Em pauta desde o ano passado, deputados da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia votaram na última terça-feira (20) a aprovação, com emendas, do polêmico Projeto de Lei Complementar (PLC) que reduz em 171 mil hectares a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, o equivalente a uma perda de 89% do território protegido, além de alterar os limites do Parque Estadual de Guajará-Mirim. Para “compensar”, o texto também criou outras cinco unidades de conservação no estado. O projeto, aprovado em dois turnos pelos deputados estaduais, agora vai à sanção do governador, o coronel Marcos Rocha, que é o próprio autor do PLC. Desde o início, o projeto foi alvo de muita discussão, principalmente pela redução da reserva extrativista, justificada para regularizar a situação fundiária de produtores rurais, mas que ambientalistas e lideranças comunitárias apontam como uma forma de premiar a invasão de terras públicas e a transformação da floresta em pasto, além da violenta expulsão dos seringueiros, os tradicionais moradores da reserva.
A primeira tentativa de votação do PLC nº 80 na Assembleia ocorreu na semana anterior, mas não houve consenso entre os parlamentares sobre as emendas necessárias e o texto foi retirado de pauta a pedido do próprio governo do Estado. De volta à pauta na última terça-feira, foi votado às pressas e aprovado – com cinco emendas de autoria coletiva – em dois turnos, com maioria de 17 e 18 votos favoráveis respectivamente (são 24 deputados).
As emendas ainda não foram disponibilizadas na íntegra na página de tramitação da PLC 080 da Assembleia Legislativa, portanto, para ter acesso às emendas aprovadas, ((o))eco precisou acompanhar a íntegra da sessão que votou o projeto.
De acordo com o deputado estadual Ezequiel Neiva (PTB), a velocidade na tramitação teve um motivo: a Cúpula do Clima, realizada nos dias 22 e 23 de abril, onde líderes mundiais, entre eles do Brasil, reuniram-se para discutir a emergência climática e a agenda ambiental. “Estamos tendo hoje uma das últimas oportunidades de estarmos votando um projeto de tamanha relevância. Escutem bem: uma das últimas oportunidades, haja vista que em muitos poucos dias estará acontecendo a grande Cúpula do Clima”, comentou o deputado.
No início de dezembro de 2020, a Assembleia organizou uma audiência pública para discutir o projeto, onde foram apontados os principais problemas do PLC nº 80: a falta de consulta pública nos municípios e comunidades afetadas e a ausência de critérios técnicos. Devido a pandemia, houve limitação da participação de pessoas na audiência, o que também foi uma crítica ao processo.
A Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná fica entre os municípios de Porto Velho, Campo Novo de Rondônia e Nova Mamoré. A unidade de conservação de uso sustentável foi criada em 1996 com 205 mil hectares – depois reduzida para 193 mil – justamente para garantir a proteção das áreas ocupadas por populações tradicionais da floresta das “grandes pressões de atividades predatórias” que acarretam em “perdas irreversíveis dos recursos florísticos, faunísticos e acirrando conflitos sociais”.
Atualmente estima-se que existem cerca de 120 mil cabeças de gado no interior da Resex e somam-se mais de 100 ações contra invasores individuais. ((o))eco documentou o conflito na resex Jaci-Paraná entre seringueiros e pecuaristas, e a expulsão dos moradores tradicionais, em uma reportagem feita em 2018.
A proposta aprovada pelos parlamentares reduz a área protegida em cerca de 89%. A unidade ficará com apenas 22 mil hectares de extensão.
O Projeto de Lei Complementar também altera os limites do Parque Estadual de Guajará-Mirim, situado entre os municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim, com a retirada de cerca de 55 mil hectares da área protegida, terras que estariam ocupadas por produtores rurais, conforme alegam os deputados. O texto original previa uma redução de apenas 14 mil hectares, parcialmente compensada pela inserção de outros 4.906 hectares, numa área conhecida ironicamente como “o bico do parque”, mas a adição foi barrada por emenda dos parlamentares que, em outra emenda, incluíram a remoção adicional de 41 mil hectares para contemplar a região conhecida como Terra Roxa. Com isso, o parque é reduzido de 207 a 152 mil hectares.
