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Fêmeas, políticas e essenciais: a sociedade das abelhas das orquídeas

Pesquisas mostram como as abelhas das orquídeas, presentes na Caatinga e no Cerrado brasileiros, utilizam a política como forma de controle da colônia

Carolina Lisboa ·
12 de setembro de 2018 · 6 anos atrás
Ninho de Euglossa melanotricha. Foto: Aline Candida Ribeiro Andrade.

Estamos em tempos de eleições e a política é, sem dúvida, o centro das atenções do país. Mas ao contrário do que defendia Aristóteles, o homem não é o único animal político. Pesquisas realizadas na Caatinga baiana mostraram que a espécie Euglossa melanotricha, conhecida como abelha das orquídeas, forma sociedades de multifêmeas nas quais as dominantes atuam politicamente em relação às subordinadas para manter o controle e o bom funcionamento da colônia.

As Euglossini são um grupo de abelhas iridescentes e sem ferrão conhecidas popularmente como “abelhas das orquídeas”, pois machos e fêmeas polinizam cerca de 30 famílias de plantas, incluindo 2.000 espécies de orquídeas. Os machos do gênero Euglossa coletam óleos perfumados de flores, possivelmente para atrair fêmeas para o acasalamento. Já as fêmeas podem partilhar ninhos com outras fêmeas, mantendo relações de dominância ou subordinação entre si.

A pesquisadora Aline Candida Ribeiro Andrade, professora voluntária ao curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina-PE, vinculada ao Cemafauna, vem estudando a espécie Euglossa melanotricha há cerca de dez anos. Ela e seus colegas descobriram que as colônias são organizadas de forma matrifilial, ou seja, dominados por uma mãe e suas filhas, na qual a fêmea dominante põe a maioria dos ovos, reproduzindo várias vezes por ano e sem sincronia com as estações. São, portanto, organizações eussociais, ou seja, a “socialidade verdadeira”, onde há uma casta responsável apenas pela reprodução (a fêmea dominante e suas filhas) e uma outra responsável pelas demais funções da colônia (as subordinadas não-aparentadas), como cuidar da prole e buscar alimento.

Macho Euglossa melanotricha. Foto: Ramírez Santiago.

Os pesquisadores também observaram que as fêmeas dominantes, morfologicamente idênticas às subordinadas, mantêm seus status através de comportamentos agressivos e de sinais químicos (os sinais químicos de cada abelha refletem o seu status na colônia), que regulam a divisão de tarefas entre as fêmeas. Numa família, as fêmeas dominantes detêm o controle reprodutivo da colônia, passando o controle de forma hierárquica para as abelhas aparentadas, numa linha de sucessão. As subordinadas não-aparentadas realizam tarefas na colônia mas não ascendem socialmente, a não ser pela força (uma invasora maior pode depor a fêmea dominante). Um dos resultados interessantes da pesquisa é que a remoção experimental das dominantes não afetou seu monopólio reprodutivo. Entretanto, a remoção das subordinadas reduziu significativamente a produtividade da colônia, mostrando os claros benefícios da divisão de tarefas. Essas descobertas suscitaram outra questão: se as subordinadas não-aparentadas às dominantes são impedidas de procriar e não têm parentesco próximo para ascender socialmente, o que as leva a trabalhar pela colônia?

Mais recentemente, em uma publicação da revista Scientific Reports (Nature), Aline e seus colegas esclareceram essa questão, demostrando que as fêmeas dominantes fazem concessões reprodutivas para ter o apoio das subordinadas não-aparentadas da colônia para a realização das tarefas, permitindo que estas ponham uma pequena porção de ovos em vez de agredi-las ou comer seus ovos. Já as subordinadas aparentadas têm menos privilégios (podem pôr menos ovos), mas estão na linha de sucessão ao “trono” do ninho e, portanto, são beneficiadas de alguma maneira.

Meliponario: coleção de colmeias de abelhas sem ferrão (Meliponíneos). Foto: Aline Candida Ribeiro Andrade.

A publicação explica que há três tipos de ciclos de vida e associações nos ninhos de E. melanotricha, sendo que todos eles iniciam com uma fêmea solitária fundadora do ninho. A partir dela, duas opções para a primeira prole podem acontecer: as fêmeas nascidas podem ficar no ninho e se tornar subordinadas, herdando o ninho quando a fêmea dominante morrer ou desaparecer, ou podem reativar um ninho com as irmãs. As subordinadas realizarão atividades típicas de operárias, como buscar comida e manter o ninho, mas dividirão parcialmente a reprodução com as dominantes. Num outro cenário, abelhas não-aparentadas maiores podem invadir o ninho e derrubar a dominante residente, ou podem se tornar ajudantes subordinadas se forem de menor tamanho. No primeiro caso, a invasora, agora dominante, pode pôr a mesma quantidade de ovos; no segundo caso, a invasora subordinada pode pôr menos ovos que a dominante, mas, ainda assim, em quantidade maior que as parentes da dominante. Com isso, percebe-se que há um “contrato social” entre as fêmeas aparentadas e as não-aparentadas que modulará a reprodução e promoverá cooperação entre as elas. A fêmea dominante pode avaliar seu parentesco entre as companheiras de ninho e remover seletivamente mais ou menos ovos das subordinadas, de acordo com seus interesses.

E. melanotricha é apenas uma das cerca de 400 espécies de abelhas da Caatinga. O manejo ou criação de abelhas é intimamente ligado aos costumes de pequenos agricultores sertanejos e é essencial para a conservação dos ecossistemas onde as abelhas ocorrem. A discussão e propagação desse sistema sustentável se torna ainda mais importante na atual crise de declínios de colônias de abelhas domesticadas em diversos países e do aumento do número de abelhas nativas na lista de espécies ameaçadas de extinção. De acordo com Aline Andrade, a integração produtiva e estável entre produção de alimentos, biodiversidade e qualidade de vida não é uma tarefa fácil. “Incorporar a polinização como fator de produção, da mesma forma que a irrigação, a seleção de mudas, a correção do solo, a adubação e os tratos culturais, é uma questão necessária e urgente”, alertou a pesquisadora.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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