A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR) considera inconstitucional a lei estadual nº 1.089/2021, que desafetou cerca de 220 mil hectares – uma área maior que a cidade de São Paulo – de duas unidades de conservação em Rondônia. O colegiado encaminhou uma representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem cabe uma possível arguição de inconstitucionalidade/descumprimento de preceito fundamental contra a lei sancionada em maio deste ano e que mutilou os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, reduzida de 191 mil a apenas 22 mil hectares; e do Parque Estadual Guajará-Mirim, que perdeu outros 50 mil hectares.
“Compreende-se que a Lei Complementar n. 1.089/2021 violou frontalmente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o direito à propriedade e a estipulação de sua necessária função socioambiental, a proteção conferida pelo texto constitucional aos atributos que justificam a criação de espaços territorialmente protegidos, o dever fundamental de produzir e publicar avaliações ambientais sobre políticas públicas e atos administrativos com impacto sobre o meio ambiente, calcado no direito fundamental ao meio ambiente sadio e nos princípios da prevenção e da precaução, bem como o princípio da vedação ao retrocesso. Além disso, violou os artigos 215, 216 e 231 da Constituição Federal, ao permitir a violação do direito de povos e comunidades tradicionais aos respectivos territórios, em especial sem consulta prévia, livre e informada precedendo o ato legislativo atacado”, descreve o texto da 4CCR encaminhado ao procurador-geral da República.
A representação do colegiado destaca ainda que a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual de Guajará-Mirim foram criados em áreas de propriedade da União Federal, destinadas ao Estado de Rondônia para a implementação vinculada de unidades de conservação e que o estado não tem atribuição para desafetar as áreas, “dando ao patrimônio alheio destinação distinta daquela definida pela efetiva proprietária”. E lembra que o Brasil recebeu um empréstimo de US$167 milhões do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) em 1993 para financiamento do Plano Agropecuário e Florestal do Estado de Rondônia, que incluiu a criação das UCs.
Junto com a redução, a lei nº 1.089/2021 criou cinco unidades de conservação ainda não implementadas que somam cerca de 120 mil hectares, o que equivale a 54% da área desafetada, como medida de compensação. “Partiu-se do pressuposto, não comprovado tecnicamente, de que a mera criação de novas unidades de conservação compensaria os impactos a serem produzidos ao meio ambiente. Essa premissa, contudo, não é verdadeira, seja porque não existem estudos a demonstrá-la, seja porque, mesmo com as novas unidades de conservação, haveria um déficit total de quase 100 mil hectares de áreas protegidas”, aponta o texto do colegiado que classifica a lei como um “tiro no escuro” (leia na íntegra o texto da 4CCR).
Poucos dias após sancionada, o Ministério Público do Estado de Rondônia entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei nº 1.089/2021. A ação ainda está em tramitação no Tribunal de Justiça de Rondônia e aguarda deliberação.
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