Pressionada pela mineração, desmatamento e grilagem, a Serra da Chapadinha, situada ao sul da Chapada Diamantina, está no centro de um esforço para garantir a proteção da área, considerada um refúgio para vida silvestre e fundamental na segurança hídrica da região. No mais recente capítulo dessa corrida, diferentes pesquisadores se uniram para elaboração de um estudo técnico para subsidiar a criação da unidade de conservação da Serra da Chapadinha. A proposta de um Refúgio de Vida Silvestre teria como objetivo assegurar a proteção integral do território, delimitado em 18.296 hectares, entre os municípios baianos de Itaeté, Ibicoara e Mucugê.
O estudo técnico foi enviado no final do ano passado para o ICMBio, órgão responsável pela criação e gestão de unidades de conservação em nível federal, e foi divulgado para ((o))eco no final de março.
De acordo com o estudo, a área proposta possui mais de 98% da sua vegetação nativa preservada, a maior parte de florestas da Mata Atlântica, seguido pelas formações savânicas típicas do Cerrado e, ainda, uma porcentagem menor de campos rupestres.
A categoria Refúgio de Vida Silvestre garantiria status de proteção integral ao território, ao mesmo tempo em que permitiria a compatibilização das propriedades privadas existentes, dispensando a necessidade de desapropriação. O levantamento fundiário indica a existência de apenas seis terras particulares legalmente reconhecidas, que representam menos de 10% do total da área protegida proposta.
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Um dos autores do estudo, o biólogo Douglas de Matos Dias, especialista em ecologia, conservação e manejo da vida selvagem, destaca que a Serra da Chapadinha é um refúgio vital para a fauna silvestre nordestina e que a criação da unidade de conservação proposta na serra garante também um corredor ecológico estratégico entre o Parque Nacional da Chapada Diamantina e o Parque Natural Municipal do Espalhado.
“A diversidade registrada e a presença de espécies raras e ameaçadas evidenciam o papel crucial da região para a conservação da biodiversidade. Além de abrigar espécies que prestam serviços ecossistêmicos fundamentais — como o controle de pragas, polinização e dispersão de sementes —, a Serra da Chapadinha também é um elo vital na conectividade entre áreas protegidas, reforçando a resiliência dos ecossistemas diante das mudanças ambientais e da ação humana”, destaca o biólogo.

Por meio de armadilhas fotográficas instaladas na Serra já foi possível registrar 23 espécies de mamíferos, oito delas ameaçadas de extinção, como o gato-maracajá-mirim (Leopardus tigrinus), espécie considerada Em Perigo de extinção no país; e dois primatas ameaçados, o macaco-prego-do-peito-amarelo (Sapajus xanthosternos) e o guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae), este último avaliado como Criticamente Em Perigo de extinção e com ocorrência restrita à Caatinga dos estados da Bahia e Sergipe.
A lista de espécies ameaçadas do país registradas na Serra da Chapadinha conta ainda com as aves pintassilgo-do-nordeste (Spinus yarrellii) e jacucaca (Penelope jacucaca), ambas consideradas Vulneráveis ao risco de extinção no país. Foram registradas ao todo 89 espécies de aves registradas, 15 de anfíbios e 19 de répteis.
A riqueza de espécies também se reflete na flora. Um inventário realizado pela equipe do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNC Flora/JBRJ), após uma única expedição na Chapadinha, registrou espécies como os arbustos paina-de-caboclo (Heterocoma erecta) e Rupestrea johnwurdackiana, ambos restritos aos campos rupestres e classificados como Em Perigo de extinção.
O levantamento florístico, ainda em andamento e com espécies a serem identificadas, já identificou 184 espécies de plantas de 64 famílias distintas.
O estudo destaca ainda que o caráter bem preservado da serra, somado às zonas de alta tensão ecológica no encontro entre as áreas campestres do Cerrado com as florestas da Mata Atlântica, “possui alto potencial de novas espécies a serem descobertas pela ciência”.

As águas vitais da Serra da Chapadinha
Outro ponto destacado pelos pesquisadores ao longo do estudo é a importância da Serra da Chapadinha para garantir a segurança hídrica do estado da Bahia. A serra abriga nascentes do rio Una, considerado um dos principais afluentes do rio Paraguaçu, que abastece mais de 2 milhões de habitantes, desde municípios no semiárido baiano até cerca de 60% da Região Metropolitana de Salvador.
“Nós temos dados alarmantes que mostram que, ao longo de 50 anos, o rio Paraguaçu já perdeu mais da metade da sua vazão. Isso acontece porque em toda região do semiárido, as margens do rio Paraguaçu viraram pasto, o que aumenta o escoamento superficial, diminuindo a infiltração e aumenta a evaporação da água, o que representa perda de recarga para a bacia”, explica o geólogo Ricardo Galeno Fraga, outro autor do estudo.
Com isso, as zonas de recarga mais importante do rio hoje, conta o pesquisador, são justamente os afluentes do alto curso do rio, antes dele entrar no semiárido baiano, como o rio Una. “Essa é a grande relevância hídrica da Serra da Chapadinha. Ela abriga nascentes importantes do rio Una, que por sua vez é o principal afluente do alto curso do Rio Paraguaçu”, completa Ricardo.

Reservas da Biosfera
As Reservas da Biosfera são um modelo internacional de gestão integrada e participativa de áreas naturais, reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). No Brasil existem sete delas e a Serra da Chapadinha está inserida em duas: a da Mata Atlântica – que possui inclusive um posto avançado no local desde o final de 2024 – e a da Caatinga.
O coordenador da Rede Brasileira de Reservas de Biosfera, Miguel Ângelo Andrade, adianta que a Chapadinha em breve pode se ver incluída em uma terceira: a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, da qual ele também é coordenador.
“A Serra da Chapadinha é uma área considerada insubstituível e será muito importante a criação de um refúgio de vida silvestre, considerando que ela também será uma zona núcleo da ampliação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço no estado baiano”, conta Miguel, adiantando os planos para fase 3 da iniciativa.
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