Mundo afora, as espécies invasoras são uma das maiores ameaças à biodiversidade nativa, seja pela competição por comida e território ou pela própria predação. No Brasil, até mesmo no cotidiano das cidades, é possível avistar alguns desses exemplos, como pombos e ratos-pretos. No entanto, estes animais invasores dominaram muito mais do que a selva de pedra, e hoje já ocupam mais da metade do total de unidades de conservação administradas pelo governo federal.
No início deste ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor dessas áreas, divulgou a Lista de Espécies Exóticas Invasoras em Unidades de Conservação Federais. Estes animais e plantas de origens distintas – muitas delas bem distantes do Brasil – se adaptaram a novos lares nos biomas brasileiros. São mais de 2.300 registros de um total de 290 espécies invasoras da fauna e flora espalhados em mais de 200 unidades de conservação (UCs) federais pelo país.
As espécies exóticas invasoras – quase sempre – são resultado de dispersão acidental ou intencional de atividades humanas. Sua capacidade para se adaptar ao novo ambiente, facilitada às vezes pela ausência de predadores ou de competição naquele local, põe em risco a biodiversidade nativa a partir de fatores como a predação, competição e até transmissão de doenças.
((o))eco apresenta abaixo as oito principais espécies invasoras da fauna presentes em unidades de conservação federais do Brasil. Confira a lista:
1. Abelha-europeia (Apis mellifera)

Ela tem o mel – por isso mesmo veio para cá. As primeiras colônias de abelhas-europeias foram trazidas para o Brasil em 1839, importadas de Portugal, dando início à apicultura no país. O levantamento do ICMBio mostra que esta é a espécie de fauna invasora presente no maior número de UCs federais (108) e em quase metade de todas as áreas monitoradas (47,6%).
Com tamanho entre 12 e 13 milímetros, menor que um dedão, este inseto possui a tradicional coloração de faixas pretas e amarelas no abdômen, cobertas de pelos no tórax. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), a abelha-europeia é a espécie de abelha mais presente no Brasil, assim como a mais conhecida no mundo.
A invasora compete com as cerca de 250 espécies de abelhas nativas que existem no país. As brasileiras também produzem mel, não possuem ferrão – ao contrário da europeia – e contribuem para a polinização das plantas nativas. Como consequência, a dominação do território por parte das abelhas-europeias prejudica também o ciclo de reprodução de diferentes espécies da flora brasileira.
2. Pardal-doméstico (Passer domesticus)

Com origem no Oriente Médio, o carismático pardal-doméstico foi trazido para o Brasil na primeira década do século XX para controle biológico de insetos. No entanto, o paladar desta pequena ave é variado, o que lhe permitiu se adaptar plenamente às áreas urbanas por todo o território nacional. Pesquisas indicam que a espécie se beneficia da presença humana, alimentando-se de restos de comida e sementes.
Além de colonizar as cidades brasileiras, o pardal-doméstico já foi registrado em 85 UCs federais – mais de um terço das áreas protegidas listadas. A espécie também se destaca devido a alta taxa de reprodução, capaz de criar até quatro ninhadas por temporada, com quatro a cinco ovos por vez.
Fora do Brasil, estudos indicam que o pardal-doméstico pode não ser tão afável quanto sua aparência sugere. Pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, apontam que esta ave demonstra comportamento agressivo com seus competidores, destruindo ovos daqueles em ninhos já consolidados, e até mesmo eliminando a fêmea incubadora.
3. Camundongo (Mus musculus)

O camundongo representa uma ameaça maior do que seu tamanho sugere. Além de ser vetor para doenças transmissíveis como hantavirose e leptospirose, o camundongo representa uma praga para plantações e uma ameaça à biodiversidade nativa. Medindo em média 20 centímetros, este pequeno roedor já se encontra presente em 70 UCs federais, a maior parte delas no nordeste e sudeste do Brasil.
É nas ilhas, entretanto, que o roedor causa o maior estrago. Possivelmente de carona em navios, os camundongos chegaram até mesmo em santuários marinhos como o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas. Sua invasão é uma ameaça ainda maior para as aves nativas.
Espalhados pelo mundo, o camundongo protagoniza um drama na Ilha Marion, na África do Sul, onde nos últimos anos o roedor passou a atacar espécies ameaçadas como o albatroz-errante (Diomedea exulans).
4. Lagartixa-doméstica (Hemidactylus mabouia)

Considerada uma aliada no controle de mosquitos nos lares brasileiros, a lagartixa-doméstica é outra espécie invasora que se beneficia do convívio com seres humanos, mas que nem por isso representa uma ameaça menor à biodiversidade nativa. Presente em 69 UCs federais, esta espécie pertence ao grupo dos gekkos – um gênero de lagartixas originário do sudeste asiático.
Este pequeno réptil mede entre dois e onze centímetros, e sua dieta é baseada principalmente em pequenos insetos. A fêmea gera dois ovos por ninhada. Acredita-se que a lagartixa chegou no país a bordo de embarcações, com seu primeiro registro em solo brasileiro em 1945. Desde então, a invasão da espécie já se estendeu a todos os biomas brasileiros.
Um estudo apresentado por pesquisadores do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) em 2019 aponta que a lagartixa-doméstica já possui a maior dispersão do que qualquer outro gekko nativo do país, o que pode significar uma pressão cada vez maior na competição por recursos em ambientes naturais.
5. Pombo-comum (Columbia livia)

