No dia 27 de julho, um grupo de ambientalistas assinou uma carta endereçada ao presidente Michel Temer apontando a fragilidade da proposta de aumento das ações de conservação ambiental no pantanal matogrossense através da criação e ampliação de unidades de conservação da natureza.
Na carta, os signatários afirmam: “A proposta do mosaico de unidades de conservação do Pantanal ora apresentada pelo ICMBio tem base técnica muito frágil. As áreas escolhidas não são as mais relevantes e as categorias de manejo definidas não são adequadas. A proposta de mosaico parece ter sido realizada mais para impressionar com números grandes do que efetivamente para se obter a urgente e necessária ampliação qualitativa da área protegida naquele bioma”.
Ainda no documento, os autores citam a Serra do Amolar, região do Pantanal, com população de onças-pintadas significativa, vastas áreas de floresta estacional, que não foi incluída na ampliação do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense. O grupo enfatiza que a criação de novas unidades de conservação “deve ser feita com critérios ainda mais robustos, tecnicamente justificáveis, apostando em categorias de unidades de conservação consagradas, visando priorizar qualidade e viabilidade de conservação e não quantidade de território pura e simplesmente” .
Leia a carta na íntegra
Brasília, 27 de julho de 2018
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia
Assunto: Criação de Unidades de Conservação no Pantanal Mato-Grossense
Senhor Presidente,
O Ministério do Meio Ambiente, através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio publicou no Diário Oficial da União do dia 13 de julho passado aviso de consultas públicas a serem realizadas nos dias 30 e 31 de julho, em Cáceres e Poconé, respectivamente, para apresentação da “proposta de aumento das ações de conservação ambiental no pantanal matogrossense através da criação e ampliação de unidades de conservação da natureza”.
A realização de consultas públicas para a ampliação da superfície de áreas protegidas no Pantanal deveria ser motivo para festa! No entanto, uma análise mais atenta do material divulgado no site do Instituto permite verificar que a proposta é, em grande parte, irrelevante.
Com efeito, ela inclui uma ampliação da área do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense que não aporta nada novo nem muito necessário, uma ampliação importante e valiosa da Estação Ecológica de Taiamã, e a criação de duas grandes unidades novas, a Reserva de Fauna do Pantanal e o Refúgio de Vida Silvestre da Onça Pintada. Estas duas são, no mínimo, estranhas. E isso era de se esperar pois, com exceção da ampliação de Taiamã, os estudos e propostas ora apresentados não resultaram do trabalho de campo das equipes do próprio ICMBio, e limitam-se ao Estado de Mato Grosso, não incluindo nenhuma das proposições anteriores feitas por técnicos do próprio órgão que adentravam o estado vizinho de Mato Grosso do Sul, que abarca uma área ainda maior do Pantanal.
Na proposta apresentada para consulta, as áreas delimitadas para a Reserva de Fauna do Pantanal e para o Refúgio de Vida Silvestre da Onça Pintada são classificadas em estudos do próprio Ministério do Meio Ambiente como não tendo prioridade relevante para conservação da biodiversidade do Pantanal, ao passo que outras áreas vizinhas, de prioridade alta e extremamente alta, como a Serra do Amolar, amplamente estudadas e recomendadas para serem incorporadas ao Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, inclusive por trabalho de equipe do próprio ICMBio, não foram consideradas.
É realmente lamentável ver o esforço dos técnicos que participaram desses extensos estudos de campo para proposição de unidades viáveis e ambientalmente relevantes, bem como o custo político envolvido nas negociações feitas, serem desperdiçados em propostas pouco relevantes, exceto pela já citada ampliação de Taiamã.
A Serra do Amolar, uma das regiões mais espetaculares de todo o Pantanal, com população de onças-pintadas significativa, vastas áreas de floresta estacional e constituindo um conjunto montanhoso isolado no centro da planície inundável, não foi incluída na ampliação do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense. A incorporação de toda a Serra do Amolar e terras adjacentes até a fronteira com a Bolívia ao Parque Nacional do Pantanal Matogrossense daria a esta unidade uma relevância ecológica ímpar. O Parque seria a única unidade a proteger simultaneamente Pantanal, Cerrado e Floresta Chiquitana, sem esquecer os campos da morraria. A Floresta Chiquitana não é mencionada como bioma brasileiro, mas está lá. Também criaria uma ligação com a Área Natural de Manejo Integrado San Matias, na Bolívia, estabelecendo, aí sim, um conjunto de áreas protegidas de grande relevância ecológica. É importante lembrar que a Serra do Amolar, em particular as terras que hoje fazem parte das reservas da Fundação Ecotrópica, desde os primeiros estudos para a criação de um parque nacional na região, nos anos 1970, foi considerada como área indispensável para fazer parte de um parque nacional a ser criado ali. Isso só não aconteceu porque desavenças políticas à época impediram a conclusão positiva das negociações que estavam em curso. Além de toda sua importância ecológica, a área sempre foi considerada como o local ideal para ser a sede do Parque, uma vez que reúne todas as condições físicas para tal, com ótimo acesso fluvial e uma pista de pouso operacional durante todo o ano. Estas condições também permitiriam o desenvolvimento de um programa de uso público excepcional.
