((o))eco inicia esta semana a publicação da retrospectiva 2019 temática. Neste texto, analisamos as queimadas na Amazônia.
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O ano de 2019 não foi de seca extrema, nem estava sofrendo com o El Niño. Mesmo assim, em agosto, começou o pico das queimadas no bioma. O desmatamento expôs o solo. A mão do homem fez o resto. Com as folhas secas na área recém convertida em pasto, grandes áreas da Amazônia (mas não apenas lá) pegaram fogo, em quantidade não esperada para um ano não tão seco.
O fator político teve seu papel. Querendo mostrar apoio para a política ambiental do presidente Bolsonaro, um grupo de ruralistas em Novo Progresso, no Pará, promoveu o “dia do fogo”, na região da BR 163.
Relembre o assunto:
19 de agosto – Durante à tarde, a cidade de São Paulo viu o céu em plena escuridão. Focos de incêndio de enormes proporções que ocorreram na tríplice fronteira do Brasil, Bolívia e Paraguai, nas últimas 72 horas, apareceu, em um primeiro momento, como culpada pelo escurecimento da maior cidade do país. Inicia a crise das queimadas na opinião pública.
Chuva com fuligem, confirma-se as suspeitas de que o fenômeno que escureceu SP não foi apenas pela presença de uma frente fria que formou nuvens densas e pesadas.
21 de agosto – O presidente Jair Bolsonaro disse que ONGs podem estar por trás das queimadas na Amazônia por terem perdido recursos e com os incêndios atingir o seu governo.
“A questão da queimada na Amazônia, que no meu entender pode ter sido potencializada por ONGs, porque eles perderam grana, qual é a intenção? Trazer problemas para o Brasil”, disse o presidente.
22 de agosto – Pesquisadores explicam que a escuridão que tomou o céu da capital paulista é uma junção de dois eventos: “a entrada de uma frente de ar frio, e a presença de uma nuvem de fumaça proveniente de queimadas originadas a centenas e até milhares de km de distância”, explicou Alberto Setzer, coordenador do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). De forma resumida, segundo os pesquisadores, a escuridão em São Paulo foi uma combinação entre a chegada das plumas de fumaça proveniente das queimadas, que interagiram com o vapor d’água na atmosfera, e o fenômeno meteorológico da frente fria, que formou nuvens densas e baixas.
Também, no dia 22 de agosto, o presidente da França, Emmanuel Macron, se manifesta sobre as queimadas na Amazônia e escreveu em sua conta no twitter: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está em chamas. É uma crise internacional”, escreveu o presidente francês.
Our house is burning. Literally. The Amazon rain forest – the lungs which produces 20% of our planet’s oxygen – is on fire. It is an international crisis. Members of the G7 Summit, let’s discuss this emergency first order in two days! #ActForTheAmazon pic.twitter.com/dogOJj9big
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) August 22, 2019
No mesmo dia, Bolsonaro reagiu às declarações de Macron: “Lamento que o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos p/ ganhos políticos pessoais. O tom sensacionalista com que se refere à Amazônia (apelando até p/ fotos falsas) não contribui em nada para a solução do problema”.
23 de agosto – O presidente Jair Bolsonaro autoriza o envio de militares das Forças Armadas para o combate às queimadas na Amazônia. A autorização veio através da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), onde os militares podem atuar em unidades de conservação, terras indígenas e em fronteiras.
25 de agosto – A Revista Globo Rural publicou uma reportagem sobre o “dia do fogo”, manifestação convocada pelo WhatsApp que promoveu queimadas na região da BR 163, entre Novo Progresso e Altamira, em 10 de agosto. A pecuarista Nair Brizola, de Cachoeira da Serra, que aparece na reportagem acusando o ICMBio, já havia recebido uma multa, por supostamente, “destruir 70,93 hectares de floresta do bioma amazônico mediante uso do fogo” dentro da Reserva Biológica da Serra do Cachimbo, umas das unidades de conservação mais desmatadas do Pará. Além disso, Nair teve uma motosserra apreendida avaliada em 1 mil reais.
Ainda sobre o “dia do fogo”, o “Jornal A Voz da Verdade”, do Pará, informou que um total de 246 membros, sendo que 70 deles estavam de acordo com os planos de promover um dia de queimadas, então formaram outro grupo chamado “SERTÃO”, criado pelo comerciante Ricardo de Nadai. Essas pessoas seriam “sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros” e queriam “mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que apoiam suas ideias de “afrouxar” a fiscalização do Ibama”.
O grupo teria contratado motoqueiros e motosserras para desmatar e espalhar fogo até chegar na Floresta Nacional do Jamanxim, em Novo Progresso, no Pará.
26 de agosto – O ministro Ricardo Salles participa do programa Roda Viva da TV Cultura e reconhece que a Força Nacional foi avisada sobre o
“Dia do Fogo”. A admissão do ministro tem a ver com o fato de que o promotor Gustavo de Queiroz Zenaide, do Ministério Público do Pará (MPF-PA), enviou um ofício ao Ibama alertando que produtores rurais planejavam realizar uma queimada no município de Novo Progresso no dia 10 de agosto. O ofício foi protocolado pelo Ibama de Santarém no dia 08 de agosto.
