Rio de Janeiro – Uma das últimas grandes reservas naturais intactas de Minas Gerais, a Serra do Gandarela, pode estar com os dias contados pela iminência da mineração que ameaça destruir os remanescentes de áreas bem conservadas de cangas (vegetação específica de solos ferruginosos) e secar nascentes de água límpida. O alerta foi feito pelo Movimento Águas do Gandarela.
“A Serra do Gandarela é a última serra intacta pela mineração do quadrilátero ferrífero, que deveríamos chamar de quadrilátero aquífero. Todo o entorno foi detonado pela mineração”, disse a ((o))eco Danilo Siqueira, integrante do movimento.
Localizada nos municípios de Caeté, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Rio Acima, Itabirito e Raposos, na região metropolitana de Belo Horizonte, Gandarela integra o conjunto da Reserva da Biosfera do Espinhaço. O impasse está em tentar conciliar a atividade de mineração e a preservação ambiental, pois justamente na área mais cobiçada pela multinacional Vale, corre a proposta de criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Como parte do Movimento Águas do Gandarela, Danilo Siqueira integra também a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, que reúne entidades e organizações de 10 dos 38 países onde a empresa atua e que são afetados de alguma forma por projetos realizados pela mineradora. O ativista ambiental conversou com ((o))eco no dia 17 de abril, durante uma manifestação em frente à sede da Vale, em pleno centro nervoso do Rio de Janeiro, como forma de dar visibilidade aos casos denunciados.
Aonde tem ferro, tem água
O estado de Minas Gerais se destaca no cenário nacional como o maior produtor de minério de ferro do país e responde por 35% do total da mineração brasileira.
“Além de vários atributos geossistêmicos e ambientais de extrema importância, o principal que queremos garantir é o aquífero que existe. A Serra do Gandarela é uma imensa caixa d’água. Aonde tem ferro, tem água em abundância”, disse Siqueira.
As serras ferruginosas guardam uma imensa quantidade de água cristalina de classe especial. Os ambientalistas são irredutíveis e não aceitam negociar a redução da área de parque nacional e a cessão para a atividade mineradora. Por outro lado, as autoridades públicas querem sentar para negociar e a população dividida tende a pensar no desenvolvimento local com a promessa de geração de quase 10 mil empregos na região.
“Seria um dos maiores empreendimentos hoje a 40 km de Belo Horizonte. Esse território está em conflito de interesse entre a criação de um parque nacional e o interesse da mineração.
Para nós, não há negociação, o governo de MG é a favor da mineração e tem negociado terras para a atividade dentro da área do parque. Querem negociar para permitir essa fragmentação do território. A gente quer a criação do parque nacional sem a mineração dentro”, defendeu.
Na região do Gandarela estão as últimas áreas bem conservadas de cangas, um tipo de solo onde há plantas que não existem em nenhum outro local. As cangas alimentam as nascentes de água formando os aquíferos e as águas do Gandarela são fonte de abastecimento da capital mineira. A água da serra alcança o Rio das Velhas, de onde é captada para abastecer 60% dos 5 milhões de belo-horizontinos, além de abastecer municípios do em torno onde moram cerca de 200 mil pessoas.
O impasse
Em setembro de 2009, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) recebeu um documento assinado por 25 entidades mineiras chamando à atenção para a importância ambiental da região e para o risco que corria, se nada fosse feito para a sua proteção. As entidades propunham a criação de uma unidade de conservação. O ICMBio abriu o processo de criação e passou a trabalhar na elaboração de uma proposta oficial, finalizada e publicada em outubro de 2010.
“A Vale quer implantar na Serra do Gandarela um imenso empreendimento na proporção de Carajás (Pará). Teríamos um parque natimorto que já nasceria comprometido pela mineração.
E é justamente a parte mais importante desse parque que querem para a mineração”, criticou Siqueira.
Desde 2009, a Vale está com o Projeto Apolo, orçado em R$ 4 bilhões para a extração do ferro. O complexo que envolve investimentos da ordem de R$ 9,4 bilhões reunirá três empreendimentos: a Mina Apolo, assim como as usinas Conceição-Itabiritos e Vargem Grande-Itabiritos. Este complexo está dentro da área prevista para a implantação do PARNA do Gandarela.
O Projeto Apolo, localizado nos municípios de Caeté e Santa Bárbara, está em fase de licenciamento junto aos órgãos ambientais e consiste em uma mina de minério de ferro com capacidade de produção de 24 milhões de toneladas por ano. O início da operação estava inicialmente previsto para 2014.
Como parte do empreendimento, a Vale pretende instalar também uma usina de beneficiamento, oficinas, pilhas de estéril, pátio de produtos, escritórios e outras instalações. Também será construído um novo ramal ferroviário com cerca de 20 quilômetros de extensão para transportar o minério.
Concessões
Em 2009, foi assinado um Protocolo de Intenções de investimentos para a implantação e expansão de minas e usinas de beneficiamento de minério de ferro no estado. Mas para tirar o empreendimento do papel, a companhia mineradora, o ICMBio e as autoridades vão ter que fazer concessões para conciliar a mineração e a unidade de conservação.
“O Projeto Apolo quer pegar o coração do parque onde há um manancial de águas e canga ferruginosa. O principal é o minério de ferro que é ainda mais impactante, pois será a céu aberto com 300 metros de profundidade”, ressaltou Siqueira.
Segundo a proposta de criação do PARNA do Gandarela realizada pelo ICMBio, foi escolhida a categoria de Parque Nacional porque “além de proteger recursos naturais muito importantes, como águas, flora e fauna, o local tem grande beleza e grande quantidade de atrativos para o turismo, como cachoeiras, mirantes e trilhas para caminhadas e outras atividades em contato com a natureza”.
O ICMBio destacou ainda na proposta ser importante que as últimas cangas da região não sejam destruídas. “Mesmo que no primeiro momento se perca algum dinheiro, que viria do minério, a riqueza das águas e do turismo é para sempre, para os filhos, netos e bisnetos de quem hoje vai decidir o que fazer com a Serra do Gandarela”.
No entanto, o órgão foi obrigado a negociar e conciliar a criação do Parque Nacional com quase todos os empreendimentos de mineração que estavam em licenciamento.
“O próprio ICMBio foi pressionado para fazer um novo desenho do parque com a mineração dentro. A grande maioria da população em BH não se posiciona. Muitos dependem da mineração pela oportunidade de trabalho. Mas a mineração vai impactar os milhares de habitantes que dependem dessa água”, discute o ambientalista.
Siqueira critica ainda que apenas a fase de pesquisa do solo que tem sido realizada pela companhia já demonstra indícios de impacto. “Estão perfurando rochas ferruginosas e lençóis freáticos. Já estão impactando as nascentes”, salientou.
Contactada por ((o))eco, a Vale esclareceu que o Projeto Apolo aguarda licenciamento ambiental. O Estudo de Impacto Ambiental já foi protocolado na Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) e seis audiências públicas para discutir o projeto com as comunidades já foram realizadas nos municípios de Caeté, Raposos, Nova Lima, Rio Acima, Santa Bárbara e Belo Horizonte.
“Um grupo técnico, coordenado pelo ICMBio e o governo de Minas, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, e com participação de vários atores, inclusive a Vale, definiu fisicamente os limites do parque que deverão ser preservados. A Vale atendeu todas as solicitações feitas pelas instituições envolvidas e agora aguarda o avanço do processo”, informou a companhia em comunicado.
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