Do ponto de vista prático, é o momento ideal para se fazer esta ação, uma vez que as reservas privadas já existentes passam por situações que justificam sua incorporação ao parque, com ganhos para todos e, principalmente, para a conservação do Pantanal. Seria essa a responsabilidade com o patrimônio natural brasileiro que gostaríamos de ver.A Fundação Ecotrópica, proprietária da maior parte das RPPNs tem disposição de ceder essas áreas para ampliação do Parque. Isto é decisão do Conselho de Administração da instituição e está registrado em ata da mesma. Ignorar esta situação e abrir mão das áreas mais importantes para serem incorporadas ao Parque Nacional não é uma atitude racional e não há nada que justifique isso.
A proposta do mosaico de unidades de conservação do Pantanal ora apresentada pelo ICMBio tem base técnica muito frágil. As áreas escolhidas não são as mais relevantes e as categorias de manejo definidas não são adequadas. A proposta de mosaico parece ter sido realizada mais para impressionar com números grandes do que efetivamente para se obter a urgente e necessária ampliação qualitativa da área protegida naquele bioma. Considerando o histórico de interesses existentes na região, a proposta parece atender mais as ambições de diferentes atores locais do que a conservação da biodiversidade propriamente dita.
O próprio ICMBio, depois de realizar extenso trabalho de pesquisa na região, com o apoio do IBAMA, da Fundação Ecotrópica, participação de representante da ECOA, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, de promover discussões técnicas com pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso e Embrapa, preparou proposta preliminar e convocou consultas públicas em Poconé (MT) e Corumbá (MS) para discutir a questão, em outubro de 2008. Estas consultas foram canceladas por interferência de pessoas politicamente influentes, que poderiam ter interesses afetados pela ampliação do parque em Mato Grosso do Sul. Em 2013, nova avaliação técnica de campo foi realizada com o apoio do IBAMA, pesquisadores da Universidade de Brasília, da Universidade Federal de Goiás e do ex-dirigente da Ecotrópica. Este estudo refinou e confirmou as conclusões anteriores. Todos aguardavam apenas a definição do ICMBio para a elaboração da proposta e encaminhamentos posteriores. Foram surpreendidos com a publicação do aviso e com o conteúdo da proposta colocada em consulta pública nesse momento. Segundo informações que obtivemos, o mesmo lobby anterior atuou agora para que o ICMBio e o MMA ignorassem, mais uma vez, o trabalho de suas próprias equipes técnicas, ao propor a criação desse mosaico alternativo de áreas protegidas no Pantanal que não inclui nenhum hectare de terras no Mato Grosso do Sul.
Proteger áreas imensas pode ter muito impacto na mídia mas, às vezes, significa muito pouco em termos de conservação da natureza. A “proposta de aumento das ações de conservação ambiental no pantanal matogrossense através da criação e ampliação de unidades de conservação da natureza” apresentada agora pelo ICMBio exemplifica bem uma situação dessas. Seria muito diferente se a proposta tivesse incluído a Serra do Amolar.
De outra parte, no momento econômico vivido pelo País a criação de novas unidades de conservação, que continua sendo medida de fundamental importância, deve ser feita com critérios ainda mais robustos, tecnicamente justificáveis, apostando em categorias de unidades de conservação consagradas, visando priorizar qualidade e viabilidade de conservação e não quantidade de território pura e simplesmente. Apostar nesta fórmula significa tão somente aumentar de maneira inadequada os custos operacionais do ICMBio, sem o devido retorno no alcance dos seus objetivos. É urgente que se reveja o que se está propondo para o Pantanal.
Respeitosamente,
Assinam
1-Maria Tereza Jorge Pádua
2-Peter Gransden Crawshaw Jr
3-Angela Tresinari Bernardes
4-Adalberto Eberhard
5-Carlos Abs Bianchi
6-Reuber Albuquerque Brandão
7-José Truda Palazzo Jr
8-Marc Dourojeanni
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Meu caro PR.PR, depois de 32 anos trabalhando no Pantanal eu tenho a certeza de que não vão ser UCs que vão "salvar" o Pantanal. As UCs têm um papel muito limitado no contexto do ecossistema, e são APENAS uma entre as diferentes estratégias de conservação. Conservação de verdade se faz em escala geografica maior do que algumas centenas de milhares de hectares, em uma planície de mais de 140.000 km2. Sou um defensor das UCs porque elas compõem uma estratégia mais ampla para conservar este ecossistema, mas é preciso lembrar que o Artigo 10 do CF determina que a região inteira é uma área da uso restrito. Portanto, o grosso da conservação quem vai fazer são pessoas que ali vivem. Além de tudo, a conservação do Pantanal depende de como a terra é utilizada fora dele. Acho que passa da hora de acabarmos com essa celeuma e fazer um trabalho sério. Concordo com a representatividade que as UCs devem ter. Também concordo com o argumento de que o processo de seleção e priorização deve ser claro e transparente, cientificamente embasado. Acho que passa da hora de ir todo mundo pra mesa e fazer o melhor. É obrigação fazer bom uso dos recursos públicos.
Aí pra cima tem mais três ambientalistas que vão se juntar aos missivistas que escreveram ao Presidente da República pra protestar contra a ampliação de Unidades de Conservação no bioma Pantanal. Até que se chegue a um consenso entre todos os ambientalistas brasileiros de como a jangada deve ser construída (que áreas prioritárias devem ser protegidas), vamos acabar vendo o Pantanal transformar-se num grande canavial (vamos mofar nessa ilha perdida chamada Ilha das Vaidades). Eita! É pra acabar com o pequi de Goiás!