Manaus, AM — Um grupo de pesquisadores, entre eles os brasileiros Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, Inglaterra, e Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), faz um alerta para o risco de faltar comida para populações que se alimentam de caça na América do Sul, África e Ásia. A razão: falta de controle sobre o abate de animais selvagens, que está levando mais de 300 espécies a um declínio contínuo.
Eles revisaram as informações sobre a situação de 1169 espécies de mamíferos terrestres, listados como ameaçados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em Inglês), e concluíram que uma grande parte deles está desaparecendo sob a mira de armas ou em armadilhas. O estudo foi publicado na edição desta terça-feira (18) da revista da Royal Society Open Science.
“Nossa análise é conservadora”, afirma o autor principal do estudo, William J. Ripple, da Universidade do Estado do Oregon, Estados Unidos. “Essas 301 espécies são os piores casos de declínio das populações de mamíferos para os quais a caça e captura são claramente identificadas como uma grande ameaça. Se os dados para uma espécie estavam faltando ou inconclusivo, não incluímos”, completa.
A ameaça atinge desde grandes animais, como koupreys (um parente do boi domesticado, que pode atingir quase uma tonelada), até pequenos como morcegos e lêmures. Os primatas foram o grupo com maior número de espécies listadas. Entre gorilas-da-planície, chimpanzé, bonobo e outros, são 126 espécies caçadas que podem desaparecer, nos três continentes.
De acordo com o estudo, sai da Amazônia brasileira um total estimado de 89 mil toneladas de carne por ano, que equivalem a U$ 200 milhões (ou cerca de R$ 640 milhões). Número significativo, mas ainda menor do que as taxas de exploração na bacia do Congo, que chegam a ser cinco vezes maiores, segundo os pesquisadores. A perda destes mamíferos pode afetar a subsistência de milhões de pessoas e causar também problemas ecológicos.
A subsistência não é a única motivação para a caça de animais selvagens. Os pesquisadores relatam a existência de um mercado clandestino de carnes de caça, que chega inclusive à Europa. Eles lembram a apreensão de 5 toneladas de carne contrabandeada, no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, em 2010.
Apesar de representarem apenas uma pequena porcentagem dos mamíferos listados, grandes carnívoros e herbívoros (com mais de 10 quilos) tendem a ser afetados mais severamente pela caça excessiva. A longo prazo, a perda destas grandes espécies pode causar mudanças ecológicos, como superpopulações de antigas presas, riscos mais elevados de doenças.
O estudo aponta que 57 grandes artiodáctilos (como hipopótamos, yaks, camelos e veados-do-pantâno) estão ameaçados pelo abate. Animais menores, que são importantes ecologicamente pelo papel crucial que desempenham na dispersão de sementes, polinização e controle de insetos, também estão listados. Entre os pequenos, os morcegos estão em maior número, são 27 espécies.
Medidas mitigadoras
Os autores do estudo apontam também caminhos para reduzir o impacto da caça sobre esses animais. Eles pedem penalidades mais severas para a caça ilegal e tráfico de animais e expansão de áreas protegidas para mamíferos ameaçados; direito de propriedade para populações que se beneficiam da presença da vida selvagem; alternativas para a alimentação, como espécies mais sustentáveis ou plantas ricas em proteínas; educação para os consumidores de carne de caça compreenderem as ameaças sofridas pelos mamíferos; e planejamento familiar em regiões onde mulheres desejam retardar ou evitar a gravidez.
Artigo disponível em: http://rsos.royalsocietypublishing.org/
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Temos alguns clube com o nome de caça e pesca o ideal é mudar o nome para que possamos melhorar a cultura de preservação !!!
A matança continua.
Ou na mira do rifle ou espingarda ou nas rodovias e estradas em nosso BRAZZZZZIL, embaixo das rodas. E os políticos dormem zzzzzzzzzz…….
Carlos Peres e Mauro Galetti chamam a atenção sobre a caça indiscriminada que devasta e impõe perdas pesadas à biodiversidade de áreas naturais no mundo todo. Mais do que uma discussão em manter estoques para a caça de subsistência, devemos também questionar o que efetivamente representa essa prática. E perguntar quem ainda hoje necessita da caça para sobreviver? Podemos observar que as mudanças culturais de uma infinidade de comunidades é intensamente alterada partir de outras variáveis muito mais sensíveis e devastadoras do que o hábito de caçar. Então porque essa parcimônia em aplicar a lei em países como o Brasil, impedindo a caça onde ela não mais se justifica? Caça essa que está sendo a causadora do desaparecimento de muitas espécies hoje raras e ameaçadas. A retórica do bom selvagem e da manutenção de tradições que são alheias às consequências que advém de ações sem controle, atingem em cheio essas mesmas comunidades e também a sociedade em geral. É o caso da caça espoliativa, já atrelada em muitos casos à venda de carne e peles, ou praticada por quem não necessita absolutamente dessa prática para sua subsistência. Atividades dessa natureza devem ser combatidas de maneira veemente, deixando-se de lado posições demagógicas e de foro ideológico. Ajudar verdadeiramente as comunidades tradicionais passa longe do abandono à própria sorte, permitindo que liquidem em mais algum tempo o pouco recurso de que dispõe para manter suas tradições e sua cultura. Ajudar comunidades tradicionais, em última instância, significa manter condições de topo de cadeia nas áreas que habitam. O resto é conversas barata sem sustentação científica e que, embora em menor grau, se comparado ao desenvolvimento convencional, ajuda na devastação de nossa biodiversidade e na degradação das culturas tradicionais, sejam elas quais forem.