Entidades civis protocolaram ontem (5) um pedido para que órgãos do Governo do Mato Grosso ajam rápida e efetivamente para prevenir e conter incêndios que há duas semanas devoram o Parque Estadual do Cristalino II, um grande abrigo de biodiversidade na região Centro-Oeste.
O requerimento pede a inclusão da área protegida num plano de prevenção e combate ao fogo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à União, em março. A medida veio após o julgamento de uma ação da Rede Sustentabilidade sobre queimadas na Amazônia e no Pantanal.
Conforme as ongs que assinam o pedido, Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Observatório Socioambiental do Mato Grosso (Observa/MT) e Rede Pró Unidades de Conservação (Rede PróUCs), os mais de 7 mil ha já queimados no Parque do Cristalino aumentam em 40% a queima da área protegida sobre o registrado em 2022.
Segundo essas entidades e o Ministério Público Federal (MPF), um dos combustíveis de tamanha destruição é a disputa judicial por terras na unidade de conservação, envolvendo uma empresa cujo sócio seria um “laranja” do maior desmatador da Amazônia.
Em abril e atendendo interesses de agropecuaristas, o Tribunal Estadual de Justiça extinguiu o Parque Estadual Cristalino II. Mostramos que o Ministério Público Estadual tenta reverter a decisão, bem como a Advocacia Geral da União, mas o processo está parado no judiciário estadual.
A reserva é há décadas alvo do agro, mineração, madeireiras e especulação imobiliária. Os conflitos incharam com a decisão por sua extinção e com a morosidade de uma batida de martelo judiciário. Parques estaduais como das serra de Ricardo Franco e Santa Bárbara sofrem pressões similares.
“É um escândalo mesmo”, conclui a advogada do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Bruna Bolzani.
Além do torrado na área que deveria ser protegida, cujas chamas teriam iniciado na região do Rio Nhandú – em terras em disputa na unidade de conservação, dizem as ongs –, outros 10 mil ha foram perdidos no entorno do parque estadual.
“Há um cenário conflituoso de interesses entre a preservação ambiental e aqueles que invadiram uma terra pública e que buscam a todo custo uma consolidação antrópica da região”, destaca a consultora jurídica do Observa/MT, a advogada Edilene Amaral.
Nesse sentido, ela analisa que é sempre mais difícil responsabilizar o uso indiscriminado do fogo do que crimes como o desmatamento ilegal. “O fogo é a forma mais rápida de abrir áreas sem ser responsabilizado”, alerta Edilene Amaral.
A prática reforça a constatação. Em agosto, investigações federais sobre o “Dia do Fogo”, série de incêndios programados em Novo Progresso (PA), em 2019, foram arquivadas sem ninguém ter sido indiciado ou denunciado pelo destrutivo episódio.
Biodiversidade calcinada
Edilene Amaral (Observa/MT) descreve que os incêndios e sua fumaceira cobrem fazendas e cidades vizinhas, amplificam a crise climática global, bem como afugentam e matam animais e plantas. Mas, os prejuízos podem ser bem maiores.
Caso o Cristalino II seja varrido do mapa, cientistas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) estimaram que 12 mil espécimes de macaco-aranha-de-cara-branca abrigados no parque podem morrer. Sem contar inúmeras outras espécies amazônicas.
“Ações como essa [incêndios] não causam só uma imensidão de danos ambientais, elas têm como objetivo o acirramento dos conflitos fundiários e a ampliação de áreas abertas”, analisa a advogada. Em 2022, a grilagem de terras somou 74% das terras do Cristalino II, revelou ((o))eco.
As chamas que devoram o Cristalino II e outras unidades de conservação são turbinadas pela crise do clima. O Monitor das Secas da Agência Nacional de Águas (ANA) aponta que a Região Norte é a mais impactada pela seca extrema. Nessa quinta-feira (5), Dia da Amazônia, o bioma segue vítima de incêndios catastróficos, com rios esvaziados de suas águas.
“Desmatamento, queimadas e outras formas de degradação do ecossistema amazônico já causam mudanças na floresta, a sua capacidade de captura de dióxido de carbono não é infinita. Quanto mais destruirmos a natureza, menos chuva e rios abundantes teremos”, diz Daniel Silva, especialista em Conservação do WWF-Brasil.
*Com informações do Formad/MT.
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