Entre as montanhas que emolduram o município serrano de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, ao norte se destaca uma formação que se assemelha a um farol, com paredões rochosos praticamente verticais. A “sentinela de pedra”, como foi batizada pelos tropeiros que se aventuravam para o interior à procura de ouro e pedras preciosas, hoje é conhecida como Maria Comprida, uma referência insólita ao seu comprimento, exatos 1.926 metros de altitude. A proteção deste notável gigante é o coração da proposta de criação de uma nova área protegida estadual fluminense: o Monumento Natural da Serra da Maria Comprida.
A criação do monumento natural está em pauta no Projeto de Lei nº 3209/2020, de autoria do deputado estadual Carlos Minc (PSB), e será tema de consulta pública online nesta quinta-feira (15), às 16 horas. O evento é organizado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ) em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). O projeto prevê que a unidade de conservação protegerá um território de 10.059 hectares ao norte do município de Petrópolis, mas a consulta permitirá ouvir a população local e outras partes interessadas, para que auxiliem na definição da localização, dimensão e dos limites mais adequados para a área protegida.
Além disso, manifestações sobre a criação do Monumento Natural (Mona) poderão ser realizadas até o dia 30 de julho por meio de formulário online disponível no site do Inea (acesse aqui).
Um aspecto ressaltado no projeto da unidade de conservação (UC) é que, apesar de ser de proteção integral, o Monumento Natural não implica em desapropriação de terras particulares, o que diminui o impacto da criação aos cofres públicos do estado. Uma vez criado o Mona Maria Comprida, caberá ao Inea celebrar um termo de compromisso com os proprietários de terras dentro dos limites da UC, com os direitos e deveres de ambas as partes, para compatibilizar as atividades desenvolvidas com os objetivos da área protegida.
Autor do projeto de lei, Minc explica que a proposta de criação do Mona Maria Comprida veio de ambientalistas e montanhistas. “Lá tem montanhas lindíssimas e a ideia é estimular o ecoturismo, além de proteger nascentes e corredores florestais. Este tipo de unidade de conservação não é um parque, ou seja, não há desapropriação e não impede que exista uma pousada, um restaurante… Impede obviamente grandes construções, indústrias poluidoras, o desmatamento. E garante o acesso público a essas áreas, estimula o montanhismo e a criação de empregos verdes através do turismo”, conta ao ((o))eco o parlamentar.
“Já houve muita discussão sobre esta unidade de conservação, com o Inea, com o secretário do Meio Ambiente, Thiago Pampolha [PDT-RJ], e a proposta está bem amadurecida, então acho que vai haver uma aprovação pleníssima, talvez com apenas pequenos ajustes na proposta que está no projeto de lei. Tenho uma ótima expectativa em vista das nossas negociações, e acho que lá para agosto, setembro estará criada a unidade”, avalia o deputado estadual.
Situado na cadeia montanhosa da Serra do Mar, o Monumento Natural irá proteger outros gigantes de pedra, como o Morro do Cuca, com 1.860 metros, num total de 22 picos com mais de 1.000 metros de altitude, sendo a Maria Comprida o ponto mais alto entre eles.
Diversos pontos da área proposta para o Monumento Natural Serra da Maria Comprida já recebem visitantes, como os poços e as cachoeiras da Rocinha e do Vale das Videiras, além de trilhas que levam para a Pedra da Maria Comprida, Pedra da Cuca, Palmares e Morro da Mensagem, e travessias mais longas, como Araras x Secretário. Além da caminhada, a escalada e o ciclismo (realizado nas estradas do entorno) também são atividades já desenvolvidas na região.
Hugo de Castro, montanhista e atual presidente da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso, é um dos principais atores por trás do projeto de criação do Mona Maria Comprida e reforça a importância de destacar que essa é uma iniciativa dos montanhistas, ou seja, da sociedade civil.
Ele explica que começou a frequentar a região no início dos anos 2000 e se apaixonou pela região. “Acabei conhecendo cada cantinho dessa serra maravilhosa, mas também me deparei com muitos problemas, como a especulação imobiliária desordenada e sem critérios para preservar o patrimônio paisagístico da região, desmatamento, caça e muitos incêndios. Por conta disso, comecei a escrever um projeto para converter o território da Serra da Maria Comprida e arredores em uma unidade de conservação da natureza pela alta relevância dos serviços ecossistêmicos, pelo aspecto paisagístico ímpar e para o desenvolvimento socioterritorial sustentável da região”, lembra em conversa com ((o))eco.
