Deslocados de seus ambientes naturais, alguns animais e plantas acabam se tornando um perigo para outro ecossistema. As chamadas “espécies invasoras” já são a segunda maior ameaça mundial à biodiversidade. Só perdem para a exploração humana direta na destruição de habitats. Mas como normalmente é a mão humana que transforma espécies nativas em intrusos indesejados, cabe também ao homem o esforço de reverter esse processo.
Em fevereiro de 2004, o governo federal parecia dar um passo em direção ao controle das espécies exóticas e invasoras, ao criar a Coordenação de Manejo da Fauna na Natureza (Cofan), no âmbito do Ibama. Mas até hoje a burocracia não deixou o Ministério do Planejamento inaugurar o órgão de fato. Apesar de ainda não existir oficialmente, a equipe do Cofan está organizando uma lista a respeito de principais EEIs, que deve ser apresentada ao público em julho.
Uma das espécies que mais preocupam é o mexilhão dourado (Limnoperna fortunei). Esse pequeno molusco de duas conchas (bivalve) é originário da Ásia e foi detectado pela primeira vez no Brasil em 1998, no delta do rio Jacuí, em frente ao porto de Porto Alegre. Em pouco tempo disseminou-se, mesmo contra a correnteza, por várias bacias hidrográficas da Argentina, do Paraguai e do Brasil. Ele surgiu provavelmente pela água de lastro de navios vindos da Argentina, onde já ocorria. A água de lastro é coletada pelos navios para manter sua estabilidade durante a viagem, e lançada ao mar quando chegam ao seu destino. A proliferação descontrolada do mexilhão provoca o entupimento dos sistemas hidráulicos em embarcações e mesmo em grandes empresas. Na hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, a expansão foi tão veloz que levou a usina a adotar medidas emergenciais para combatê-lo e conter os prejuízos que está gerando. Em apenas dois anos, a concentração de mexilhões em coletas na hidrelétrica passou de 3 por metro quadrado a 180 mil por metro quadrado. A espécie já foi identificada próximo a Corumbá (MS), no Pantanal, e especula-se que tenha alcançado a região amazônica.
Outra praga é o caramujo gigante africano (Achatina fulica). Introduzido no Brasil para substituir o escargot, a espécie não deu certo comercialmente e hoje vem assolando 23 estados brasileiros. Em Unidades de Conservação, ameaça a flora. Nas cidades, coloca a população sob o risco de doenças quando é coletado sem a devida proteção. Os caramujos são capazes de grandes estragos. Em bando, devoram uma bananeira em 36 horas, mas na falta de frutas e verduras atacam qualquer tipo de alimento e mesmo lixo, o que favorece sua multiplicação em locais que não tratam os resíduos sólidos. Para piorar, o caramujo é hermafrodita, ou seja, se reproduz sozinho colocando de 180 a 600 ovos até quatro vezes por ano.
Também o javali selvagem (Sus scrofa) é uma ameaça, principalmente no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso. Originário da Europa, foi introduzido em criações no Brasil, mas a fuga de alguns deu início ao surgimento de populações selvagens que ficam cada vez maiores. Os impactos causados pela espécie no meio natural afetam diretamente a fauna e a flora. Os javalis podem pesar até 150 quilos, atacam em bandos e vêm deslocando populações nativas de porcos-do-mato (caititus) ao competir por alimento. Por ser mais agressiva, a espécie causa danos à regeneração de florestas.
Até o simpático pardal representa um grande incômodo. O Passer domesticus chegou ao Rio de Janeiro no início do século XX, vindo da Europa. Espalhou-se por grande parte do país e hoje é inimigo dos agricultores pelos prejuízos que causa aos pomares e plantações.
