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O Cerrado está secando, mas os campos úmidos seguem desprotegidos

Veredas, nascentes e áreas alagáveis somem sob o atropelo do agro, enquanto brechas e omissões fragilizam a aplicação da lei

Aldem Bourscheit ·
16 de julho de 2025

Ambientes como veredas e olhos d’água perenes, fundamentais para manter os recursos hídricos, são áreas de preservação prioritária na legislação brasileira. No entanto, os campos úmidos – onde geralmente esses ecossistemas estão abrigados – seguem mal mapeados e vulneráveis à expansão do agro e obras de infraestrutura.

Um estudo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation revelou que os campos úmidos estão sob alta pressão. Só de 2008 a 2020, mais de 580 mil ha foram eliminados, com 61% convertidos para agropecuária. A área equivale a quase quatro vezes o tamanho do município de São Paulo (SP).

Conforme o trabalho, liderado pela pesquisadora Alessandra Bassani (Unicamp) e apoiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), tamanha destruição estaria associada também a uma “linguagem imprecisa” da legislação florestal de 2012. 

Na prática, o preto e branco da norma pode ser cinzento, abrindo alas a interpretações diversas sobre onde começa ou termina um campo úmido e sobre seu grau de proteção. Diante disso, há indícios de que produtores e consultorias vêm deixando de considerar essas áreas nos processos de licenciamento.

Assim e sem fiscalização efetiva, os campos úmidos desaparecem. E, junto com eles, se esvai sua capacidade natural de guardar e liberar água gradualmente, proteger nascentes, regular o clima e manter a conectividade ecológica.

Diante desse cenário, os especialistas alertam que as políticas públicas precisam ser mais moldadas por conhecimento científico. Se pouco ou nada for feito, a savana mais biodiversa do planeta continuará secando. Como mostramos em ((o))eco, isso se deve sobretudo aos desenfreados desmate e expansão da soja.

Os números por trás desses impactos são drásticos. Entre 1985 e 2020, o Cerrado perdeu 22% da vegetação natural, enquanto a área com soja saltou de 6,2 mil km2 para 120 mil km2, similares ao estado do Amapá. Tal devastação intensifica a evaporação, reduz a infiltração de água no solo, compromete nascentes e o lençol freático. 

A bióloga Isabel Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que os efeitos da seca atingem das pessoas aos ecossistemas. Animais silvestres são forçados a cobrir distâncias cada vez maiores atrás de comida e água, ficando mais expostos a caçadores e atropelamentos.

Agricultores também sentem o peso da crise hídrica. Em Monte Carmelo (MG), produtores relatam perdas severas na produção de café. Mas não só eles pagam a conta, já que os preços do produto subiram cerca de 60% nos supermercados.

Agravando o cenário, um levantamento do MapBiomas indica que o Cerrado perdeu quase ⅓ da sua superfície de água, nas últimas duas décadas. Isso cai na conta do desmate e da crise do clima, que encolhe as chuvas enquanto alarga e reforça os períodos secos.

Como oito das doze grandes bacias hidrográficas do país nascem ou atravessam o Cerrado, sua destruição, uso intensivo de água na irrigação e represamento de rios comprometem a conservação da biodiversidade, o agronegócio e um futuro sustentável para o Brasil.

*Com informações da Agência Fapesp.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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