O ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, pode perder a licença de criador amadorista de pássaros se não apresentar informações sobre os bicudos (Sporophila maximiliani) que não foram encontrados na sua casa, em Brasília. A espécie está em perigo crítico de extinção no Brasil. Na última sexta-feira (24), o Ibama aplicou multa de R$ 54 mil durante fiscalização no criatório de passeriformes na residência de Torres, por, entre outras coisas, a ausência não autorizada das aves.
A possibilidade foi confirmada pelo analista ambiental do Ibama, Roberto Cabral, que participou da operação na casa do ex-ministro. “Pode implicar sim”, conta Cabral a ((o))eco, ao ser questionado se a não apresentação das informações poderia implicar na perda do registro de Torres. “Se essas informações não forem apresentadas, significa então que os animais estão desaparecidos, isso implica em autuação”, acrescenta.
Além da ausência das aves, a multa também foi aplicada por conta de irregularidades como a apresentação de informação enganosa no sistema de controle de fauna – diferença entre o que estava registrado e o que foi encontrado na casa –, segundo informa o Ibram (Instituto Brasília Ambiental), que confirmou o valor da multa.
Como disse a ((o))eco o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, várias aves estavam com problemas relacionados à anilha e registros. A anilha é instalada quando o pássaro é filhote e serve como um documento identificador junto ao órgão ambiental.
De acordo com o Ibama, cerca de 60 aves foram encontradas no criatório localizado na casa do ex-ministro, em Brasília, sendo que uma delas tinha a pata mutilada. Cabral conta que a ave mutilada era da espécie bicudo, assim como a maioria dos pássaros que estavam na casa. Mas também havia entre as aves espécies como curió (Sporophila angolensis); canário-da-terra (Sicalis flaveola); e azulão (Cyanoloxia brissonii).
Entretanto, nenhum dos pássaros foi apreendido, segundo o Ibram, que também participou da ação. O Ibama, por meio de notificação, determinou que fossem apresentadas informações sobre os animais registrados no sistema que não foram encontrados no local. Segundo Cabral, as aves não encontradas são bicudos.
Na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, o bicudo-preto está enquadrado como em perigo crítico de extinção, sendo a ave vítima do tráfico e da perda e degradação de habitats. A maior parte dessas ameaças, porém, também rondam as demais espécies que foram encontradas na casa de Torres, apesar destas não estarem ameaçadas.
Como criador amador, é permitido que as aves sejam mantidas legalmente, desde que respeitados os trâmites legais cabíveis, como o registro regular junto ao Ibama. A criação com finalidade econômica ou comercial é proibida nesta categoria.
Conexão que levou a Anderson
Cabral diz que inicialmente o ex-ministro não era alvo da ação. O nome de Torres surgiu durante ação realizada pelo Ibram no final do ano passado, em outro criatório amador com irregularidades. “Uma anilha encontrada no nome dele que estava lá. Isso levou a gente a verificar o que o Anderson Torres estava fazendo no sistema”, conta.
Essa constatação levou o Ibama a uma análise detalhada do registro de Torres no Sispass (Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros), onde foi descoberto que o ex-ministro tinha transferido recentemente todo o seu plantel – grupo de aves – para o registro da mãe. No sistema, porém, o endereço dos dois registros de criação era o da casa de Anderson, o que é ilegal segundo normativa do Ibama.
“Se você tem dois criatórios no mesmo endereço e um deles está cometendo irregularidades, fica difícil você saber qual deles está cometendo essa irregularidade. A norma já bloqueou essa questão justamente para evitar isso”, explica Cabral. Além disso, tanto a mãe quanto Torres teriam ultrapassado o limite de transferência estabelecido para criadores amadoristas, que é de 35 pássaros, segundo normativa do Ibama.
Possibilidades
Ainda no mesmo endereço de Torres, o Ibama identificou o registro de um criatório comercial. Como mostrou a Agência Pública, o ex-ministro usou a mãe como laranja em uma empresa de “comércio varejista de animais”. Isso porque, segundo mostrou a reportagem publicada nesta segunda-feira (27), a empresa registrada no endereço do ex-ministro é a Criadouro de Bicudos Flautas do Brasil Ltda, que tem como única sócia a mãe de Torres.
O analista ambiental federal do Ibama diz que ainda não há elementos para afirmar o que mostrou a reportagem, mas esclarece que “essa é uma das hipóteses em curso de investigação”, assim como é também o comércio ilegal de aves uma outra hipótese.
“O que seria o normal? Ele ter os animais na casa dele, ser registrado como criador. A mãe dele também poderia ter animal, ser registrada como criadora, e ter os animais dela. Isso seria o normal. Mas não é isso que está acontecendo. A gente está tentando entender e ver as possibilidades do que está acontecendo […] ainda estamos nessa análise”, afirma Cabral.
Por conta das irregularidades encontradas no criatório da residência do ex-ministro, além da multa, a atividade também foi embargada. Segundo o Ibama, Torres irá responder por utilizar animais em desacordo com a autorização obtida, inserção de dados falsos no sistema e mutilação.
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