As espécies nativas também se tornam indesejáveis quando as transformações em seus habitats levam à superpopulação, com prejuízo ao ambiente e às atividades econômicas. Segundo o Ibama, os principais casos são o da capivara e o da caturrita, um tipo de periquito. “Em São Paulo, a superpopulação de capivaras tem invadido áreas de cultivo e até casas. Além disso, elas carregam um carrapato que pode causar doenças nos seres humanos”, explica André Jean Deberdt, da Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros (DIFAP) do Ibama. Já a caturrita, depois de perder seu espaço natural devido ao desmatamento, virou praga em plantios e pomares da região Sul. Para a alegria dos caçadores, no ano passado o Ibama liberou o abate de caturritas e javalis selvagens no Rio Grande do Sul, para controlar a população dessas espécies.
As invasoras são consideradas um problema ecológico mundial. Em 1997, a ONU criou o Programa Global de Espécies Invasoras (Global Invasive Species Programme, Gisp). No Brasil, apesar da disseminação dessas espécies estar enquadrada na Lei de Crimes Ambientais, falta uma visão mais ampla do problema e mais atuação dos órgãos de fiscalização. O Governo chegou a criar Forças-Tarefas e Grupos Interministeriais para enfrentar as espécies invasoras, mas até agora quase não há avanços concretos. “É quase impossível erradicar uma espécie invasora já instalada. Por isso o investimento é feito principalmente na prevenção, como forma de impedir a entrada de novos organismos. Com os que já estão por aqui, é feito o controle, na tentativa de minimizar os impactos. A estratégia é definida de acordo com cada espécie”, afirma André Deberdt.
O setor acadêmico e as ONGs vão discutir a questão em maio, quando acontece, em Brasília, o I Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, organizado pelo Instituto Hórus. Com sedes em Curitiba e Florianópolis, o Instituto realiza um levantamento inédito de plantas exóticas invasoras no Brasil, que prevê a elaboração de um sistema de informações geográficas para localizar as regiões invadidas por essas espécies.
São estas as principais espécies de fauna exóticas e invasoras no Brasil, segundo o Ibama:
Anfíbios: Rana catesbeiana – Rã-Touro ou Rã-Touro gigante (foto); Xenopus laevis – Rã africana.
Crustáceos: Macrobrachium rosenbergii – Camarão-gigante-da-Malásia; Penaeus monodon – Camarão-tigre; Penaeus penicillatus -Camarão-marinho; Penaeus stylirostris – Camarão-marinho; Litopenaeus (Penaeus) vannamei – Camarão branco do Pacífico.
Répteis: Trachemis scripta elegans – Tigre-d’água-americano (foto), Tartaruga-de-orelhas-vermelhas.
Moluscos: Achatina fulica – Caramujo-gigante-africano; Corbicula fluminea – Corbícula; Helix aspersa – Escargot; Limnoperna fortunei – Mexilhão-dourado; Melanoides tuberculatus – Molusco de água doce; Physella acuta, também conhecido como Physa acuta e Physa cubensis – Molusco herbívoro.
Mamíferos: Lepus europaeus – Lebre-européia (foto); Mus musculus – Camundongo; Rattus norvegicus – Ratazana; Rattus rattus – Rato; Sus scrofa – Javali; Bubalus bubalis – Búfalo.
Aves: Bubulcus íbis – Garça-vaqueira; Estrilda astrild – Bico-de-lacre; Sturnella vulgaris – Estorninho; Passer domesticus – Pardal; Columba lívia – Pombo-doméstico.
Peixes: Aristichthys nobilis – Carpa-cabeça-grande; Clarias gariepinus – Bagre-africano; Ctenopharyngodon idella – Carpa-capim (foto); Cypinus carpio – Carpa comum; Hoplosternum littorale – Tamboatá; Hypophthalmictys molitrix – Carpa-cabeça-grande; Ictalurus punctatus – Bagre-do-canal; Micropterus salmoides – Black-bass; Odontesthis bonariensis – Peixe-rei; Oncorhynchus mykiss – Truta-arco-iris; Oreochromis aureus – Tilápia-áurea; Oreochromis hornorum – Tilápia-do-zambibar; Oreochromis mossambicus – Tilápia-de-Moçambique; Oreochromis niloticus – Tilápia-do-Nilo; Oreochromis nornorum – Tilápia; Tilapia rendalli – Tilápia-do-Congo.
* Adriana Gomes é jornalista ambiental em Cuiabá (MT).
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