antes de qualquer ação que se propõe como racional, sendo esta uma importante ferramenta para a conservação dos ambientes naturais.
O Eco: Falemos um pouco de turismo e aventura. Para subir até o Pico das agulhas Negras, pico culminante do parque, demora quanto tempo? E como é a trilha, as principais dificuldades?
Patrícia Sierra: A subida ao Pico das Agulhas Negras demora, em média, cerca de três horas a partir do Posto 3 (Posto Marcão), na entrada da parte alta do parque. Mas isso depende, principalmente, do perfil do grupo: a disposição, as limitações, os objetivos e a quantidade de pessoas.
Se eu tivesse que classificar o nível de dificuldade da trilha que leva ao cume do Pico das Agulhas Negras, diria que está mais para moderado do que para difícil, como algumas pessoas sugerem. É uma “escalaminhada” (mistura de caminhada com escalada) que apresenta alguns poucos trechos de maior dificuldade, onde normalmente os guias oferecem uma mãozinha ou fazem a segurança com equipamento de escalada (o que é normalmente utilizado em apenas dois trechos). Tenho certeza de que quem subiu e achou muito difícil foi sem guia. Algumas vezes eu tive que parar minha pesquisa e socorrer pessoas perdidas que ficavam pulando de pedra em pedra à procura da trilha, ou permitir que grupos me acompanhassem na descida porque tinham desistido de prosseguir por não terem levado equipamento adequado.
Apesar de não ser obrigatória a presença de um condutor de visitantes, é fortemente recomendado que se contrate um, principalmente devido às mudanças repentinas no tempo, o que faz com que muitas pessoas se percam em função de neblina ou chuva intensa. Além disso, o pico apresenta uma série de vias que conduzem ao cume, porém muitas delas são muito pouco utilizadas e acabam se fechando com o passar dos verões, pois as plantas vão crescendo e mascarando a trilha. Então, às vezes, as pessoas desviam do caminho principal e seguem por um longo trecho, até que se deparam com um “beco sem saída”. Nessas horas, todas as pedras e plantas são iguais.
Um outro problema recorrente é a utilização de roupas e tênis inapropriados, o que atrapalha bastante o desempenho de qualquer pessoa, podendo causar muito desconforto ou até mesmo acidentes.
O Eco: Alguma dica de trilha inesquecível no PNI para os novos visitantes?
Patrícia Sierra: Bom, eu acredito que seja quase impossível destacar uma trilha entre todas as outras sem ser injusta, pois cada uma se sobressai por um critério diferente. O parque oferece diferentes tipos de beleza, como cachoeiras e rios com grande fluxo de água, matas fechadas que formam dossel (em diferentes estágios), vegetação típica de campos de altitude, vias de escalada de diversos níveis, rochas que parecem modeladas e que apresentam uma aderência impressionante, e muitas outras particularidades como ambientes que acomodam espécies endêmicas, raras ou até mesmo em perigo de extinção. Com isso, temos a formação de uma grande diversidade de paisagens e prazeres.
Se essa pergunta fosse feita para mim a cada seis meses, provavelmente eu apontaria uma localidade diferente em cada uma delas, pois tudo depende do que você está precisando no momento. Se você está preferindo ir a cachoeiras, visite o Complexo da Maromba na parte baixa, ou a Cachoeira do Aiuruoca na parte Alta. Se quer observar a fauna e encontrar seus vestígios, visite a trilha dos Três Picos na parte baixa, ou adentre no Brejo da Lapa, na parte alta. Gosta de vistas panorâmicas, mas não quer escalar rochas? Vá à Pedra do Altar ou ao Morro do Couto, na parte alta. Se quer aventura, visite o Pico das Agulhas Negras ou suba até o cume das Prateleiras. Dizem que o rapel de lá é inesquecível e não é para qualquer um. Hoje, o meu lugar favorito é o Abrigo Rebouças, onde encontro tranquilidade para escrever e ótimas companhias para dividir a janta, o vinho e o chocolate.
Veja, abaixo, algumas das fotos clicadas por Patrícia Sierra no PNI.
Saiba mais
Parque Nacional do Itatiaia – ICMBio
Site Parque Nacional do Itatiaia
Parque Nacional de Itatiaia no WikiParques
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