Nesta terça-feira (19), o Conselho de Ministros de Baden-Württemberg, na Alemanha, decidiu que o fóssil do dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus deve voltar ao Brasil. A repatriação do fóssil é uma demanda antiga de paleontólogos e instituições de pesquisa no país, que protestam contra as condições ilegais nas quais ele teria sido importado. No ano passado, o Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, que hoje abriga o Ubirajara, já havia recusado o pedido dos brasileiros de devolvê-lo. Com a resolução do conselho, a expectativa é que de fato o Ubirajara possa retornar ao Brasil, mas não foi divulgada nenhuma data para seu retorno.
A repatriação foi proposta pela ministra da Ciência, Pesquisa e Arte de Baden-Württemberg, Theresia Bauer, dada as condições duvidosas sobre a legalidade da importação do fóssil. De acordo com a paleontóloga Lucy Gomes de Souza, ouvida por ((o))eco, esse é um marco histórico mundial na luta contra o colonialismo científico.
O Ubirajara jubatus é um dinossauro carnívoro, de corpo pequeno e coberto de penas, que viveu a cerca de 115 milhões de anos atrás. O fóssil foi encontrado na região conhecida como Bacia do Araripe, no Ceará, e teria sido levado para a Alemanha em 1995, porém sem cumprir as diretrizes da legislação brasileira, que data de 1990, para importação de bens destinados à pesquisa científica.
O caso do dinossauro brasileiro veio à tona em dezembro de 2020, quando o artigo científico sobre a descoberta do Ubirajara jubatus foi publicado na revista Cretaceous Research. A repercussão entre os paleontólogos brasileiros foi imediata e culminou no movimento #UbirajaraBelongstoBR.
Na época, a Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) publicou um comunicado no qual explicava que após a publicação do artigo, a SBP entrou em contato com o editor-chefe e editores da revista “mostrando surpresa pela publicação de material fossilífero brasileiro sem, aparentemente, a documentação pertinente para a saída de material fóssil do país”. Eles afirmam que a autorização apresentada pelos autores possui “notória falta descritiva do material autorizado que, no papel, é referenciado apenas como ‘duas caixas’” e que a documentação não foi respaldada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As contestações sobre a origem ilegal do fóssil fez com que o artigo fosse retirado pelo periódico.
Além disso, a legislação brasileira prevê que todos os espécimes-tipo ou holótipos (aqueles usados como base para definir uma espécie) fósseis, como é o caso do Ubirajara, devem permanecer no país.
Em resposta à situação, a Sociedade Brasileira de Paleontologia entrou em contato com o museu alemão para negociar uma repatriação amigável do fóssil. Em setembro de 2021, entretanto, veio a recusa do museu em devolver o material.
Com a decisão do conselho, a expectativa é que a instituição alemã seja obrigada a enviar o fóssil de volta ao Brasil.
A paleontóloga brasileira destaca o valor científico, financeiro, turístico e popular da repatriação, mas que o mais importante da volta do Ubirajara talvez seja o precedente que ele abre. “A ministra da Alemanha solicitou que o museu não só devolva o Ubirajara como prove que todos os outros materiais brasileiros que estão lá, estão lá de forma legal. E a gente sabe que tem outros materiais que estão lá de forma irregular, então o Ubirajara está voltando para casa com outros parentes de carona. Talvez não no mesmo período, mas vai abrir um precedente para que esses outros materiais possam enfim ser resgatados porque nesse museu específico, e em alguns outros museus da Alemanha, existe um monte de holótipo, que é esse material importante para gente determinar uma espécie e que por lei pertence ao Brasil”, explica Lucy, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas e da Faculdade Estácio do Amazonas.
“Lá na Alemanha tem vários holótipos de espécies brasileiras. Então esse precedente que está sendo aberto vai permitir que a gente continue nossa luta contra o colonialismo científico, contra essas ações de tráfico e repatrie mais uma centena de materiais fósseis que estão há décadas roubados da nossa pátria. Talvez esse seja o ponto mais importante. E isso pode ser expandido para outros países e instituições que também têm materiais brasileiros de forma irregular. A Alemanha não é o único país. Estados Unidos têm, Reino Unido têm, França tem… O Ubirajara está sendo nosso guarda-chuva para permitir que a gente reclame esses materiais. E antes mesmo dessa decisão [do conselho alemão], só toda a discussão levantada na Internet pelo caso do Ubirajara já fez com que algumas instituições, que não sabiam que estavam cometendo um crime, devolvessem de imediato os materiais brasileiros que eles tinham do Araripe. Isso antes mesmo dele ser repatriado, então imagina agora o poder que a gente vai ter a partir da repatriação. É um marco histórico mundial na luta contra o colonialismo científico”, conclui a paleontóloga.
Em declaração oficial, a direção do Museu Nacional/UFRJ reforça que “a vinda desse exemplar é uma enorme vitória da comunidade científica brasileira e que por isso deve ser muito celebrada. Também parabenizamos as autoridades da Alemanha desta importante decisão que muito colabora nas relações entre os dois países. Como todos sabem, o Museu Nacional/UFRJ tem uma parceria de longa data com a Universidade Regional do Cariri e com o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que têm atuado nesse caso. Qualquer situação que envolva este ou outros materiais será discutida entre os parceiros. Naturalmente, a vinda de uma peça tão emblemática seria uma ação extremamente importante é simbólica no processo de reconstrução da nossa instituição”, ressalta a nota do museu, que destaca que ainda aguarda confirmação oficial sobre a volta de Ubirajara ao Brasil.
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