O artigo “Wet and dry tropical forests show opposite successional pathways in wood density but converge over time” (“Florestas tropicais secas e úmidas mostram caminhos sucessionais opostos em densidade de madeira mas convergem ao longo do tempo”, em português) foi publicado nesta segunda-feira (22) na revista Nature Ecology and Evolution. A publicação é resultado dos esforços de uma rede de pesquisadores da América Latina, Estados Unidos, Austrália e Europa, denominada 2ndFOR, e descreve as análises sobre ecologia e dinâmica de florestas secundárias usando dados coletados em 50 localidades de 10 países latino-americanos. Os pesquisadores concluíram que florestas úmidas e secas começam a sucessão de forma muito diferente, mas ao longo do tempo se tornam mais semelhantes entre si em termos de microclima e densidade da madeira. Tal descoberta implica em uma mudança de paradigma na ecologia, com importantes consequências para a restauração de florestas.
As florestas tropicais têm sido desmatadas a taxas alarmantes para dar lugar a áreas agrícolas e pastagens. Atualmente mais da metade das florestas tropicais do mundo não são florestas maduras bem conservadas, e sim florestas secundárias em processo de regeneração. Na América Latina, elas cobrem 28% da zona tropical. Contudo, a vegetação das florestas pode se regenerar após o abandono das áreas que sofreram intervenções naturais ou antrópicas, num processo chamado “sucessão”, no qual a vegetação cresce gradualmente levando à mudanças nas condições ambientais. Como as espécies vegetais têm estratégias de crescimento diferentes, tais mudanças ambientais locais também levam a mudanças na composição de espécies ao longo do tempo. Entender como a sucessão funciona é crucial para compreender como as florestas nativas respondem às pressões antrópicas e elaborar estratégias e métodos de restauração florestal.
Pensando nisso, a rede de pesquisa 2ndFOR acompanhou a regeneração de florestas tropicais em 10 países latino-americanos e encontrou que florestas secas e úmidas apresentam caminhos sucessionais opostos. O Prof. Dr. Lourens Poorter da Universidade de Wageningen (Holanda) e líder do artigo explica: “Espécies com características diferentes tem sucesso em ambientes diferentes. Uma característica chave das espécies de árvores é a densidade da madeira. Espécies que possuem madeira leve, tem a habilidade de crescer muito rápido quando há luz e água em abundância. No entanto, essa estratégia tem a desvantagem de menores chances de sobrevivência, especialmente em condições sub-ótimas, como sob a sombra de outras árvores e sob condições de seca. Assim, as espécies de madeira leve tem um estilo de vida “rock and roll”: tem seu pico de sucesso no início da vida, vivem rápido e morrem jovens”.
Já as espécies com madeira mais densa usam estratégias opostas, como explica o Prof. Dr. Mark Westoby, da Universidade de Macquarie (Austrália): “Ao contrário das espécies de madeira leve, aquelas árvores que produzem madeira cara e durável podem persistir por muito tempo, especialmente em condições adversas. Essa maior chance de sobrevivência vem às custas de um crescimento mais lento.” O pesquisador complementa que esse é um passo importante para entender a mudança de composição de espécies durante a sucessão florestal: “A teoria da sucessão prevê que no começo da sucessão a abundância de luz favorece a dominância por espécies pioneiras “rápidas” que tem madeira leve. Já em estágios avançados da sucessão, a disponibilidade de recursos, como luz, diminui levando à dominância por espécies de crescimento lento e madeira dura”.
Para avaliar as mudanças na densidade da madeira ao longo da sucessão, a equipe de pesquisadores da rede 2ndFOR analisou a regeneração de florestas em uma escala espacial sem precedentes, usando dados coletados em 50 localidades, 1.400 parcelas e >16.000 árvores de florestas tropicais de toda América Latina. Uma das autoras do estudo, a Dra Ima Vieira, pesquisadora do Museu Goeldi, resume os resultados obtidos na Amazônia: “Nossos resultados mostram que em florestas úmidas como a Amazônia, realmente acontece uma mudança de espécies de madeira leve para espécies de madeira dura ao longo do tempo, como prevê a teoria da sucessão e isso ocorre porque em florestas úmidas os recursos (como luz) diminuem ao longo da sucessão. É interessante ver que florestas úmidas e secas começam a sucessão de forma muito diferente, mas ao longo do tempo se tornam mais semelhantes entre si, em termos de microclima e densidade da madeira”.
Para a pesquisadora, a importância deste estudo vai além do valor científico de se testar teorias estabelecidas, pois o conhecimento ecológico adquirido pode ser usado para melhorar a seleção de espécies para recuperar áreas degradadas: “Nossas conclusões sugerem que a restauração de florestas em áreas com estação seca intensa deve priorizar o uso de espécies com densidade alta da madeira (madeira dura), porque elas terão maiores chances de sobrevivência no período seco. Nas florestas úmidas, como na Amazônia, é diferente, uma mistura de espécies de madeira leve e dura podem ser usadas porque não há limitação de disponibilidade de água. Neste caso, as espécies de madeira leve crescerão rápido e formarão um dossel que abrigará as espécies de crescimento lento e madeira dura, que por sua vez dominarão a floresta no longo prazo”.
No entanto, Ima Vieira alerta que é preciso reconhecer que plantar árvores não deve ser prioridade em projetos de restauração, e sim usar a regeneração natural, que é a opção mais barata e tecnicamente mais fácil. “Claro que o tempo de recuperação pode ser acelerado pelo plantio de espécies nativas. Nesse caso, as recomendações sobre seleção de espécies são válidas”, esclarece.
2ndFOR
A rede colaborativa em florestas secundárias 2ndFOR envolve 85 pesquisadores de 16 países, e tem como foco estudar a ecologia, dinâmica e biodiversidade das florestas secundárias tropicais e compreender os serviços ambientais que elas proveem em paisagens modificadas pelo homem. A rede 2ndFOR é coordenada pelo Prof. Lourens Poorter, Prof. Frans Bongers, Dr. Masha van der Sande e a brasileira Dr. Catarina Jakovac, da Universidade de Wageningen na Holanda.
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