No asfalto, no topo dos edifícios e, até mesmo, nas unidades de conservação, o pombo-comum é tido como uma das espécies mais hábeis quando se trata da colonização de territórios. Com origem na Europa e no Mediterrâneo, esta ave aprendeu a se beneficiar dos ambientes urbanos, onde há fartura de alimentos. Estima-se que sua vinda ao Brasil tenha sido ainda no século XVI, como fonte de comida dos portugueses.
O ICMBio identificou a presença do pombo-comum em 61 Unidades de Conservação distribuídas em quase todos os estados brasileiros, com concentração maior no Rio de Janeiro (13). Os pombos são grandes reservatórios de patógenos, o que faz deles um risco ambulante de transmissão de doenças para humanos e animais. Como a salmonella, a criptococose (infecção pulmonar) e, para os predadores que comem sua carne crua, a toxoplasmose.
6. Rato-preto (Rattus rattus)

O rato-preto é mais uma grande ameaça à biodiversidade nativa. Adaptado ao contexto urbano, engana-se quem pensa que este roedor se limita às cidades. O rato invasor já foi registrado em 60 UCs federais, inclusive em plena Amazônia, como no Parque Nacional do Jaú (AM).
Como qualquer invasor, o roedor traz um risco ainda maior em ilhas, como no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). Em 2018, foi realizada a primeira iniciativa exitosa de erradicação de roedores em uma das ilhas do arquipélago, a Ilha do Meio. Em 2023, foi a vez da Ilha Rata, batizada assim justamente pela ocupação do invasor. Exterminar os ratos é uma das ações de uma iniciativa de restauração ecológica em andamento na ilha para recuperar a vegetação – que também foi degradada pelo rato. O roedor põe em risco ainda a sobrevivência de espécies nativas. Uma delas é a mabuia (Trachylepis atlantica), um lagarto de cauda longa exclusivo de Noronha e que faz parte do cardápio do roedor, assim como os ovos de aves endêmicas e ameaçadas da ilha, o sebito (Vireo gracilirostris) e a cocoruta (Elaenia ridleyana).
7. Tilápia-do-congo (Coptodon rendalli)

A tilápia-do-congo tem origem africana e foi inicialmente trazida para o Brasil ainda na década de 1950, sendo a pioneira entre as tilápias que chegaram ao país. Sua vinda foi patrocinada pela Secretaria de Agricultura de São Paulo com o objetivo de repovoar as represas das hidrelétricas com peixes e controlar o crescimento das algas que entupiam as turbinas. Rapidamente a espécie se espalhou e adentrou os rios brasileiros, e hoje já ocorre em 50 UCs federais.
Resiliente e territorialista, a tilápia é um problema para a proteção da biodiversidade aquática, competindo por recursos com espécies nativas. Sua alta taxa de reprodutibilidade a coloca como um peixe dominante por onde ela se encontra. Apesar de ser uma espécie originalmente de água doce, pesquisadores já identificaram que ela possui certa resistência à salinidade e até mesmo águas poluídas.
8. Garça-vaqueira (Bubulcus ibis)

A garça-vaqueira, além de invasora no Brasil, é peculiar até mesmo entre a família das garças. Diferentemente da nativa garça-branca-grande (Ardea alba), que se alimenta principalmente de peixes, a vaqueira prefere insetos e pequenos invertebrados como o carrapato, comuns no corpo do gado em áreas de pastagens – o que rendeu a ela seu nome popular. Ao todo, a garça-vaqueira ocupa 48 UCs federais. Embora não haja um consenso quanto a chegada da espécie às Américas, seu primeiro registro no Brasil foi na Ilha de Marajó, no Pará, em 1965.
Originada do norte da África, a garça-vaqueira é encontrada na companhia de grandes mamíferos herbívoros, a exemplo de elefantes e hipopótamos. Esta ave, que chega até 53 centímetros de comprimento, alimenta-se dos insetos que os rodeiam e estabelecem assim uma relação de benefício mútuo com estes animais de grande porte. Em solo tupiniquim, a espécie desenvolveu relação similar com o gado e ocorre em abundância em regiões como o Pantanal.
Ao mesmo tempo em que ajuda o gado, a garça-vaqueira representa também uma ameaça à biodiversidade genuinamente brasileira. Sua predação de insetos nas pastagens põe em risco o equilíbrio ecossistêmico, competindo por recursos com espécies nativas que também se alimentam de insetos. Pesquisadores também alertam para o fato de que esta garça também ocupa áreas de reprodução de aves marinhas e já foi avistada predando uma espécie de lagarto endêmico ao arquipélago de Fernando de Noronha (Euprepis atlanticus).
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Faltaram gatos e cães domésticos. Ou ferais. Provavelmente entre as piores invasoras
Os cães e gatos domésticos são de fato espécies invasoras que trazem grandes prejuízos à biodiversidade. A lista, entretanto, foi feita com base nas 8 espécies presentes no maior número de UCs federais, conforme listado pelo ICMBio no início do ano.
Faltou a tilápia do Nilo, pois em escala muito maior, é um dos piores peixes invasores do mundo e no Brasil é incentivado o cultivo em águas públicas e quase todos os biomas do Brasil.
É verdade, Mario. Essa lista foi feita com base nas 8 espécies presentes no maior número de UCs federais, conforme listado pelo ICMBio no início do ano. A tilápia-do-nilo aparece na 10ª posição na lista, por isso não incluímos ela aqui
E o javali foi esquecido???
Tem dado enorme prejuizo, fora o perigo para quem.tenta caça lo
Oi Adriana, o javali está na lista também e é uma espécie invasora bem problemática mesmo, você está certa. Mas nesse texto nos concentramos nas 8 espécies registradas em mais UCs federais de acordo com a lista do ICMBio. E são essas que listamos acima
Oi Adrina, o javali definitivamente é uma espécie invasora bem problemática e já foi registrada em várias UCs, mas nesse texto nos concentramos nas 8 espécies com registros no maior números de UCs federais do país, conforme a lista divulgada pelo ICMBio, e são essas oito aí em cima mesmo