Líder no desmatamento da Amazônia há quase duas décadas, o Pará ainda apresenta falhas graves em um dos mecanismos mais importantes para conter a destruição da floresta: o combate a registros falsos de terras públicas e o ordenamento de seu território. Desde 2010, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o cancelamento de 10.738 matrículas registradas ilegalmente no estado, o Pará conseguiu reintegrar ao patrimônio público apenas um imóvel.
Os dados foram revelados por uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (30) pelo projeto Amazônia 2030. Intitulado “Combate à Grilagem de Terras em Cartórios no Pará: Uma Década de Avanços e Desafios”, o trabalho foi realizado por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e da Universidade Federal do Pará (UFPA).
De acordo com o levantamento, dos 10.738 registros ilegais cancelados pelo CNJ, apenas 332 foram verificados como existentes e passíveis de reintegração pelo estado. Isto significa que, mesmo passados 12 anos, o Pará não tem informações sobre o status de 10.396 imóveis.
O total de registros cancelados pelo Conselho Nacional de Justiça engloba uma área de 91,12 milhões de hectares, ou 73% do Pará. O número, por si só, já aponta para ilegalidade, já que 50% do território paraense é formado por áreas protegidas – Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
A porcentagem maior de terras registradas como particulares, em relação ao real número das áreas protegidas, pode significar duas situações, dizem os pesquisadores: ou as terras estão matriculadas em sobreposição a outras ou são áreas fantasmas, que só existem no papel.
Enquanto o primeiro caso pode ser relacionado com a tentativa de grilagem, ou roubo de terras públicas, o segundo geralmente é motivado pela obtenção de empréstimos bancários. Ou seja: as pessoas registram nos cartórios terras que não existem para usá-las como hipoteca, explicam os pesquisadores.
“Depois que o registro é feito, tem validade legal até que seja realizado seu cancelamento. Ou seja, a área pode ser vendida, usada como garantia em empréstimos, ter planos de manejo para exploração madeireira e até projetos de créditos de carbono. Por isso, enquanto o poder público não retomar as áreas griladas, seguirá incentivando crimes ambientais, conflitos por terra e ameaçando direitos territoriais de comunidades tradicionais”, alerta Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e co-autora do estudo.
Entre os municípios que mais tiveram títulos cancelados pelo CNJ estão São Félix do Xingu e Altamira, justamente os recordistas históricos em desmatamento no estado.
Falhou no dever de casa
Para entender o complexo tema do ordenamento territorial, é preciso partir da premissa de que toda terra no Brasil é originalmente pública, até que o poder público a transfira a um particular com a emissão de um título de terra. Esse título precisa ser registrado em cartório.
Ao longo das décadas de ocupação da Amazônia, foram identificados vários casos de terras públicas que foram legalmente registradas em cartórios como imóveis privados e, uma vez que esse registro é feito, continua produzindo os efeitos legais ao “proprietário” da terra, como contração de empréstimos e hipotecas, até que o poder público faça seu cancelamento.
Como forma de tentar conter a grilagem, as leis brasileiras foram criando critérios cada vez mais rígidos para que grileiros não pudessem registrar grandes porções de floresta como se fossem suas.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça determinou o cancelamento administrativo – sem necessidade de ação judicial – a todos os registros de imóveis que haviam sido feitos nos cartórios do Pará desrespeitando os limites de tamanho estipulados na Constituição Federal.
O estudo do Projeto Amazônia 2030 analisou os resultados práticos dessa decisão de 12 anos atrás. Isto é, o que o Pará realmente fez para saber se os títulos cancelados eram referentes a áreas que realmente existiam – grilagem – ou se eram títulos fantasmas.
Os números apresentados no trabalho mostram que a situação não é positiva. Segundo seus autores, o caos fundiário no Pará pode, inclusive, barrar a execução de políticas socioambientais no estado.
De acordo com o trabalho, entre os motivos para essa morosidade do governo estadual estão questões muito básicas, como falta de digitalização e desorganização dos dados.
“A desorganização fundiária encontrada no Pará certamente não é exclusividade do estado, podendo também ser extrapolada para toda a região amazônica. Essa falta de organização e de transparência na gestão de terras são situações apontadas como fatores que aumentam riscos de fraudes, corrupção e irregularidades registrais, em razão da dificuldade externa de acompanhamento”, diz trecho do trabalho.
Importância do ordenamento territorial
Considerando somente os 332 imóveis que foram verificados pelo Pará ao longo da última década, tem-se uma soma de 2,5 milhões de hectares de terras, área maior do que o território da Turquia.
Dentro desses imóveis, 34% da vegetação original de floresta havia sido desmatada até 2020. Por outro lado, eles ainda conservavam 1,5 milhão de hectares de florestas primárias não desmatadas. Segundo os autores do trabalho, o número evidencia a urgência de ação por parte do poder público, no sentido de destinar tais áreas para a preservação.
“Estamos tratando de uma área de floresta pública equivalente a dez vezes a cidade de São Paulo apenas nesses 332 imóveis. Eles podem estar em áreas do governo estadual ou federal, que precisam definir qual será o destino desses imóveis dentro das possibilidades previstas em lei. Isso ajudará no desenvolvimento socioambiental do estado, reduzirá os crimes ambientais e conflitos por terra e ainda trará segurança jurídica”, ressalta Brenda.
Leia também
Sob Bolsonaro, extração ilegal de madeira em áreas protegidas do Pará aumenta 1000%
Cerca de 40% da exploração madeireira no estado como um todo aconteceu de forma ilegal, mostra levantamento de instituições ambientais divulgado nesta quarta-feira (21) →
Maior desmatador da Amazônia, Pará possui lei fundiária que facilita grilagem
Área do estado sem definição fundiária é de 33,8 milhões de hectares, o que corresponde a 27% de todo território paraense →
Norma que reduz preço de terras no Pará permite subsídio de R$ 6,7 bilhões a grileiros
Invasores de terras públicas paraenses podem regularizar área ocupada pagando R$ 44 o hectare, de acordo com decreto atualmente em vigor, calcula Imazon →
Dar voz a mentira não e imparcialidade, e irresponsabilidade, no ano de 1992 o empresário Cecílio do rego Almeida da construtora C.R Almeida foi apontado pela Forbes como um dos homens mais ricos do mundo. Nascido em Obidos, no Pará com uma fortuna estimada, a epoca, em US$ 1.3 bilhão de dolar. Na qual houve o cancelamento da matrícula n 6.411 e averbação dela decorrentes, constante das fls. 039 do livro 2-V, do cartorio de registro de Altamira, referente ao imovel rural denominado Gleba Curua , envolvia uma area de terra de 4.7 milhões de hectares no Estado do Pará,em que consta que tais imóveis teriam sido adquiridos do governo do Estado do Pará,por intermedio da diretoria de obra ,terras e aviação,atraves de titulo hábil.