Carlos Duarte do Nascimento, o Chester, é desenvolvedor de softwares e criou um sistema para facilitar a vida de quem utiliza transporte público em São Paulo. Voluntariamente, ele criou uma ferramenta de rastreamento de dados no sistema da SPTrans e organizou as informações coletadas em uma plataforma em que os passageiros podem visualizar as linhas de metrô e ônibus e planejar trajetos. O projeto, batizado cruzalinhas, é uma ferramenta útil para buscar rotas dentro de São Paulo (clique aqui ou na imagem abaixo para acessar o sistema):
Chester faz parte de um grupo de programadores com sensibilidade e visão ampla sobre espaço público físico e virtual, uma turma que tem desenvolvido programas interessantíssimos, muitos importantes para democratização de dados que deveriam ser públicos e de fácil acesso como neste caso. Dá para acompanhar o trabalho dele no blog que escreve e, se você entende o mínimo (e gosta) de programação, no github. Ele tem participado de projetos como o Transparência Hacker e os Hackers Days, nos quais são apresentados plataformas que tornam mais amigável o acesso a informações sobre política e vida pública.
O cruzalinhas chegou por uma indicação do Bruno Gola, que segue a mesma linha de trabalho do Chester. A construção de mapas coletivos/colaborativos e a ampliação de ferramentas para distribuição de informações relativas à mobilidade urbana pode ser um incentivo importante para mais gente pensar em outras vias de transporte nas cidades. Conseguindo visualizar com facilidade as rotas de ônibus e metrô, é mais fácil cogitar deixar o carro na garagem ou experimentar trajetos. Recentemente, ((o)) eco lançou o Mapas Coletivos com o objetivo de facilitar a troca de experiências nesta área (e em muitas outras relativas a questões ambientais).
O Chester topou, por e-mail, explicar aos leitores do Outras Vias um pouco mais sobre o que o levou a formular o cruzalinhas e as dificuldades encontradas. Confira:
De onde surgiu a ideia de fazer o Cruzalinhas?
A idéia veio da necessidade: não havia nenhum serviço que informasse (e mostrasse o trajeto de) todas as linhas que passam perto de um ponto – a busca da SPTrans não é muito visual/geográfica, e a do Google Maps (Transit) limita a quantidade de opções (além de exigir um ponto de partida e de chegada), e resolvi fazer ela acontecer.
Enquanto construía a ferramenta que faria esta busca, percebi que era fácil “cruzar” duas buscas distintas, isto é, ver quais linhas passam próximas aos pontos A e B, e daí surgiu a segunda funcionalidade, que acabou batizando o site.
Qual seu objetivo ao construir a ferramenta?
Confesso que quando pensei em fazer a ferramenta, nem estava assim tão motivado – era um problema interessante, mas só. O que realmente me norteou foi quando me dei conta de que não poderia criar a ferramenta porque os dados necessários (trajetos das linhas) não estavam disponíveis para download. Ao contrário de empresas de transporte em outros países, que disponibilizam estes dados para quem quiser usar (vide, por exemplo, http://www.gtfs-data-exchange.com/agencies), a SPTrans não disponibiliza eles, seja por download, seja por API. Quando percebi isso, passou a ser questão de cidadania tornar esta informação, que é pública, disponível para quem quisesse usá-la.
Qual a principal dificuldade encontrada? Foi fácil conseguir os dados das linhas de ônibus com o poder público?
Foi justamente o fato de a informação não existir em um formato “consumível” (em nenhum formato, aliás). Não tive sucesso tentando obter a informação com o poder público, o que me levou a escrever um software (sptscraper, disponível junto com o código-fonte do cruzalinhas) que varre o site da SPTrans baixando as informações.
Qual a importância de se incentivar o uso ao transporte público em uma cidade como SP? Você costuma usar transporte público?
Eu uso bastante o transporte público em São Paulo. Já tive carro particular, moto e bicicleta, mas a malha de transporte é o que realmente me atende. Basta ver a situação caótica do trânsito para perceber que não há futuro em privilegiar o carro particular como se fez até hoje. É preciso que o poder público incentive (e invista) em alternativas como ônibus, trens, metrô e bicicleta, pois isso beneficia inclusive quem opta pelo carro.
Como a tecnologia pode ajudar a ampliar a transparência de administrações públicas e espalhar dados que deveriam estar facilmente disponíveis? Como financiar e viabilizar mais iniciativas como esta?
O ideal seria uma iniciativa ampla de abertura de dados de toda a administração (como ocorre em cidades como Nova Iorque e Londres), oferecendo os dados para download ou sob a forma de APIs (idealmente ambos), para que a população e o terceiro setor possam consultar, fiscalizar e ajudar a construir novas ferramentas. Isso funciona melhor do que o governo tentando construir tudo (tende a gerar projetos caros, demorados e pouco adaptáveis às mudanças sociais e tecnológicas).
Havendo isso, não seria necessário o cruzalinhas fazer o “scraping” das informações (que é um processo demorado e sujeito a erros), e ferramentas ainda melhores poderiam ser feitas. Na falta de uma iniciativa geral, os órgãos e empresas poderiam fazer isso por conta própria. O Metrô de São Paulo está começando a caminhar nesta direção (conversei com eles após ter escrito a versão Java ME do aplicativo SMS-Denúncia que automatiza o envio de denúncias de irregularidades no metrô/CPTM através do serviço homônimo).
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