Notícias

Em meio a tensões diplomáticas na COP29, Brasil tenta encorajar metas ambiciosas

Governo brasileiro detalhou nesta quarta-feira sua meta climática. Atitudes da Argentina e França ameaçam soterrar discussões

Cristiane Prizibisczki ·
13 de novembro de 2024

Baku, Azerbaijão – O Brasil apresentou nesta quarta-feira (13), no âmbito da 29º Conferência do Clima (COP29), o documento detalhado de sua nova meta climática para 2035. Com números considerados internamente no governo como sendo bastante ambiciosos, o país busca dar um novo respiro ao Acordo de Paris, em um dia no qual o maior tratado internacional sobre mudanças climáticas teve sua estabilidade colocada à prova, devido a tensões diplomáticas.

Na tarde desta quarta-feira, a delegação Argentina na COP29 foi orientada por seu presidente, Javier Milei, a deixar as negociações. “Temos instruções do Ministério das Relações Exteriores para não participar mais”, declarou a subsecretária do Meio Ambiente do país, Ana Lamas, ao britânico The Guardian.

A orientação de Milei, negacionista declarado, acontece ainda nos primeiros dias de Conferência e após o argentino ter telefonado ao recém-eleito presidente norteamericano. Admirador de Donald Trump, Milei dá indícios de que, assim como o Republicano, não está interessado em falar sobre o assunto.

Também nesta quarta-feira, a ministra francesa de Ecologia, Agnès Pannier-Runacher, anunciou o cancelamento de sua viagem para Baku, depois que o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou a França de cometer “crimes” colonialistas na Nova Caledônia, território francês que abrange dezenas de ilhas no sul do Oceano Pacífico e que vem passando por uma onda de protestos por mais democracia.

Durante pronunciamento em Plenária da COP29, Aliyev disse: “Os crimes da França em seus chamados territórios ultramarinos não estariam completos sem mencionar as recentes violações dos direitos humanos. O regime do presidente [Emmanuel] Macron matou 13 pessoas e feriu 169… durante protestos legítimos do povo Kanak na Nova Caledônia”.

Pannier-Runacher reagiu rapidamente, dizendo aos parlamentares em Paris que estava cancelando sua viagem para as negociações em protesto contra o discurso “deplorável” de Aliyev. Ela classificou o ataque como “inaceitável” e “abaixo da dignidade da presidência da COP”.

Foi neste difícil contexto diplomático que o Brasil oficializou à Convenção da ONU para Mudanças do Clima sua meta de corte de emissões para 2035, a chamada NDC.

Segundo um diplomata ouvido por ((o))eco, ainda que os fatos tenham acontecido no mesmo dia por uma coincidência, é positivo que o Brasil tenha apresentado metas inovadoras e ambiciosas. O objetivo, disse ele, é que o país sirva de exemplo e que as novas metas levantem os ânimos dos negociadores presentes em Baku. “Diplomacia nunca foi tão importante”, disse.

Metas climáticas

Segundo o governo Lula, a NDC brasileira traz várias inovações, a primeira delas sendo o formato de apresentação dos cortes: em intervalo ou “banda”. 

A nova meta climática estabelece que o país deve chegar a 2035 emitindo entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente em termos absolutos. Isso significa um corte entre  59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005.

Segundo a ministra Marina Silva, a escolha pela “banda” foi feita para que o país tenha uma margem de variação caso se verifiquem alterações significativas nos cenários econômicos, de cooperação internacional e de avanços tecnológicos. Apesar da proposta do intervalo, as políticas brasileiras vão mirar na meta mais ambiciosa: os 850 milhões de toneladas de CO2eq.

Entrega da Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil ao Secretário-Executivo da UNFCCC, Simon Stiel. Foto: UNFCCC

“O fato de ser apresentada uma banda não significa que o foco não seja a redução de 67% […] Nós trabalhamos muito fortemente, com muita convicção de que estamos dando uma contribuição para liderar pelo exemplo e, com isso, ajudar a encorajar que outros países tenham metas igualmente ambiciosas”, disse a ministra do Meio Ambiente, durante coletiva de imprensa do lançamento da NDC.

Segundo representantes do governo Lula, a meta climática também inova ao abranger todos os gases de efeito estufa – e não somente o CO2, como é o caso das metas de alguns países-membro da ONU – e ao considerar todos os setores emissores. 

O documento também cita o fim dos combustíveis fósseis e o desmatamento zero. Além disso, a ideia é que a “banda” dê possibilidade ao Brasil de acessar o mercado internacional de carbono. Como para fins de contabilidade a Convenção da ONU considera a meta menos ambiciosa – 1,05 GtCO2e – qualquer excedente poderá ser vendido ou transferido para apoiar outras Partes a cumprir suas metas. Isto é, poderá ser vendido no mercado de carbono.

Segundo apurou ((o))eco junto a membros do governo, a ideia é que os recursos conquistados com a venda dos créditos adicionais sejam revertidos em ações que produzam mais reduções, em um círculo virtuoso. 

O documento pode ser acessado aqui.

Reações 

A apresentação do detalhamento da NDC gerou reações diversas na sociedade civil organizada.

Para o Instituto Talanoa, é preciso que o governo continue buscando ambição. “A meta para 2035 demonstra o progresso do Brasil, mas precisamos continuar elevando a barra. Ambição ancorada em 1,05 GtCO2e deve ser um ponto de partida, não um limite, em nossa liderança climática”.

Para o Greenpeace Brasil, a meta traz avanços, mas necessita de ajustes. “O texto apresentado pelo governo brasileiro na Conferência do Clima da ONU ressalta a importância da adaptação e da justiça climática. Porém, não rejeita a abertura de novas áreas de exploração de petróleo”, pontua a organização.

Para o Observatório do Clima, a NDC está desalinhada com as promessas de Lula. “As metas de corte de emissão da NDC brasileira, entregue nesta quarta-feira às Nações Unidas, não estão desalinhadas apenas com o objetivo de 1,5ºC do Acordo de Paris: elas também estão fora de sintonia com compromissos já assumidos pelo próprio Brasil”.

Durante os próximos meses, o governo brasileiro vai criar as bases para tirar do papel sua meta climática, por meio do Plano Clima, que ainda está em construção. Por enquanto, o que o país procura é fazer com que o Acordo de Paris não seja soterrado nesta COP cercada de contradições e tensões. Uma tarefa e tanto.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Podcast
13 de novembro de 2024

Entrando no Clima#33 – Brasil detalha sua meta climática em dia de visita inusitada na COP29

O governo brasileiro submeteu, nesta quarta-feira, sua meta climática e podcast de ((o))eco conversa com especialistas sobre suas impressões

Salada Verde
13 de novembro de 2024

Em meio à COP29, Shell conquista na justiça o direito de não reduzir suas emissões

Maior petrolífera mundial ganhou recurso interposto em Tribunal holandês. Apesar da derrota pontual, litigância climática tem crescido no mundo

Notícias
12 de novembro de 2024

Desmatamento zero para quem? Brasil não é claro em proposta apresentada na COP29

Representantes do governo brasileiro reforçam em Baku a promessa de Lula de acabar com desmatamento, sem dizer se a supressão legal entra na conta

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.