Baku, Azerbaijão – O Brasil apresentou nesta quarta-feira (13), no âmbito da 29º Conferência do Clima (COP29), o documento detalhado de sua nova meta climática para 2035. Com números considerados internamente no governo como sendo bastante ambiciosos, o país busca dar um novo respiro ao Acordo de Paris, em um dia no qual o maior tratado internacional sobre mudanças climáticas teve sua estabilidade colocada à prova, devido a tensões diplomáticas.
Na tarde desta quarta-feira, a delegação Argentina na COP29 foi orientada por seu presidente, Javier Milei, a deixar as negociações. “Temos instruções do Ministério das Relações Exteriores para não participar mais”, declarou a subsecretária do Meio Ambiente do país, Ana Lamas, ao britânico The Guardian.
A orientação de Milei, negacionista declarado, acontece ainda nos primeiros dias de Conferência e após o argentino ter telefonado ao recém-eleito presidente norteamericano. Admirador de Donald Trump, Milei dá indícios de que, assim como o Republicano, não está interessado em falar sobre o assunto.
Também nesta quarta-feira, a ministra francesa de Ecologia, Agnès Pannier-Runacher, anunciou o cancelamento de sua viagem para Baku, depois que o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou a França de cometer “crimes” colonialistas na Nova Caledônia, território francês que abrange dezenas de ilhas no sul do Oceano Pacífico e que vem passando por uma onda de protestos por mais democracia.
Durante pronunciamento em Plenária da COP29, Aliyev disse: “Os crimes da França em seus chamados territórios ultramarinos não estariam completos sem mencionar as recentes violações dos direitos humanos. O regime do presidente [Emmanuel] Macron matou 13 pessoas e feriu 169… durante protestos legítimos do povo Kanak na Nova Caledônia”.
Pannier-Runacher reagiu rapidamente, dizendo aos parlamentares em Paris que estava cancelando sua viagem para as negociações em protesto contra o discurso “deplorável” de Aliyev. Ela classificou o ataque como “inaceitável” e “abaixo da dignidade da presidência da COP”.
Foi neste difícil contexto diplomático que o Brasil oficializou à Convenção da ONU para Mudanças do Clima sua meta de corte de emissões para 2035, a chamada NDC.
Segundo um diplomata ouvido por ((o))eco, ainda que os fatos tenham acontecido no mesmo dia por uma coincidência, é positivo que o Brasil tenha apresentado metas inovadoras e ambiciosas. O objetivo, disse ele, é que o país sirva de exemplo e que as novas metas levantem os ânimos dos negociadores presentes em Baku. “Diplomacia nunca foi tão importante”, disse.
Metas climáticas
Segundo o governo Lula, a NDC brasileira traz várias inovações, a primeira delas sendo o formato de apresentação dos cortes: em intervalo ou “banda”.
A nova meta climática estabelece que o país deve chegar a 2035 emitindo entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente em termos absolutos. Isso significa um corte entre 59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005.
Segundo a ministra Marina Silva, a escolha pela “banda” foi feita para que o país tenha uma margem de variação caso se verifiquem alterações significativas nos cenários econômicos, de cooperação internacional e de avanços tecnológicos. Apesar da proposta do intervalo, as políticas brasileiras vão mirar na meta mais ambiciosa: os 850 milhões de toneladas de CO2eq.
“O fato de ser apresentada uma banda não significa que o foco não seja a redução de 67% […] Nós trabalhamos muito fortemente, com muita convicção de que estamos dando uma contribuição para liderar pelo exemplo e, com isso, ajudar a encorajar que outros países tenham metas igualmente ambiciosas”, disse a ministra do Meio Ambiente, durante coletiva de imprensa do lançamento da NDC.
Segundo representantes do governo Lula, a meta climática também inova ao abranger todos os gases de efeito estufa – e não somente o CO2, como é o caso das metas de alguns países-membro da ONU – e ao considerar todos os setores emissores.
O documento também cita o fim dos combustíveis fósseis e o desmatamento zero. Além disso, a ideia é que a “banda” dê possibilidade ao Brasil de acessar o mercado internacional de carbono. Como para fins de contabilidade a Convenção da ONU considera a meta menos ambiciosa – 1,05 GtCO2e – qualquer excedente poderá ser vendido ou transferido para apoiar outras Partes a cumprir suas metas. Isto é, poderá ser vendido no mercado de carbono.
Segundo apurou ((o))eco junto a membros do governo, a ideia é que os recursos conquistados com a venda dos créditos adicionais sejam revertidos em ações que produzam mais reduções, em um círculo virtuoso.
O documento pode ser acessado aqui.
Reações
A apresentação do detalhamento da NDC gerou reações diversas na sociedade civil organizada.
Para o Instituto Talanoa, é preciso que o governo continue buscando ambição. “A meta para 2035 demonstra o progresso do Brasil, mas precisamos continuar elevando a barra. Ambição ancorada em 1,05 GtCO2e deve ser um ponto de partida, não um limite, em nossa liderança climática”.
Para o Greenpeace Brasil, a meta traz avanços, mas necessita de ajustes. “O texto apresentado pelo governo brasileiro na Conferência do Clima da ONU ressalta a importância da adaptação e da justiça climática. Porém, não rejeita a abertura de novas áreas de exploração de petróleo”, pontua a organização.
Para o Observatório do Clima, a NDC está desalinhada com as promessas de Lula. “As metas de corte de emissão da NDC brasileira, entregue nesta quarta-feira às Nações Unidas, não estão desalinhadas apenas com o objetivo de 1,5ºC do Acordo de Paris: elas também estão fora de sintonia com compromissos já assumidos pelo próprio Brasil”.
Durante os próximos meses, o governo brasileiro vai criar as bases para tirar do papel sua meta climática, por meio do Plano Clima, que ainda está em construção. Por enquanto, o que o país procura é fazer com que o Acordo de Paris não seja soterrado nesta COP cercada de contradições e tensões. Uma tarefa e tanto.
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