Hugo se uniu então a outros dois montanhistas, Julian Kronenberger e Bernardo Eckhardt, que compartilhavam dessa vontade de ver a Serra da Maria Comprida protegida, e em meados de 2020, o trio entregou uma proposta inicial ao gabinete do deputado. “Foi feita uma apresentação para o Inea, que também abraçou totalmente o projeto e desde então tem trabalhado incansavelmente reavaliando e levantando novas informações”, acrescenta Hugo de Castro.
O território proposto para o Mona está sobreposto à Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Serrana de Petrópolis, categoria de unidade de conservação de uso sustentável. Com a criação do Mona, que é de proteção integral, aumenta portanto o grau de preservação legal da área, que faz parte da bacia do rio Piabanha, afluente da margem direita do rio Paraíba do Sul. O projeto destaca ainda que a Maria Comprida está dentro do território reconhecido pela Unesco como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, o que atesta a importância da conservação do local.
Entre os objetivos do monumento natural proposto estão: proteger a montanha Maria Comprida; fortalecer o corredor ecológico central da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro; preservar ambientes de campos de altitude e espécies endêmicas, nativas e ameaçadas de extinção que ocorrem na área; proteger córregos e cachoeiras; fomentar o turismo, a educação ambiental, pesquisa e o montanhismo; fortalecer o combate e prevenção a incêndios florestais; e até mesmo resguardar um trecho da Estrada Real aberto em 1723.
“Por um lado, a área-alvo apresenta montanhas e vales que são verdadeiros monumentos naturais devido a imponência e beleza ímpar, cuja expressão máxima é a Montanha da Maria Comprida, que empresta o nome a unidade de conservação, ao qual se somam a presença de florestas, campos de altitude e riachos com águas límpidas, tornando o espaço um atrativo natural de valor extraordinário. Pelo outro, a categoria permite, sob administração pública do território, promover e estimular maior engajamento dos proprietários rurais na recuperação, proteção e uso sustentado do patrimônio natural e da paisagem”, pontua o levantamento técnico realizado para embasar o projeto de lei e a criação do Mona.
Área de domínio da Mata Atlântica, a nova unidade de conservação abrange importantes ecossistemas de campos de altitude e de vegetação rupícola – formada pelas plantas que vivem nos paredões rochosos e que formam tapetes verdes sobre a rocha –, além de zonas de floresta, nas porções mais baixas, como o interior de vales e encostas.
Nos campos de altitude acima de 1.600 metros de altitude, na parte superior do Morro do Cuca e montanhas adjacentes, em apenas 46 hectares foram encontradas 227 espécies de plantas, dentre as quais seis endêmicas: a rabo de galo ou flor-da-imperatriz (Worsleya rayneri), cravina-do-campo (Prepusa coronata), o bambu (Glaziophyton mirable), duas mini-bromélias (Tillandsia grazielae e Tillandsia reclinata) e uma bromélia (Pitcarnia glaziovii).
Com relação à fauna, na região do Mona Maria Comprida, destacam-se a provável ocorrência de animais como a onça-parda, jaguatirica, cachorro-do-mato, caititu, bugio e jacu. Não existem estudos específicos para fauna da área, mas o estudo que embasa o projeto de lei destaca o tamanho da unidade de conservação (mais de 10 mil hectares), as diferenças altimétricas, e presença de habitats terrestres e fluviais em bom estado, e aponta que é possível estimar uma fauna rica e diversificada. “Dentre as espécies ameaçadas, podem ocorrer as aves azulão (Cyanocompsa brissinii), tapaculo-pintado (Psilorhampus guttatus), gavião pega-macaco (Spizaetus tyrannus) e araçari-banana (Pteroglossus bailloni)”, descreve o estudo.
A criação do Monumento Natural pode ser uma ferramenta para ajudar a combater uma das principais ameaças à biodiversidade local: os incêndios florestais. Além disso, outros problemas ambientais identificados na serra são a coleta ilegal de plantas ornamentais, a erosão de estradas e trilhas, lixo e presença de espécies vegetais invasoras, como a samambaia feto-comum (Pteridium aquilinum).
Na vizinhança da área proposta para o Monumento Natural estão outras unidades de conservação, como o Mona da Pedra do Elefante e o Parque Natural Montanhas de Teresópolis, ao leste; o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e o Parque Estadual dos Três Picos, ao sudeste; e a Reserva Biológica Nacional do Tinguá e a Reserva Biológica Estadual de Araras, ao sul. Para facilitar a implementação da Maria Comprida, o estudo sugere que a equipe da Reserva Biológica de Araras, também gerida pelo Inea, possa auxiliar na administração do Mona nos anos iniciais.
Serviço:
O que: Consulta pública sobre criação do Monumento Natural Estadual Maria Comprida
Quando: Quinta-feira, 15 de julho, às 16 horas
Onde: Canal do Inea no Youtube
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