Além da desafetação, o projeto cria outras cinco áreas protegidas: o Parque Estadual Ilha das Flores, com 89.789 hectares; o Parque Estadual Abaitará, com 152; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, com 1.678; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, com 18.000; e a Reserva de Fauna Pau D’Óleo, com 10.463 hectares. Somadas, as novas unidades representam aproximadamente 120 mil hectares de área protegida no estado. O texto original incluía uma sexta unidade de conservação, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado, com 7.890 hectares, retirada em uma das emendas aprovadas em consenso na Assembleia.
Nesta sexta-feira (23), a Força-Tarefa de Combate a Queimadas e Incêndios Florestais do Ministério Público do Estado de Rondônia (MPRO) encaminhou à Procuradoria-Geral de Justiça um pedido para análise de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Projeto de Lei Complementar nº 80. Os integrantes da Força Tarefa lembram que a Constituição Federal possui dispositivos que garantem a proteção ao meio ambiente e que não podem ser ignorados e infringidos pelo legislador. Dentre os mandamentos constitucionais que não podem ser reduzidos encontram-se a proteção à fauna e à flora, bem como os espaços territoriais especialmente protegidos, impossibilitando qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Organizações socioambientais repudiam decisão
Uma Nota de Repúdio assinada por 21 organizações socioambientais condenou a decisão dos parlamentares em reduzir as duas unidades de conservação e criticou a falta de transparência da Assembleia. “A reserva extrativista de Jaci-Paraná ficará praticamente extinta. Dos 193 mil hectares existentes, sobrarão apenas 22 mil, pouco mais de 10% da área original. O parque estadual de Guajará-Mirim perderá 55 mil hectares, num corte que atingirá inclusive a sede da unidade de conservação, que ficará de fora da área preservada. Os números ainda são estimados. Não houve transparência nessas informações e ainda não estão claros os novos limites propostos”, alertam as instituições no texto (leia na íntegra), que apontam ainda para o retrocesso democrático da decisão, feita sem participação e envolvimento das comunidades, devido às restrições impostas pela pandemia.
“As terras retiradas das unidades de conservação serão dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a floresta com base na violência. Grileiros que expulsaram as comunidades tradicionais para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado, destinadas inclusive à exportação”, denuncia a nota, que alerta ainda que a decisão terá impactos diretos nas Terras Indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na região, que não foram consultados em momento algum sobre as alterações nas unidades de conservação.
As organizações destacam o papel decisório do governador do estado, Marcos Rocha, que pode vetar ou sancionar o PLC. “Se sancionar, mostrará que se alia à devastação, à violência, à grilagem e aos desmatamentos que destroem a Amazônia. Além disso, corre o risco de ser desautorizado pela Justiça que tem, repetidamente, barrado agressões à floresta e à população”, conclui a nota.
Relator do projeto, o deputado estadual Jean de Oliveira (MDB-RO), alega que a decisão é necessária para preservar a floresta que ainda resta nestas regiões. “Pois jamais uma área de pastagem voltará a ser uma área de floresta. Foi esta sensibilidade que nos levou a dar o parecer favorável, pois sabemos que retirar as pessoas lá de cima não resolverá o problema ambiental”, comenta o parlamentar.
Ainda segundo o deputado, a criação das unidades de conservação incluídas no projeto são uma compensação. “Nenhum deputado aqui é favorável a criação de unidade de conservação, mas infelizmente se faz necessário para compensar, para ter um equilíbrio. Hoje o que estamos fazendo aqui é apenas regularizar uma situação que carece de uma resolução urgente. Nós não estamos dando aval ao desmatamento, estamos apenas delimitando o que sobrou de área de conservação para que possamos preservar”, afirmou Jean.
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