Quando Gustavo Rodrigues Magnago fez a foto de uma pequena borboleta de asas marrons dentro da reserva particular da qual ele é gerente, no Espírito Santo, ele não imaginava que estava diante de uma descoberta. Foi apenas ao compartilhar seu registro na plataforma colaborativa iNaturalist que a foto, ou melhor, a sua localização chamou a atenção dos pesquisadores. A protagonista da fotografia tratava-se de uma Petrocerus catiena, espécie ameaçada de extinção que até então era conhecida apenas em duas localidades no estado do Rio de Janeiro. Graças ao cientista cidadão, foi possível aprofundar os estudos sobre a borboleta e confirmar o primeiro registro para espécie fora do Rio.
A foto foi identificada pelos projetos “Borboletas Capixabas”, do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), e “As borboletas ameaçadas de extinção do Brasil”, da Unicamp, que se dedicam justamente a pesquisar a distribuição geográfica das espécies de borboletas por meio dos registros fotográficos feitos por cientistas cidadãos e compartilhados em redes sociais ou plataformas como a iNaturalist. Cabe aos pesquisadores dos projetos revisarem a identificação da espécie, buscar as coordenadas geográficas e organizar esses dados de ocorrência, o que permite ampliar o conhecimento sobre as borboletas no Espírito Santo.
O clique de Gustavo foi feito em dezembro de 2022, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Reserva Kaetés, no município de Castelo, na região das serras capixabas, a 1.100 metros de altitude. Antes disso, a borboleta era conhecida apenas nos municípios fluminenses de Petrópolis e Nova Friburgo. Todas as localidades estão inseridas na Mata Atlântica.
Ao se depararem com o registro da borboleta, os pesquisadores entraram em contato com Gustavo para verificar com precisão as coordenadas geográficas. A equipe do INMA e da Unicamp aprofundou os estudos, com pesquisa em seis coleções científicas, privadas e públicas, onde estão depositados 19 exemplares dessa espécie. Além de confirmar o ineditismo desse registro em solo capixaba, os pesquisadores conseguiram fazer pela primeira vez a descrição de uma fêmea da espécie.
As descobertas relativas à P. catiena foram descritas em artigo publicado na revista científica Journal Insect Biodiversity. O cientista cidadão é um dos autores da pesquisa.
A ampliação da distribuição da borboleta pode resultar numa mudança no status de conservação da espécie, atualmente classificada como Em Perigo na lista nacional. Para fazer esta avaliação, foi considerada a área de ocupação conhecida até então, menor que 10km², reduzida a populações isoladas e sob forte pressão antrópica. Com o novo registro, a área de ocupação sobe para 16km².
Os novos dados também ampliam significativamente a extensão estimada de ocorrência, que consideram toda a área entre as localidades que a espécie foi de fato encontrada. Os pesquisadores apontam que a borboleta pode ocorrer em outras áreas montanhosas com vegetação semelhante entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
“Os resultados encontrados ressaltam a importância da ciência cidadã na ampliação do conhecimento científico, especialmente para as espécies ameaçadas de extinção. É como se o pesquisador tivesse olhos espalhados por todo o país e o tempo todo. A possibilidade de encontrar algo novo e raro é muito maior”, destaca a pesquisadora Laura Braga, do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA).
Leia também
Borboleta-guerreira-das-pedras: uma nova espécie nas serras de Minas Gerais
A espécie recém-descrita corresponde a um novo gênero e foi encontrada apenas nas montanhas desprotegidas do leste mineiro, já sob ameaça de extinção →
Borboletas de milhar: a biodiversidade recordista do Cristalino
Levantamento realizado com apoio da ciência cidadã registra 1.010 espécies de borboleta no Cristalino Lodge, em Mato Grosso. É a maior lista já publicada para uma localidade no Brasil →
Eu fazendo ciência?! Um olhar sobre a ciência cidadã
A ciência cidadã possibilita a interação entre pesquisadores e cidadãos, que despertam um novo olhar para o meio em que vivem e promovem a ciência →