A nova espécie de aracnídeo descrita no Brasil é pequena, possui entre 2,5 a 5 milímetros, se parece mais com uma formiga que com uma aranha e gosta de viver em solos repletos de folhas e outros materiais orgânicos – a famosa serrapilheira. A aparência esquisita também é acompanhada de um nome esquisito: trata-se de um esquizômido, batizado de Rowlandius ufpi, a sexta do gênero encontrada no Brasil e já, possivelmente, ameaçada de extinção.
Ao contrário das outras do mesmo gênero que vivem em solo nacional, a Rowlandius ufpi prefere viver perto da mata seca. “À exceção desses, todos os outros esquizômidos […] só são encontrados no interior de cavernas, aquele ambiente mais úmido, mais estável, ou por exemplo na Mata Atlântica, na Amazônia, que são ambientes bem úmidos e florestais”, explica Leonardo Carvalho, coordenador do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e um dos autores do artigo.
Publicado na revista Zootaxa, o artigo conta com pesquisadores da UFPI e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e tem como primeira autora Iara Silva, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Piauí. Em cerca de 12 anos de pesquisa, foram descritas as principais diferenças desse novo animal encontrado: os machos podem ser facilmente distinguidos de outros pela presença de “buracos” na região dorsal do flagelo, e as fêmeas possuem quelíceras que encaixam nessas estruturas do macho, formando uma dança nupcial completamente singular.
Os esquizômidos, no geral, pertencem ao grupo de aracnídeos, ou seja, são parentes de aranhas e escorpiões, que habitam a camada superior do solo em cavernas e sobre as rochas. De relance, podem ser confundidos com aranhas andando como formigas, entretanto, uma inspeção mais detalhada revela que as proporções de seus corpos são muito diferentes. São importantes para o ciclo de decomposição, se alimentam de pequenos invertebrados que consomem bactérias e fungos, e servem de alimento para invertebrados maiores.
Os pesquisadores do novo estudo indicam que o esquizômido Rowlandius ufpi – nomeação retirada da sigla UFPI por ter sido encontrado em uma localidade pertencente à universidade piauiense – está potencialmente ameaçado. Os indivíduos coletados em 2012 e 2013 foram encontrados perto de um pequeno riacho temporário. Entretanto, em eventos de amostragem durante a estação seca de 2012, 2013 e 2014 nenhum indivíduo esteve no mesmo local. A hipótese é que foram enterrados naquela época, como estratégia para se protegerem da dessecação. Por volta de novembro de 2017, o local de amostragem foi gravemente danificado devido a práticas agrícolas de corte e queima. A mata secundária de galeria foi substituída por um cultivo de banana exatamente o mesmo local onde os esquizômidos foram coletados no início. Apesar de tentativas adicionais de coleta em abril de 2018 e em diversas ocasiões em 2019, tanto no local original quanto em outros locais próximos, nenhum Rowlandius ufpi adicional foi encontrado. Somente em 2020, foram encontrados novamente, em uma área muito limitada dentro da mata ciliar do Rio Parnaíba próxima da região de coleta inicial.
A análise do artigo indica que a presença desses animais é muito restrita e facilmente prejudicada por eventos ambientais, como identificado no evento de queima da vegetação e seca. Ante a isso, há a possibilidade de classificar essa nova espécie como Criticamente Ameaçada, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
Em entrevista a ((o))eco, Leonardo Carvalho, taxonomista, aracnólogo e autor do artigo, explica detalhes sobre os esquizômidos e a importância de descrever novas espécies. Veja a entrevista na íntegra:
((o))eco: O que são os esquizômidos?
Leonardo Carvalho: Os esquizômidos formam um grupo de aracnídeos. São parentes das aranhas, dos escorpiões […]. Para um leigo, seria uma aranha que talvez caminhasse parecendo uma formiga. Quando eu encontrei o primeiro, na verdade, foi isso que me assustou, [pensei] essa formiga tá um pouquinho diferente. Não era uma formiga. Era um esquizômido. E o que mais chama a atenção neles, de diferente de uma aranha, é que no “final” do abdômen […] nos machos, por exemplo, desse bicho que a gente escreveu, ele tem uma estrutura que parece uma bolinha e essa bolinha tem uns buraquinhos […] que servem para a fêmea morder. Então, a quelícera dela encaixa naquele buraquinho e quando eles estão acasalando, tem uma dança nupcial. O macho conduz a fêmea com ela segurada por aquela estrutura, o flagelo. Aranhas não tem isso, têm uma corte completamente diferente. Isso é uma particularidade, só os esquizômidos tem isso. Então é bem curioso.
Qual a importância deles?
A gente nunca deve pensar sobre a importância de um animal sozinho. A gente tem sempre que pensar que tudo é um conjunto de interações. Então, veja, você tem um ecossistema em que tem árvores. As árvores vão produzindo folhas, que caem ao longo do ano. Aquelas folhas se decompõem pela ação de fungos, do sol e de bactérias e de alguns animais herbívoros. Aqueles fungos, aquelas bactérias e aqueles herbívoros são comidos por invertebrados pequenos, que são comidos por invertebrados maiores, e assim por animais maiores, até que enfim volta a cadeia. Tudo vai sendo decomposto e reinicia esse ciclo. Os esquizômidos fazem parte desse ciclo, de animais predadores. Então, eles comem pequenos invertebrados. Muito provavelmente, eles comem aqueles animaizinhos que comem bactérias e fungos. É um pedaço dessa cadeia. […] É um grupo de abundância bem baixa, mas eles compõem isso. Quando a gente encontra um ecossistema em que esses animais estão presentes, a gente percebe que esse ambiente está relativamente bem preservado.
