Notícias

Bomba ambiental: lixão de Teresópolis desabou quatro vezes em 13 anos

Laudos do órgão ambiental aos quais ((o))eco teve acesso mostram que vazadouro recebeu resíduos hospitalares e até restos de produtos de postos de gasolina; chorume nunca foi tratado

Emanuel Alencar ·
28 de junho de 2023 · 1 anos atrás

RIO – Quatro desabamentos de 2005 a 2018 e uma barafunda de resíduos enterrados sem nenhum tipo de cuidado. Antes de virar notícia nacional pela névoa tóxica que espalhou apreensão em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, na segunda-feira (26), o lixão do Fischer, às margens da BR-116, era numa bomba prestes a explodir. Entre os dejetos despejados no sítio, constam, em fotos de inspeções do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) às quais ((o)eco teve acesso, seringas, máscaras cirúrgicas, restos de construção civil e até amostras-testemunhas de gasolina, de postos de combustível – produto que deveria ser incinerado em empresas licenciadas.

Ainda em 2005, o órgão ambiental verificou rompimentos dos taludes – terrenos inclinados que servem para dar sustentação e estabilidade ao solo do entorno –, e seus deslizamentos em direção ao Córrego Fischer. Dois anos depois, o mesmo problema, “comprometendo o corpo hídrico e as casas que margeiam o córrego”. Outros episódios relatados de deslizamentos ocorreram em 2016 e em 2018. Somente em 2015, a prefeitura de Teresópolis foi notificada seis vezes pelo Inea, em função da precariedade do Fischer.

Em 6 de março de 2018, aliás, houve o fechamento do lixão pela Coordenação Geral de Fiscalização (Cogefis), do Inea – medida que seria revertida na Justiça pela Prefeitura de Teresópolis. Fiscais relataram, na ocasião, uma série de precariedades: “O local se transformou em um lixão com a presença de muitos catadores, urubus, e com chorume drenando diretamente para o Rio Fischer”, diz o relatório. A prefeitura argumentou que não tinha recursos para garantir destinação adequada dos detritos e conseguiu uma liminar em tempo recorde: no mesmo dia, o juiz Carlo Artur Basílico, 1ª Vara Cível de Teresópolis, justificou na sentença haver impossibilidade de depósito dos resíduos em outro local.

Ex-secretário do Ambiente do Rio, o deputado estadual Carlos Minc (PSB) diz que prefeitos de Teresópolis jamais se mobilizaram para resolver o problema (foram oito chefes do executivo na cidade serrana na última década). Ele afirmou que vai cobrar do atual prefeito, Vinícius Claussen (PL) avaliação da saúde da população:

“Por causa de gestões criminosas se gerou um grave acidente ambiental e sanitário. As pessoas que estavam mais próximas e ficaram mais tempo expostas a essa fumaça têm que passar por avaliação médica, pois é extremamente tóxica”.

Seringas e material hospitalar descartadas no llixão que se formou em cima do aterro. Foto: Divulgação.

Primeiros depósitos na década de 80

Incialmente uma pedreira, o lixão do Fischer começou a ser utilizado como local de destinação de resíduos ainda no início da década de 1980. Em 1996, uma vistoria feita para o Programa Estadual de Investimentos da Bacia do Rio Paraíba do Sul, detectou sua operação precária, com recebimento de toda sorte de resíduos gerados na municipalidade.

Apenas em 2008 a prefeitura resolveu se mobilizar para resolver o grave passivo ambiental. Um ano depois, numa ação do Estado, era inaugurado o aterro sanitário do Fischer, o primeiro consorciado do Rio, com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A ideia, que acabou naufragando, era receber detritos de Teresópolis, mas também das vizinhas São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro, Carmo e parte de Sapucaia. Em 2015, relatos da imprensa local apontam que o aterro já tinha virado um lixão, sem nenhum cuidado ambiental – na ocasião o prefeito era Arlei Rosa (MDB). O chorume – líquido com alto potencial poluidor, resultante da degradação da matéria orgânica do lixo – jamais foi tratado.

((o))eco questionou o porquê de o prefeito, no cargo há cinco anos, não ter encerrado as atividades do lixão, mas a prefeitura não respondeu. Em nota, o governo de Teresópolis informou “desde 2019 vem trabalhando para resolver de forma definitiva o problema histórico do aterro do Fisher, quando foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica entre a Prefeitura e o Governo do Estado e a empresa BNPetro”, e que “o referido acordo foi suspenso pela empresa em função da pandemia.”

Prossegue a prefeitura:

“Ciente da urgência do tema, a prefeitura vem buscando desde então alternativas para o transbordo do lixo, o que viabilizará o fechamento total do aterro e a implementação da solução definitiva. Em novembro de 2022, um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) foi publicado com objetivo de buscar projetos para a implantação de uma usina de processamento de lixo e geração de energia, garantindo assim a destinação final. O procedimento foi concluído e segue para a realização de audiências e consultas públicas, sendo finalizado através do processo licitatório, que será realizado ainda em 2023”.

A prefeitura não informou sobre os catadores do lixão, nem sobre os moradores do entorno do Fischer.

  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

Leia também

Notícias
27 de junho de 2023

Incêndio em lixão de Teresópolis (RJ) dura mais de 30 horas; fumaça persiste e escolas seguem fechadas

Moradores da cidade relatam cheiro ainda mais forte do que ontem. Prefeitura afirma que incêndio e fumaça diminuíram, e que falta pouco para extinguir o incêndio

Notícias
26 de junho de 2023

Incêndio em lixão de Teresópolis (RJ) cobre cidade com fumaça tóxica

Local, transformado em aterro sanitário em 2009, sofreu com anos de abandono, voltando a funcionar como lixão; despejo de lixo acontece por liminar há 5 anos. Incêndio foi controlado

Reportagens
23 de maio de 2022

Governo não fechou 645 lixões, como afirma Bolsonaro

Cruzamento de dados oficiais e consulta direta a prefeituras mostram ser falso principal anúncio da “agenda ambiental urbana” do governo

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Joaquim Assis diz:

    Faz parte do famoso trinomio “incompetência + criminalidade + corrupção.”