“(…) Como é que você faz numa situação em que há um relato de um possível fato (se foi três dias antes), como faz para controlar isso em caráter preventivo? Fazendo o que o Ibama fez, comunicando as autoridades para que ficassem atentos e o próprio Ibama por outro lado atento também”, disse Ricardo Salles no Roda Viva.
28 de agosto – Senadores protocolam requerimentos para criar duas Comissões Parlamentares de Inquérito: a CPI da Amazônia e das ONGs. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) protocolou pedido para que se investigue a atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia. Segundo o parlamentar do PSDB, a intenção é investigar as organizações de fachada que recebem recursos sem trabalhar. Já a CPI da Amazônia foi protocolada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para instaurar uma CPI para investigar o aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia.
2 de setembro – A polícia civil identificou o autor das ameaças ao jornalista Adécio Piran, que noticiou a intenção de produtores rurais, sindicalistas e grileiros de promoverem o “Dia do Fogo”, evento que ocorreu no dia 10 de agosto entre Altamira e Novo Progresso, cinco dias após a publicação da matéria. Segundo a polícia, o responsável pelas intimidações é Donizete Severino Duarte, administrador de um grupo no WhatsApp denominado “Direita Unida Renovada”. Ele foi indiciado por crimes contra a honra.
5 de setembro – Em um acordo feito entre a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, além do advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, o procurador-geral da Fazenda Nacional, José Levi Mello do Amaral Jr e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ficou decidido que R$ 1,06 bilhão de recursos pagos pela Petrobras na Operação Lava jato iria para a proteção ao Meio Ambiente.
O montante de R$ 1,06 bilhão será repassado da seguinte forma: R$ 430 milhões serão aplicados de forma descentralizada, sendo repassados para os estados da região amazônica, para prevenção, fiscalização e combate ao desmatamento.
Os R$ 630 milhões dizem respeito às ações da União, como a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e iniciativas do Ministério do Meio Ambiente e Ibama.
14 de setembro – Tem início um incêndio que atinge a região de Alter do Chão e Ponta de Pedras, em Santarém, no Pará. Com suspeitas de incêndio criminoso, a Polícia Civil do Pará tomou à frente das investigações, por meio da Delegacia de Conflitos Agrários de Santarém.
16 de setembro – Começa a ser controlado o incêndio em Alter do Chão.
16 de setembro – Peritos do Ministério Público Federal (MPF) do Projeto Amazônia Protege informa que um terço das áreas desmatadas ilegalmente e mapeadas pelo órgão este ano foi alvo de queimadas. Isto é, o fogo está sendo utilizado para consolidar ou expandir desmatamentos antigos. O laudo informa também que as áreas com focos de calor estão localizadas nos principais eixos de expansão de desmatamento na Amazônia Legal: BR -163, Sul do Amazonas, APA Triunfo do Xingu e Norte do Mato Grosso.
7 de outubro – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, notificou o presidente Jair Bolsonaro a explicar as suas declarações de que Organizações Não-Governamentais (ONGs) poderiam estar por trás das queimadas na Amazônia.
23 de outubro – Em resposta ao pedido de esclarecimento do Supremo Tribunal Federal sobre fala que vinculou ONGs a queimada, o presidente Jair Bolsonaro disse que “não teve objetivo de atingir ou ferir a honra de ninguém” e que o discurso proferido no dia 21 de agosto não passava de “mera opinião”.
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara dos Deputados (CMADS) aprovou relatório para investigar a atuação do ministro do Meio Ambiente diante das queimadas na Amazônia. Se os deputados considerarem que Salles foi negligente em relação à situação, poderão pedir o afastamento do ministro por crime de responsabilidade.
O inquérito é baseado na acusação de que os brigadistas causaram o incêndio para captar recursos de doação. Para a Polícia, o Projeto Saúde e Alegria e mais duas ONGs – Brigada Alter do Chão, Aquíferos Alter do Chão – serviram de laranjas para captação deste recurso.
27 de novembro – O juiz da 1ª Vara Criminal de Santarém, Alexandre Rizzi, negou a revogação da prisão preventiva dos brigadistas.
28 de novembro – “Ninguém está acima da lei, mas também ninguém pode ser condenado antes de esclarecer os fatos. Continuarei acompanhando o caso!”, discursou o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), ao anunciar a troca do chefe da investigação sobre a autoria dos incêndios em Alter do Chão, em Santarém, no oeste paraense. O atual inquérito, que resultou na prisão preventiva de 4 brigadistas voluntários da Brigada de Alter do Chão, foi questionado por ONGs, deputados, instituições e Ministério Público Federal por não apresentar evidências de que os suspeitos cometeram o crime.
28 de novembro – O juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara da Comarca de Santarém manda soltar Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner.
3 de dezembro – O Ministério Público Federal (MPF) enviou, nesta terça-feira (03), para o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara da Comarca Criminal de Santarém (PA), um pedido para que a competência sobre a investigação a respeito das queimadas em Alter do Chão e das prisões dos quatro brigadistas saia da esfera estadual e vá para a Justiça Federal.
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