A nova espécie de esquizômido descrita pelo artigo está ameaçada de extinção?
A gente acredita que sim, essa espécie em particular, sim.
Esse é um bicho que é encontrado em mata de galeria e em mata ciliar. Essa é aquela vegetação que fica ao longo de riachos e de rios. Só que a gente não encontra esse bicho em qualquer riacho ou em qualquer mata na beira do rio. Encontramos ele numa área muito pequena. É uma localidade que a gente coleta há 15 anos, provavelmente. Desde que a gente encontrou o primeiro esquizômido, procuramos esse bicho em vários outros pontos, em vários outros riachos, em outros pontos da margem do rio e não o encontramos.
Ao longo desse processo de encontrar pela primeira vez até esse trabalho, o local em que a gente encontrou ele pela primeira vez foi devastado. A vegetação foi suprimida e esse bicho não ocorre mais lá. A gente diz que isso é uma extinção local. Estávamos caminhando para fazer esse trabalho dizendo que esse bicho estava potencialmente extinto na natureza até que encontramos ele, bem próximo até da área inicial, na beira do rio. Mas é concentrado em um fragmento de mais ou menos 100 metros de beira de rio. O bicho pode estar acima ou abaixo do rio? Pode. Onde a gente procurou, não o encontramos. Pode ser que a vegetação lá tenha sido alterada e ele tenha sido extinto nesses outros pontos também.
Então, assim, o que que a gente tem de informação hoje? Que esse é um bicho que tem uma distribuição muito restrita, que, quando o ambiente é alterado, desaparece. Ele passa a ser suscetível a eventos de impactos futuros, por exemplo, se tiver uma grande cheia, tem uma chance muito grande de ter esse bicho ser extinto de onde ele é conhecido. Se a vegetação for cortada, pegar fogo, também. Então, isso são fatores que nos levam a sugerir que esse bicho seja considerado criticamente ameaçado de extinção.
É claro que, assim, a definição oficial, em termos legais, é feita pelo ICMBio. Eu faço parte deste processo também, compondo a equipe que analisa o status de conservação dos aracnídeos do Brasil. De tempos em tempos, ocorre uma oficina organizada pelo ICMBio. Lá, a gente avalia essas espécies e propõe uma classificação. Depois, nossa avaliação passa por um processo de validação. Se for validada, isso é publicado pelo governo federal e essa espécie passa a ser considerada oficialmente ameaçada de extinção. Nesse processo, o nosso papel como pesquisador, e aí eu falo nesse momento como pesquisador, não quem faz parte das oficinas, é de apresentar evidências para que a gente possa avaliar formalmente esse bicho depois. E as nossas evidências sugerem que esse bicho, sim, está ameaçado de extinção.
Qual a importância de registrar novas espécies?
Primeiro de um ponto de vista muito prático, por exemplo, se uma empresa quiser […] fazer uma nova barragem aqui no Rio Parnaíba, sabendo que esse bicho, caso ele entre na lista de espécies ameaçadas, e essa área onde ele foi encontrado for influenciada por esse empreendimento, o licenciamento muda. Então, assim, toda vez que a gente encontra um organismo, e esse organismo passa a ser considerado ameaçado de extinção, isso tem efeitos diretos em licenciamentos ambientais. Todos esses empreendimentos que têm impactos diretos sobre a biodiversidade precisam considerar a fauna e a flora que existem em cada local.
Então tem muitos bichos, e aí eu falo muitos para aracnídeos, que é o grupo que eu trabalho. A maioria do que a gente encontra não tem nome ainda. Falta gente, falta tempo e falta dinheiro para conseguir dar nome para tudo. É um trabalho de formiguinha, um colega que descreve um, eu descrevo outro e assim a gente vai começando a completar esse álbum de figurinhas sobre a nossa biodiversidade. Mas que, para fins práticos, está diretamente associado ao licenciamento ambiental.
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Faltou mencionar se essa nova espécie possui algum veneno que pesa representar risco aos seres humanos
Micro escorpião vinagre, tem no meu banheiro e ja no site insetologia,vcs estao atrasados.
Olá! Fui mordido no pescoço por um bicho desse, na zona rural de Parnaíba-PI. Eu o descrevi como um besouro estranho
com cabeça de formiga. Pisei por várias vezes para tentar martar e não consegui, por ser um bicho duro de morrer.
Não sei se tem algo haver, mas passei três dias com fortes dores de cabeça.
O local onde aconteceu, é um povoado chamado assentamento do Prado, zona rural de Parnaíba-PI.
Dr. Leonardo Carvalho, será possível que eu encontro um desses aqui no Parque sete cidade? Outro sim, eu vi que ele se parece por de mais com o cupim bate cabeça.