Ambientes como veredas e olhos d’água perenes, fundamentais para manter os recursos hídricos, são áreas de preservação prioritária na legislação brasileira. No entanto, os campos úmidos – onde geralmente esses ecossistemas estão abrigados – seguem mal mapeados e vulneráveis à expansão do agro e obras de infraestrutura.
Um estudo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation revelou que os campos úmidos estão sob alta pressão. Só de 2008 a 2020, mais de 580 mil ha foram eliminados, com 61% convertidos para agropecuária. A área equivale a quase quatro vezes o tamanho do município de São Paulo (SP).
Conforme o trabalho, liderado pela pesquisadora Alessandra Bassani (Unicamp) e apoiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), tamanha destruição estaria associada também a uma “linguagem imprecisa” da legislação florestal de 2012.
Na prática, o preto e branco da norma pode ser cinzento, abrindo alas a interpretações diversas sobre onde começa ou termina um campo úmido e sobre seu grau de proteção. Diante disso, há indícios de que produtores e consultorias vêm deixando de considerar essas áreas nos processos de licenciamento.
Assim e sem fiscalização efetiva, os campos úmidos desaparecem. E, junto com eles, se esvai sua capacidade natural de guardar e liberar água gradualmente, proteger nascentes, regular o clima e manter a conectividade ecológica.
Diante desse cenário, os especialistas alertam que as políticas públicas precisam ser mais moldadas por conhecimento científico. Se pouco ou nada for feito, a savana mais biodiversa do planeta continuará secando. Como mostramos em ((o))eco, isso se deve sobretudo aos desenfreados desmate e expansão da soja.
Os números por trás desses impactos são drásticos. Entre 1985 e 2020, o Cerrado perdeu 22% da vegetação natural, enquanto a área com soja saltou de 6,2 mil km2 para 120 mil km2, similares ao estado do Amapá. Tal devastação intensifica a evaporação, reduz a infiltração de água no solo, compromete nascentes e o lençol freático.
A bióloga Isabel Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que os efeitos da seca atingem das pessoas aos ecossistemas. Animais silvestres são forçados a cobrir distâncias cada vez maiores atrás de comida e água, ficando mais expostos a caçadores e atropelamentos.
Agricultores também sentem o peso da crise hídrica. Em Monte Carmelo (MG), produtores relatam perdas severas na produção de café. Mas não só eles pagam a conta, já que os preços do produto subiram cerca de 60% nos supermercados.
Agravando o cenário, um levantamento do MapBiomas indica que o Cerrado perdeu quase ⅓ da sua superfície de água, nas últimas duas décadas. Isso cai na conta do desmate e da crise do clima, que encolhe as chuvas enquanto alarga e reforça os períodos secos.
Como oito das doze grandes bacias hidrográficas do país nascem ou atravessam o Cerrado, sua destruição, uso intensivo de água na irrigação e represamento de rios comprometem a conservação da biodiversidade, o agronegócio e um futuro sustentável para o Brasil.
*Com informações da Agência Fapesp.
Leia também
O Cerrado está secando, mas desmate e soja seguem desenfreados
Os prejuízos incidem na conservação da biodiversidade, no aumento de incêndios e ameaçam a produção no campo →
Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano
Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa →
Estudo reforça importância de proteger a Serra da Chapadinha, na Bahia
Documento embasa proposta para criação da unidade de conservação na área, considerada fundamental para biodiversidade e segurança hídrica do estado →





